Com novos projetos de usinas que têm potencial de geração de energia superior aos 14 gigawatts (GW) de Itaipu, o Rio Grande do Sul está no núcleo da crise hídrica, que ameaça a disponibilidade de energia elétrica no país. Em diferentes estágios e regiões, o mapa dos investimentos previstos elevaria em 125% a capacidade de energia produzida no Estado, dos atuais 7,1 GW para 15,89 GW.
Os aportes superam R$ 80 bilhões em plantas hidrelétricas, termelétricas e eólicas. As usinas, segundo relatório da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), estão localizadas na região da Serra e na divisa com a Argentina e somam 15,5 GW de capacidade. Já os eólicos contemplam o Litoral, Costa Doce e a fronteira com o Uruguai, com capacidade de 390 megawatts (MW).
Para se ter uma ideia, a região sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) atualmente possui 30 GW de capacidade instalada, um quarto dos quais (ou 7.145 GW) no RS. Isso equivale a 23% do total da geração de energia elétrica no país. As hidrelétricas representam 83% da matriz regional.
Os três Estados contam com 14% da população brasileira, mas utilizam 17% da energia disponível no país. O consumo total, per capita, também é 14% superior à média nacional. Quando a análise é o uso residencial da Região Sul, percebe-se que a demanda supera em 12% a média do Brasil, de acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Segundo a mesma base de dados, desde 2013, no lançamento do Plano Decenal de Energia, já havia previsão de aumento na demanda em 40%, até 2022.
— Temos uma Itaipu, bem aqui dentro (no RS), em pequenos projetos. Se tivermos mais celeridade poderemos avançar, não só em energia, mas em geração de renda e no preparo para futuras crises que virão — afirma o coordenador do Grupo Temático de Energia e Telecomunicações do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Edilson Deitos.
Segundo ele, mesmo que a lógica do sistema nacional seja a integração e os investimentos em geração ocorram onde o custo é mais baixo, a capacidade dos projetos gaúchos não deve ser desprezada. Mas, no papel, não amenizam a situação atual, que começa nos reservatórios das hidrelétricas, em 2019, e chega, agora, de modo mais efetivo ao bolso dos consumidores com reajuste de tarifas.
O professor Guilherme Fernandes Marques, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos (Gespla) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que a intensificação da estiagem, na maior escassez de chuvas dos últimos 91 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), esvaziou os reservatórios de água das principais hidrelétricas do país, que respondem por 64,9% da matriz energética nacional.
Como o modelo de operações é o Sistema Interligado Nacional (SIN), quando uma determinada região está com baixo estoque, a geração é concentrada em outra com maior disponibilidade. Assim, é feito o intercâmbio de energia entre regiões, com o uso das linhas de transmissão que conectam o país.
Para se ter uma ideia, em 2019, o Rio Grande do Sul consumiu 88,7 gigawatts por hora (GWh) e produziu 136 GWh. Mesmo que o sistema seja integrado, até este momento, a relação era superavitária. No entanto, agora, Estados das regiões Sul e Sudeste, antes exportadores, demandam por eletricidade de outras unidades, dentro do SIN.
O agravamento da crise
Com a intensificação da estiagem, a seca chegou à bacia do Rio Paraná e, em 2021, o Sul passou a receber energia do restante do país. O subsistema Norte, antes importador, produziu excedentes, boa parte de matriz eólica, e lançou 3.595 MW na rede integrada, já em janeiro.
Agora, com baixa disponibilidade de água tanto no Sul quanto no Sudeste, comenta o professor da UFRGS Guilherme Fernandes Marques, é necessário segurar ao máximo os reservatórios para ampliar a capacidade de geração ao longo do tempo. Isso acontece porque, em níveis muito baixos, as turbinas hidrelétricas não operam.
— É preferível gerar um pouco menos de energia por um tempo para ampliar os reservatórios do que continuar em condições normais e, de repente, ter de interromper a geração. Se parar, aí, sim, existe um alto risco — analisa o professor da UFRGS.
Antes disso, de modo preventivo, em novembro do ano passado, o ONS já havia recomendado o uso de termelétricas com o objetivo de poupar a água dos reservatórios. A medida, sempre que necessária, encarece o custo de produção, uma vez que estas usinas precisam arcar com preço dos combustíveis (óleo, gás, carvão), inexistentes na geração hídrica.
Algumas termelétricas demandam até R$ 2 mil por MWh, enquanto nas hidrelétricas os valores são inferiores a R$ 300 por MWh. Por esta razão, o Ministério de Minas e Energia já projeta que, além dos repasses consolidados, o acionamento das usinas térmicas resultará em custo adicional de R$ 9 bilhões aos consumidores.
O coordenador da Fiergs Edilson Deitos confirma que o momento é delicado, mas diz que as medidas possíveis foram adotadas. Para ele, as políticas do sistema elétrico têm efeito de longo prazo e, por isso, muito da atual conjuntura é consequência da Medida Provisória (MP) 579, convertida na Lei Federal 12.783/2013.
Naquele momento, foram privilegiadas as chamadas usinas fio d'água, ou pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Ou seja, com reservatórios apenas para a regularização diária ou semanal, mas com baixa capacidade de armazenamento.
— Isso mostra o quanto a falta de grandes reservatórios gera impactos ambientais, econômicos e sociais. É o momento de analisar a grande dependência que temos em energia e não gerar tantos entraves para projetos desta área — defende.
Neste contexto, o especialista revela que parte do atraso está nos licenciamentos ambientais para novos projetos.
— Em momentos de crise hídrica, como a que estamos enfrentando, o importante é avaliar o ambiental, mas também o econômico e o social, e o que a falta de uma maior celeridade na aprovação poderá causar — afirma Deitos.
Projeto em diferentes estágios no RS
- Eólicos: 12 GW
- Pequenas hidrelétricas: 390 MW
- Usinas hidrelétricas (Garabi e Panambi): 2,2 GW
- Usinas térmicas: 1,3 GW
- Total: 15,890 GW
Geração atual de energia no RS
- Usina hidrelétrica (Itaipu): 3.878 GW
- Usinas térmicas: 2.067 GW
- Pequenas hidrelétricas e centrais geradoras hidrelétricas: 590 GW
- Eólica: 610 MW
- Total: 7.145 GW