Com cinco cenários traçados, a Receita Estadual apresenta nos próximos dias, ao governador Eduardo Leite, o esboço da proposta de revisão do sistema tributário gaúcho. Além de indicar medidas para compensar o fim da majoração do ICMS, a intenção é mudar a forma como é cobrada a conta e simplificar o sistema, reduzindo o número de alíquotas para, no máximo, duas.
Depois de analisar as possibilidades, Leite definirá os detalhes, que serão discutidos com empresários, dirigentes de setores e deputados estaduais. O objetivo é repetir a estratégia que garantiu a aprovação do pacote do funcionalismo: ouvir os atores envolvidos, negociar pontos do texto e assegurar apoio na Assembleia.
Para chegar às cinco opções apresentadas a Leite — cujos pormenores são mantidos em sigilo —, auditores fiscais partiram de um quebra-cabeças com 3 mil combinações, tamanha a complexidade do arcabouço tributário estadual. O grande desafio será suprir as perdas com a redução de alíquotas – que significará R$ 3 bilhões a menos na arrecadação anual – e, ao mesmo tempo, tornar o Estado mais atrativo para investidores e competitivo em relação a outras regiões do país.
Em 2015, por iniciativa do governo de José Ivo Sartori, a Assembleia aprovou o aumento da alíquota básica de 17% para 18% e da alíquota sobre produtos e serviços seletivos (como gasolina, álcool e telecomunicações) de 25% para 30%. Em dezembro de 2018, a pedido de Leite, a ampliação foi prorrogada até o fim de 2020. Em troca, o atual governador se comprometeu a não pedir nova prorrogação e a propor a reformulação do sistema.
É preciso analisar toda a política tributária. As alíquotas majoradas do ICMS foram a escolha do caminho mais fácil, garantindo o ingresso de receita sem grande esforço e punindo a população. As pessoas não têm o que fazer. Todo mundo reclama, mas acaba consumindo. É necessário promover uma ampla revisão de benefícios e incentivos não só a empresas, mas também a setores.
EDUARDO LEITE
Em entrevista concedida a GaúchaZH em dezembro de 2019
A tarefa é complexa e delicada, porque Leite tem o apoio do empresariado desde o início da gestão e sempre foi defensor de menor carga tributária. De um lado, o plano é diminuir as alíquotas dilatadas desde 2015 e retirar produtos do regime de substituição tributária, alvo de descontentamento entre empresários. De outro, Leite deve propor o corte de incentivos fiscais e de benefícios sobre produtos de consumo. Para determinados setores, isso se traduzirá em aumento de custos.
A saída para aplacar possíveis críticas, segundo o chefe da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, será adotar mecanismos de "compensação cruzada" e manter a mesa de diálogo aberta.
— A ideia é a seguinte: retiro um benefício da indústria ou do atacado, mas compenso essa perda com algo que é importante para o setor, que simplifica e aumenta a sua competitividade. É uma avaliação de custo-benefício de cada medida, que queremos debater com os representantes dos setores — diz Pereira.
Outra mudança no horizonte, conforme o auditor fiscal, é restringir a quantidade de alíquotas de ICMS "para uma ou duas". Com isso, a meta é chegar à "simplificação extrema" do sistema, alinhada aos projetos de reforma federal em debate no Congresso.
Hoje, há cinco alíquotas nominais previstas em lei para operações internas no Estado e três para operações interestaduais, mas, na prática, devido a alterações feitas ao longo das últimas décadas, o número é maior.
— As alíquotas efetivas são inúmeras e dependem da base de cálculo sobre a qual é aplicada a alíquota nominal. Simplificar isso facilitará a operação do imposto para as empresas, agilizará a administração tributária e eliminará uma série de exceções, que complicam as operações e aumentam a insegurança jurídica e a incerteza tributária — afirma Pereira.
A expectativa, no Palácio Piratini, é de que a revisão do sistema seja aprovada antes das eleições de outubro (por meio de pelo menos cinco projetos de lei), para que possa entrar em vigor em janeiro de 2021.
Por que Leite quer mudar o sistema
Na campanha eleitoral, Eduardo Leite defendeu a prorrogação das alíquotas majoradas de ICMS* até 2020 e se comprometeu a reformular o sistema tributário para reduzir as alíquotas e recuperar a competitividade do Estado.
*Alíquotas elevadas
Em 2015, o governador José Ivo Sartori propôs a ampliação de alíquotas de ICMS para fazer frente à crise. O pedido foi aprovado na Assembleia, com prazo até 31 de dezembro de 2018, mais tarde prorrogado para 31 de dezembro de 2020.
Qual é a principal dificuldade
Com o fim da majoração, o Estado perderá cerca de R$ 3 bilhões em arrecadação bruta por ano. Desse valor, por lei, 25% ficam com os municípios e 75%, com o governo estadual. Em 2019, isso representou, para o Estado, cerca de R$ 2,2 bilhões, o equivalente 1,8 folha líquida do Executivo. A principal dificuldade de Leite é cumprir a promessa e, ao mesmo tempo, não perder receita.
Como será a proposta
Os detalhes ainda não foram divulgados, porque dependem de decisão do governador. O que se sabe é que a Receita Estadual elaborou cinco cenários possíveis, que incluem: redução das alíquotas, corte de incentivos fiscais, diminuição de benefícios sobre produtos de consumo e retirada de produtos do regime de substituição tributária (quando a indústria recolhe imposto pelas demais empresas da cadeia produtiva sobre um valor estimado de venda ao consumidor). Serão pelo menos cinco projetos de lei.
ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é o principal tributo estadual. Praticamente todas as operações comerciais têm incidência de ICMS, como a compra de combustível, alimentos, bebidas e de eletrodomésticos e a aquisição de serviços, dos transportes às telecomunicações.
A arrecadação bruta de ICMS do Estado em 2019 foi de R$ 36 bilhões (80% de toda a receita tributária)
Alíquotas de ICMS em vigor no RS
1) Nas operações interestaduais com mercadorias ou prestações de serviços: 4% (sobre produtos importados), 7% ou 12% (dependendo de onde estiver o destinatário).
2) Nas operações internas com mercadorias ou prestações de serviços: 12%, 18%, 20%, 25% e 30%, conforme o produto ou serviço.
Esses percentuais podem ser alterados via Assembleia, ao contrário dos índices citados no item 1, sobre os quais o Estado não tem ingerência. É no ICMS sobre operações internas que o governo do Estado deve promover alterações.
E se a reforma tributária federal acabar com o ICMS?
Conforme o chefe da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, se isso ocorrer, a transição será longa. Dificilmente o ICMS será extinto de um dia para outro, e o Estado irá se adaptar de forma progressiva. Na avaliação dele, o governo Leite não pode esperar pela reforma nacional para "retomar o crescimento e a competitividade do Estado". Pereira afirma, ainda, que, no caso do RS, as medidas propostas valerão "enquanto não existir outro sistema tributário nacional".