Três meses depois das primeiras medidas de distanciamento social em razão do coronavírus, o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, faz um balanço das dificuldades financeiras do Estado e projeta o que vem pela frente. Segundo o economista, as perdas de arrecadação — que atingiram o ápice em maio e devem somar cerca de R$ 2,2 bilhões no fim de junho —, tendem a prosseguir até dezembro, mesmo que a pandemia perca força.
Neste mês, o quadro vem apresentando leve melhora frente ao que era esperado. A queda no ingresso de recursos, estimada inicialmente em R$ 700 milhões, deve ficar na casa dos R$ 500 milhões. Ainda assim, preocupa.
Em julho, com as novas restrições impostas pela bandeira vermelha em cidades como Porto Alegre, a previsão é de prejuízo próximo a R$ 450 milhões. Embora o socorro federal tenha chegado, veio com atraso e em valor insuficiente — a primeira das quatro parcelas de R$ 486,3 milhões foi depositada no início de junho e terminou em questão de horas. Isso significa que seguirá faltando dinheiro para pagar em dia compromissos básicos, como os salários dos servidores do Executivo, que contabilizam 54 meses de atrasos e parcelamentos desde 2015.
Na avaliação de Cardoso, a superação da crise passa por reformas. Entre elas, está a revisão da matriz tributária, que deve ser apresentada pelo governador Eduardo Leite até setembro. Além disso, o secretário afirma que o governo não desistiu do regime de recuperação fiscal, tema relegado ao segundo plano com o avanço da covid-19.
Desde 2017, o Estado tenta aderir, sem sucesso, ao programa de ajuste da União, que assegura carência no pagamento da dívida e abre espaço a novos financiamentos. Agora, o Palácio Piratini aguarda a votação de um novo projeto na Câmara, que prevê a revisão das normas para fazer nova tentativa. Se a proposta for aprovada, a adesão pode se tornar mais fácil e o prazo de vigência das medidas será alongado de seis para 10 anos.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida por Cardoso na última sexta-feira (26).
A ajuda federal finalmente chegou, com a primeira parcela paga no início de junho. Como está a situação das finanças hoje? Segue crítica?
A gente continua com queda na arrecadação. O pior momento foi aquele do choque inicial, as semanas seguintes ao início do isolamento até por volta de 20 de abril. Como o impacto na arrecadação ocorre sempre com deslocamento de um mês, maio foi o pior momento para o Estado. Desde então, a própria economia vem achando um jeito de se adaptar. Ainda que estejam em casa, as pessoas têm de consumir. De um modo geral, os setores já não operam mais com queda de 60% e 70%, como a gente chegou a ver.
E como está o mês de junho?
Estamos voltando para o patamar de abril: em vez de cair quase 30% em termos reais, a arrecadação está caindo na faixa de 14%, 15%. Mas ainda é muito. O problema é que a gente enfrentou um intervalo muito grande de perdas até chegar a ajuda federal, que é insuficiente e ficou deslocada no tempo. Ainda que junho volte a registrar perdas menores, seguiremos com frustração de receita. Mesmo que passe o pior da pandemia, a perspectiva é de que não teremos nenhum mês com arrecadação normal neste ano.
Com as novas restrições, em razão da bandeira vermelha em cidades como Porto Alegre, a arrecadação pode piorar outra vez em julho?
A gente ainda vai ter de ver o efeito. Nas emissões de notas fiscais, que vêm sendo acompanhadas pela Receita Estadual, não temos nada parecido com o que foram aquelas primeiras semanas. Talvez a gente fique no mesmo padrão de junho.
A partir de janeiro de 2021, as alíquotas de ICMS voltam ao patamar de 2015. Quando será apresentada a proposta de reforma tributária do Estado?
Estamos discutindo internamente de maneira bem avançada. O cronograma depende da decisão do governo quanto ao melhor momento. Trabalhamos sempre com aquele processo de discussão prévia das reformas, com apresentações iniciais para deputados, imprensa, associações. Pretendemos fazer isso outra vez, buscando o diálogo. Essa é uma reforma que consideramos indispensável.
Desde o início da pandemia, não se falou mais no regime de recuperação fiscal. Além disso, as mudanças nas regras, propostas em 2019 pelo ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, não vingaram. O governo do Estado ainda quer aderir?
O deputado Pedro Paulo, que era o relator do projeto proposto por Mansueto, protocolou um novo texto em 16 de abril com o mesmo número da lei do regime, o que eu espero que seja um bom presságio. Ele protocolou o conteúdo do relatório que iria apresentar. Aí veio a pandemia e aquele projeto acabou virando o auxílio aos Estados, mas esse novo texto atualiza o PEF (Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal), o chamado Plano Mansueto, e revisa o regime de recuperação fiscal, além de dar uma solução à questão do teto de gastos (ao menos 10 Estados que renegociaram dívidas com a União não conseguiram cumprir o limite de despesas previsto no contrato, entre eles o RS), que é muito importante para nós e para outros Estados.
Então o governo não desistiu de aderir ao regime de recuperação?
Não desistimos de buscar a adesão ao regime. Isso continua sendo fundamental para o Estado, até porque o Rio Grande do Sul está fazendo as reformas necessárias. Não temos condição de voltar a pagar a parcela inteira da dívida com a União nos próximos anos (que está suspensa por liminar desde 2o17). Esse é um problema que o próprio governo federal terá de resolver. Ou vai ficar com liminar eternamente? Claro que tudo que depende de agenda legislativa, ainda mais em uma pandemia, mas esperamos que se abra uma janela no início do segundo semestre para votação.