A chegada do período mais ventoso do ano, marcado pela presença do famoso Nordestão na costa gaúcha, tem potencial para ampliar em pelo menos 13% a geração de energia eólica no Rio Grande do Sul nos próximos três meses. Entre entidades e especialistas do setor, a expectativa é de que a “safra de ventos” de 2021 — quando as rajadas são mais fortes e constantes — ganhe potência de Norte a Sul e ajude o país a fazer frente à ameaça de racionamento.
Todos os anos, explica Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), as lufadas se tornam mais intensas, no Brasil, no segundo semestre. Nesse período, historicamente, as chuvas diminuem e a ventania aumenta. Quanto mais seco é o clima, mais farto é o vento.
Nos últimos meses, o país vem sendo castigado pela maior crise hídrica em nove décadas. A aridez afeta principalmente os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste. Se falta água lá, sopra brisa abundante nas zonas litorâneas do Nordeste e do Rio Grande do Sul, que concentram a maioria dos 726 parques eólicos do Brasil.
Em agosto, a produção dos cata-ventos já representa 16% da eletricidade consumida no país, acima da média anual, de 12%. Até o fim do ano, segundo projeção da Abeeólica, o percentual deve saltar para pelo menos 20% do abastecimento.
— Temos uma relação inversa entre chuva e vento. Quando há estiagem mais profunda, isso necessariamente significa uma proporção maior de ventos, que ficam mais estáveis e velozes, proporcionando uma geração maior de energia. Mas essa ampliação da produção e os recordes que estão sendo batidos se devem, também, ao aumento da capacidade instalada. A cada ano, estamos somando, em média, 2,5 gigawatts ao sistema. Temos mais turbinas e mais vento, uma combinação perfeita — diz a presidente da entidade.
De acordo com a associação, as fontes eólicas contabilizam 19,1 gigawatts de potência, o equivalente a 10,8% da matriz elétrica nacional. De longe, o Nordeste lidera o setor (90% da capacidade está lá), mas o Rio Grande do Sul também contribui para o sistema.
À frente do Departamento de Energia da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, Eberson Silveira ressalta que, entre setembro e novembro, a produção eólica em solo gaúcho cresce 13%, se comparada à média do ano. Isso representa incremento de 85 megawatts, produzindo 60 gigawatts-hora mensais de energia elétrica, volume equivalente ao consumo de municípios como Lajeado ou Canoas. Foi assim no período de 2018 a 2020, e a torcida é para que esses percentuais se repitam em 2021 e se ampliem nos próximos anos.
— Costumo dizer que, em relação ao Brasil, o Rio Grande é a ovelha eólica desgarrada do rebanho. Somos o Estado com maior potencial individual entre os Estados brasileiros (medições indicam possibilidade de 103 gigawatts em terra firme, mais 114 gigawatts sobre lagoas e oceano, medidos a cem metros de altura). Temos projetos que somam potência de 12 gigawatts (hoje, a potência instalada é de 1,8 gigawatt). Não é sonho. Os projetos têm nome e endereço — afirma Silveira, professor do curso de especialização em Energias Renováveis da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS).
As perspectivas também animam o presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Estado (Sindienergia-RS), Guilherme Sari. O empresário diz que os ventos, por aqui, têm um diferencial: sopram mais no final da manhã e à tarde. Isso significa que o fornecimento elétrico coincide com os horários de maior demanda e, de certa forma, complementa a geração no Nordeste (mais forte no meio da tarde e à noite). Como o sistema é interligado, o Sul ajuda a equilibrar a balança. Na primavera, confirma Sari, a participação aumenta.
— Esse é, de fato, um período de bastante vento aqui, com maior presença do Nordestão. Com certeza, a gente vai ter uma produtividade maior. Na média, geramos 40% da capacidade, mas, nessa época, o percentual cresce. Em alguns momentos, dependendo do dia e das condições, pode inclusive passar de 50% — destaca Sari.
Complexo de Osório prevê aumento de até 25% na produção
Primeiro parque de grande porte inaugurado no Brasil, em 2006, o Complexo Eólico de Osório, no Litoral Norte, celebra bons resultados e, graças à estação dos ventos, projeta elevar a geração de energia em até 25% até o fim do ano.
— Durante os meses de setembro a dezembro, em que o regime de ventos normalmente aumenta pela presença do vento Nordeste acompanhado de um menor volume de chuva, estimamos um aumento de produção da ordem de 20% a 25%, em comparação com a produção média mensal no primeiro semestre do ano — diz Felipe Ostermayer, diretor da Enerfín do Brasil, empresa que administra o empreendimento.
Segundo o executivo, em 2020, parques da companhia no Rio Grande do Sul (em Osório e em Palmares do Sul) superaram a produção de 1 milhão de megawatts-hora, quantidade equivalente ao consumo residencial de 1,7 milhão de pessoas — acima do número de habitantes de Porto Alegre. O predomínio de períodos mais secos na região tem contribuído, conforme Ostermayer, para uma geração acima da média e, em 2021, a expectativa é de repetir a marca.
Responsável pelo Parque Eólico de Tramandaí, a EDP Renováveis também prevê bons resultados no segundo semestre, embora não mencione números. Por meio de nota, a companhia diz que “situações pontuais, como a que vive o país no momento, fazem com que as fontes renováveis ganhem protagonismo”. Com a colheita de ventos no município, a EDP “tem contribuído para abastecer mais de 200 mil habitantes, aproximadamente quatro vezes o tamanho da cidade de Tramandaí”.