Marcado por flexibilização de jornada e de salários, o trabalho intermitente registrou crescimento no Rio Grande do Sul no primeiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2020. De janeiro a março, essa modalidade de contratação abriu 756 postos, aumento de 224,46% ante os primeiros três meses do ano anterior, segundo dados do Ministério da Economia. Ou seja, esse regime de emprego mais do que triplicou nesse intervalo de tempo. O saldo é o resultado de 2.303 contratações e 1.547 demissões.
O trabalho internamente é uma das principais mudanças provocadas pela reforma trabalhista de 2017, instituída durante o governo Michel Temer. Esse regime tem contrato com prestação não contínua de serviços, que permite a alternância de períodos de trabalho e de inatividade. O modelo prevê carteira assinada e direitos trabalhistas com repasse proporcional, como depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o recolhimento das contribuições previdenciárias.
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, avalia que as incertezas em relação à abertura das atividades econômicas em parte do primeiro trimestre diante da pandemia de coronavírus ajudam a explicar esse crescimento.
— Nessas situações onde você enxerga esse para e continua, como a gente verificou aqui no Estado, o trabalho intermitente passa a ser uma alternativa, especialmente para o principal contratante, que é o setor de serviços — explica Patrícia.
A expansão no trabalho intermitente ocorre na esteira do avanço do mercado de trabalho formal no Rio Grande do Sul como um todo, que gerou 74.448 vagas no primeiro trimestre. Mesmo com o salto em números absolutos, esse modelo de contratação representa cerca de 1% de todos os postos com carteira assinada abertos nos três primeiros meses de 2021 — mesmo patamar de 2020. A economista-chefe da Fecomércio afirma que essa adesão baixa dentro do total ocorre em razão de certa insegurança ainda sentida pelos empregadores em relação ao modelo.
O economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José de Mattos avalia que, em situações atípicas e de crise, o trabalho intermitente acaba sendo uma alternativa interessante. Segundo o economista, isso ajuda a explicar a maior criação de vagas no período. Mattos observa que os dados mostram um cenário onde os empregadores ainda têm algumas ressalvas sobre esse tipo de contratação, que acaba sendo usada em momentos pontuais.
— Por mais que você elimine custos, a burocracia ainda existe. Ainda tem essa restrição. Então, me parece que pode ter empresário fazendo conta que daqui a pouco vale a pena enfrentar a burocracia padrão — pontua.
O setor de bares e restaurantes, um dos mais afetados pelas restrições da pandemia, é um dos segmentos que enxerga o trabalho intermitente como uma alternativa. A presidente da Associação de Bares e Restaurantes no Rio Grande do Sul (Abrasel-RS), Maria Fernanda Tartoni, avalia que esse tipo de contratação cresceu no setor nos primeiros meses do ano diante do cenário instável. A empresária destaca que a incerteza em relação à continuidade das flexibilizações em parte do primeiro trimestre impulsionou esse movimento.
— Como teve um período com mais flexibilização, mas não tinha a segurança de que essa flexibilização se manteria, a gente acaba se comportando de uma forma diferente ao contratar. O intermitente te dá mais flexibilidade, traz o funcionário para momentos mais específicos — explica Maria Fernanda.
Na comparação com o país, o trabalho intermitente no Estado segue movimento contrário. No Brasil, a modalidade recuou 19,36% no primeiro trimestre de 2021, com a abertura de 13.138 vagas — 3.155 a menos do que no mesmo período do ano anterior.
Tendência
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho Lúcia Garcia afirma que o crescimento do trabalho intermitente segue tendência de maior flexibilização no mercado de trabalho, também observada em outros países. A economista destaca que a pandemia apenas aumenta o ritmo dessa mudança. Lúcia salienta que esse tipo de trabalho garante renda para uma parcela da população e elimina parte da informalidade, mas reforça o enfraquecimento dos direitos trabalhistas:
— Esse tipo de trabalho é muito mais inseguro, porque não te garante nenhuma ocupação plena, rendimentos plenos, possibilidade de planejamento futuro. É uma perda para os trabalhadores de uma maneira geral. O contrato assalariado vira uma peneira, com uma cobertura ineficaz para a segurança dos trabalhadores.
Mattos, da PUCRS, afirma que o crescimento do emprego no país está diretamente ligado ao avanço da vacinação, que permitirá um ambiente mais seguro para retomada da economia. Nessa linha, com eventual avanço na geração de vagas, o economista estima que o trabalho intermitente deve seguir acompanhando o ritmo do mercado de trabalho formal nos próximos meses:
— Imagino que, nos próximos meses, deve crescer junto. A questão é depois que nós estivermos numa situação que possa ser considerada próxima do normal. Vamos ter que ver como os negócios se modificaram, porque os negócios vão mudar um pouco na maneira de atuar.
Patrícia, da Fecomércio-RS, também projeta que esse modelo de trabalho deve seguir acompanhando o crescimento da geração de emprego formal no segundo semestre. No entanto, ela destaca que o trabalho intermitente tem mais espaço para crescer:
— Ele tem espaço até para crescer mais porque quando a gente tem uma situação de insegurança, onde a gente não sabe direito o que vai acontecer, é mais seguro contratar pelo trabalho intermitente. Só vai pagar se fizer uso disso.
Na avaliação de Lúcia, o trabalho intermitente deve ter mais protagonismo em um futuro próximo em relação ao contrato tradicional, assim como o volume de trabalhadores por contra própria. A economista do Dieese destaca que esse cenário ocorre diante de uma tendência de flexibilização da utilização de mão de obra, que acaba aumentando a desigualdade social.