Em meio à insegurança econômica inflada pela pandemia de coronavírus, o Rio Grande do Sul registrou aumento na abertura de empresas. De janeiro a março deste ano, o Estado apresentou crescimento de 48% na constituição de empreendimentos, se comparado ao mesmo período de 2020, segundo o banco de dados da Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul (JucisRS).
No primeiro trimestre, foram criadas 64.202 empresas em solo gaúcho, ante 43.239 no mesmo período de 2020, quando a crise sanitária ainda não havia desembarcado com força no país. Em um recorte dos últimos cinco anos, 2021 apresenta o maior total de abertura de novos negócios nesse espaço de tempo. Os microempreendedores individuais (MEIs), que têm o processo de abertura centralizado pelo governo federal, continuam ocupando a maior parte desse volume, com 82,4% do total (veja mais abaixo). Esse movimento é percebido desde que esse tipo de empresa começou a operar, em meados de 2009, e vem ganhando força nos últimos anos.
A presidente da JucisRS, Lauren Momback, afirma que, além do enfrentamento ao desemprego por parte dos trabalhadores, movimentos do governo do Estado na simplificação de processos, como a isenção de taxa para a constituição de alguns tipos de empresa, também ajudam a explicar parte dessa elevação. Segundo Lauren, esse conjunto de fatores também criou ambiente para as pessoas saírem da ilegalidade.
— Acredito que muitas pessoas também estavam na informalidade e tiveram agora a oportunidade de se formalizar.
O diretor-superintendente do Sebrae-RS, André Vanoni de Godoy, avalia que a busca por renda em um cenário onde o desemprego, agravado pela restrições causadas pela crise sanitária, atinge níveis altos no país ajuda a explicar o crescimento na abertura de empresas. Godoy destaca que a necessidade da formalidade diante das novas dinâmicas do mercado de trabalho também tem participação nesse movimento.
— Muita gente perdeu o emprego. Muita gente que era informal e precisa se relacionar com o mercado formal não consegue mais fazer isso. Então, a formalização de CNPJs, especialmente no caso dos MEIs, é uma alternativa para essa geração de renda — afirma o diretor-presidente do Sebrae-RS.
Na comparação entre os dois trimestres, o número de fechamentos de empresas também cresceu em 2021, mas em ritmo menor, 31%. Godoy credita esse cenário à extinção de companhias que não conseguiram ou não tinham como se adaptar em meio às restrições impostas pela pandemia.
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho, Lúcia Garcia avalia que a elevação na abertura de empresas não surpreende no contexto atual e mostra uma espécie de “sobrevivência” dos trabalhadores em meio às mudanças no mercado de trabalho. A especialista avalia que esse movimento cresce junto com a terceirização e com as flexibilizações no âmbito do trabalho, que ganharam força nos últimos anos no país:
— Essa reação que a gente vê de empresas individuais e MEIs já vinha se acelerando com as mudanças institucionais desde 2015, com gradual ganho de ritmo, e a pandemia imprimiu uma nova velocidade para essas mudanças.
Futuro
A presidente da JucisRS estima que o crescimento da constituição de empresas deve continuar aumentando nos próximos meses. Lauren Momback avalia que as ações do governo e o avanço da vacinação devem ajudar a impulsionar esse movimento.
Pensando em um cenário pós-pandemia, a economista Lúcia Garcia projeta um mercado de trabalho no Brasil com assalariamento menor e racionalizado e com maior número de MEIs e empresários individuais.
O diretor-superintendente do Sebrae-RS destaca que a volta à normalidade no âmbito das atividades econômicas está ligada ao avanço da imunização contra a covid-19 no país. O diretor também estima que o cenário econômico e, consequentemente, a abertura e recuperação de empresas, deve melhorar no segundo semestre com maior número de população vacinada.
Godoy afirma que programas assistenciais do governo federal, como Benefício Emergencial (BEm) e do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), devem ajudar a frear o fechamento de empresas.
Em relação aos trabalhadores que pensam em abrir um novo negócio, o diretor-superintendente do Sebrae-RS afirma que é preciso atender aos novos hábitos de consumo dos consumidores, como maior demanda por canais digitais. O dirigente destaca que mesmo empreendedores sem muita estrutura de tecnologia podem impulsionar esse atendimento por meio de aplicativos de mensagem, como o WhatsApp.
— Os modelos de negócio precisam incorporar canais de relacionamento com o consumidor que inclua o digital. As empresas que não fizerem isso, em qualquer ramo, dificilmente terão condições de prosperar — saliente Godoy.
Cuidados com a estrutura de custos e com o fluxo de caixa são outros pontos que precisam ser priorizados pelos empreendedores para evitar problemas na saúde do negócio no futuro, segundo o diretor.
— As empresas quebram por falta de dinheiro. Tem muita empresa que, mesmo tendo um mercado promissor pela frente, não consegue triunfar porquê descuida do caixa — pontua.