Não bastasse a dor das cerca de 16 mil mortes, o lastro de prejuízos econômicos é outra ferida aberta pela pandemia no Estado. Em um ano, a crise de origem sanitária paralisou negócios, elevou o desemprego e dificultou a vida de empreendedores. São histórias de pessoas que viram o trabalho desmoronar do dia para a noite, mas que seguem em busca de reação.
Um dos capítulos iniciais da tempestade provocada pelo coronavírus ocorreu em 19 de março de 2020. À época, o governo estadual decretou situação de calamidade pública, com o anúncio de restrições a atividades para tentar frear o inimigo invisível.
De lá para cá, a pandemia voltou a ganhar força, pressionando o sistema de saúde, e a economia segue em dificuldades. Prova é a queda na renda do trabalho dos gaúchos.
No quarto trimestre de 2020, período mais recente com dados disponíveis, a massa salarial encolheu 11,8% no Rio Grande do Sul, em relação a igual intervalo de 2019. GZH consultou o dado, que leva em conta a inflação, na base do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Tecnicamente, o indicador é chamado de massa de rendimento real efetivamente recebido no mês.
Na prática, estima o total de salários que os profissionais ganham com o exercício de atividades formais ou informais. A segunda inclui os populares bicos.
No quarto trimestre de 2020, a massa salarial foi de R$ 13,485 bilhões no Estado. Em igual período de 2019, chegou a R$ 15,293 bilhões. A baixa de 11,8% vem dessa comparação. É como se, no intervalo de um ano, R$ 1,8 bilhão deixassem de ir para o bolso dos trabalhadores gaúchos. O resultado de 2020 é o segundo menor para o quarto trimestre na série histórica do IBGE. A pesquisa começou em 2012.
Professor da Escola de Negócios da PUCRS, Ely José de Mattos pondera que medidas como o auxílio emergencial atenuaram as perdas geradas pela covid-19 no mercado de trabalho. O economista, por outro lado, chama atenção para a necessidade de o Brasil avançar na vacinação. É a imunização em massa que pode frear o coronavírus e reduzir restrições a atividades em 2021, lembra Ely.
— A pandemia deixa sequelas. Afeta completamente a estrutura da economia, a geração de bens, produtos, renda e consumo. Claro, houve impactos diferentes em cada país, dependendo da estrutura econômica de cada local — diz.
— A questão é que o Brasil quase não vacinou até agora. O que temos hoje não faz cócegas na transmissão do vírus. A ampliação da vacinação é a ferramenta para gerar uma retomada na economia — conclui.
Dimensão
Conforme o IBGE, o Rio Grande do Sul tinha 5,222 milhões de trabalhadores ocupados no quarto trimestre de 2020. O grupo contempla profissionais com carteira assinada ou CNPJ e informais.
Ao final de 2019, eram 5,728 milhões. Ou seja, em meio à pandemia, a parcela ocupada perdeu 506 mil integrantes. A quantia se assemelha à população de Caxias do Sul (517,5 mil), na Serra.
Nem todas as pessoas que deixaram o grupo de ocupados são consideradas desempregadas. Pelas estatísticas oficiais, um trabalhador está desocupado quando não atua, mas segue à procura de novas oportunidades. Com as restrições da pandemia e medidas como o auxílio emergencial, a busca pode ter sido postergada.
Ao final de 2020, a taxa de desemprego no Estado ficou em 8,4% – 476 mil desempregados. No quarto trimestre de 2019, os indicadores eram menores. A taxa estava em 7,1%, com 441 mil desocupados.
Professor da ESPM em Porto Alegre, o economista Fábio Pesavento também sublinha que a retomada dos negócios e a melhora do mercado de trabalho dependem da vacina contra a covid-19.
– Perdemos o timing para planejar a vacinação no país, que tem forte tradição nessa área. Além de custar vidas, a piora da pandemia impacta a atividade econômica, porque gera medidas mais restritivas – pontua Pesavento.
O que falta para a retomada
Economistas frisam que a retomada dos negócios, com estímulos ao mercado de trabalho e à renda, passa necessariamente pela trégua na pandemia.
Em outras palavras, a melhora depende do avanço da vacinação contra a covid-19. É que setores como comércio e serviços precisam da circulação de consumidores, reduzida pelas medidas de distanciamento social.
Em meio à piora da pandemia, medidas paliativas também são importantes, dizem economistas. Entre elas, está a volta do auxílio emergencial. Mesmo com o valor reduzido, o benefício tende a dar algum fôlego para camadas desfavorecidas. No ano passado, o auxílio serviu de combustível para o consumo de produtos básicos, como alimentos. Mas não custa reforçar: ações do tipo são momentâneas, e a retomada segura ao trabalho está relacionada à vacinação em massa.
Os resultados
Pandemia derrubou a massa de rendimento efetivamente recebido com o trabalho. Indicador estima a soma dos salários dos gaúchos em atividades profissionais, com ou sem carteira assinada (em R$ bilhões).
Renda inferior
2019
1º tri 16,177
2º tri 14,563
3º tri 14,539
4º tri 15,293
2020
1º tri 16,117
2º tri 12,798
3º tri 12,974
4º tri 13,485
Desemprego
Número de trabalhadores desempregados aumentou frente ao final de 2019. Grupo reúne profissionais que seguem à procura de oportunidades formais ou informais (em milhares)
2019
1º tri 485
2º tri 505
3º tri 540
4º tri 441
2020
1º tri 504
2º tri 535
3º tri 574
4º tri 476
Ocupação menor
Número de trabalhadores ocupados caiu. Grupo reúne tanto profissionais com vínculos formais quanto aqueles na informalidade (em milhões)
2019
1º tri 5,584
2º tri 5,631
3º tri 5,570
4º tri 5,728
2020
1º tri 5,579
2º tri 5,140
3º tri 4,974
4º tri 5,222
Fonte: IBGE
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