A pandemia de coronavírus atinge em cheio o mercado de trabalho. Reflexo da crise, o número de pedidos de seguro-desemprego no Rio Grande do Sul disparou 55,1% na soma de abril e maio, em relação a igual intervalo do ano passado. Com o salto, as solicitações chegaram a 119,8 mil nos dois últimos meses, apontam dados do Ministério da Economia.
O benefício pode ser acessado por trabalhadores com carteira assinada que foram demitidos sem justa causa. Segundo analistas, a disparada dos requerimentos é sintoma de que empresas enxergam restrições de mercado por longo período. Sem perspectiva de retomada rápida dos negócios, resolvem cortar postos de trabalho formal para aliviar o caixa. Na tentativa de evitar demissões em massa, o governo federal editou, em abril, a medida provisória (MP) 936. O texto permite a empresários reduzir jornada e salários por até três meses ou suspender contratos por, no máximo, 60 dias.
No Estado, 456,7 mil trabalhadores tiveram a jornada reduzida ou o contrato suspenso até 26 de maio. Em ambos os casos, o governo federal é responsável pelo pagamento de parte dos salários. Como contrapartida, as empresas precisam garantir a estabilidade de funcionários por até três meses depois da redução de jornada ou por até 60 dias após a suspensão de contratos.
– Empresários tentam não demitir, mas é inevitável em uma crise como esta. A autorização para corte de jornada ou suspensão de contrato salvou empregos. É difícil precisar quantos – afirma o economista Guilherme Stein, professor da Unisinos.
Os 119,8 mil pedidos de seguro-desemprego em abril e maio representam o maior número para o período desde o início da série histórica, com dados a partir de 2011. O grupo de pessoas que buscaram o benefício no Estado equivale à população de um munícipio do porte de Bento Gonçalves (120,4 mil habitantes), na Serra.
Abril e maio foram os dois primeiros meses completos desde a chegada do coronavírus ao Rio Grande do Sul. Por ora, apenas os dados do seguro conseguem sinalizar o prejuízo causado pela covid-19, nesse período, no mercado de trabalho.
As informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), outro levantamento do Ministério da Economia, só vão até abril. Já a pesquisa mais recente sobre desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reúne informações estaduais até março.
Segmentos
Em abril e maio, trabalhadores do setor de serviços responderam por 33,5% das solicitações de seguro-desemprego no Estado. Com maior peso na economia, a atividade foi responsável por quase 40,2 mil pedidos, alta de 56% em relação a 2019. Na indústria, o percentual de crescimento chama ainda mais atenção. Nos dois últimos meses, o número de solicitações por profissionais demitidos das fábricas quase dobrou. Foram 36,3 mil requerimentos, avanço de 89,6% frente a 2019. A atividade industrial respondeu por 30,3% de todos os pedidos.
Além da queda na demanda interna, o setor sofre no cenário internacional. Em maio, as exportações das fábricas desabaram 26,7% frente ao mesmo mês de 2019 – para US$ 775,7 milhões. É o pior resultado em 15 anos, conforme a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs).
– A indústria está entre os setores em que é mais difícil adotar o sistema de home office – frisa Stein.
Em busca de recolocação no mercado
Gabriel Santos, 24 anos, conheceu o desemprego com a chegada do coronavírus ao Rio Grande do Sul. Formado em Relações Públicas, o morador de Porto Alegre trabalhava na área de pós-venda de uma agência de intercâmbio. Como o setor que opera viagens para o Exterior foi um dos mais impactados pela pandemia, Gabriel não ficou imune à turbulência.
Durante a crise, teve férias antecipadas, mas em maio recebeu o aviso de demissão. Agora, quer aperfeiçoar o currículo enquanto procura vagas de emprego:
– Quero fazer alguns cursos nos próximos meses. Busco por empresas com uma cultura legal. Se possível, gostaria de seguir no atendimento a clientes, mas a área de atuação não é a prioridade.
A exemplo de Gabriel, a estudante de Administração de Empresas Alana Silva Kliar, 26 anos, também perdeu o trabalho em razão da crise. Moradora da Capital, a jovem era auxiliar administrativa do setor de cafeterias dentro de um complexo hospitalar.
Demitida em maio, já está em busca de nova oportunidade. A preferência é por seguir na área administrativa, mas Alana não descarta mudanças. Por enquanto, além da faculdade, planeja fazer cursos online para incrementar o currículo.
– Fui desligada com um grupo de colegas. Era responsável pelas contas do setor – diz. – Agora, estou procurando novo emprego. Gostaria de seguir na área administrativa – complementa.
Analistas mencionam que, além da queda no faturamento, as incertezas relacionadas ao desempenho da economia nos próximos meses também podem forçar demissões. Por ora, não há clareza sobre o comportamento da pandemia até o final do ano, nem sobre os impactos no dia a dia dos negócios.
No Rio Grande do Sul, o governo lançou plano de reabertura gradual da economia, mas o recente aumento nos casos de contaminação voltou a preocupar.
– Quando um trabalhador entra em uma empresa, passa por processo de qualificação. Ao longo do tempo, a tendência é de que aumente a produtividade. Assim, é natural que o empresário espere ao máximo antes de demitir, mas a recessão é muito forte – afirma o economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank.
Somente em maio, o Estado contabilizou 66,8 mil solicitações de seguro-desemprego. O número é o maior para um mês desde o início da série histórica do Ministério da Economia, com dados a partir de 2011. Os recordes anteriores haviam sido registrados em abril deste ano (53 mil), já sob efeito da covid-19, e em julho de 2014 (51,4 mil), quando o Brasil começava a mergulhar em recessão.
Na espera por prorrogação de medida
Diante da perspectiva de retomada lenta da economia, empresários e líderes sindicais esperam que a medida provisória (MP) 936 seja prorrogada. Em vigor desde abril, o texto permite a empresas suspender contratos de trabalho por dois meses ou reduzir jornada e salário por três meses. A extensão dos prazos serviria para dar fôlego aos negócios e preservar empregos enquanto a economia segue impactada pelo coronavírus.
O governo federal conta com a aprovação do Congresso para prorrogar, via decreto, os efeitos da MP, que já passou pela Câmara. Esperava-se que o Senado avaliasse o projeto na semana passada, mas impasse impediu o avanço da proposta. A votação dos senadores tende a ocorrer nos próximos dias.
– Seria muito importante a prorrogação. As empresas não gostariam de demitir, porque o processo é caro, assim como o de contratações de outros funcionários. Enquanto não parece uma vacina contra o vírus, as lojas seguem vendendo menos – pontua o presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV), Sérgio Galbinski.
Na Capital, pelo menos 2 mil empresas do comércio fecharam acordos com funcionários para suspensão de contratos ou redução de jornada e salários, estima o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec). Os acertos atingiram de 30 mil a 40 mil trabalhadores, avalia o presidente da entidade, Nilton Neco.
– Lamentavelmente, nossa categoria foi muito afetada pela crise. Fechamos acordos com cerca de 2 mil empresas. Esperamos que (a MP) tenha continuidade no Senado – ressalta Neco.
Na indústria, um dos setores mais abalados é o calçadista.
No Rio Grande do Sul, o segmento registrou 10,7 mil demissões durante a pandemia, indica a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). No país, os cortes chegaram a 35,9 mil. Apesar do horizonte de dificuldades, a entidade aponta, em nota, que a onda de desligamentos perdeu fôlego nos últimos dias. A recente reabertura de lojas físicas teria diminuído a velocidade dos cortes.
– As empresas seguem com a produção em nível muito baixo. Praticamente todas as indústrias calçadistas usaram a MP. Sem renovação, provavelmente teremos mais demissões – afirma o presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Calçado e do Vestuário do Estado, João Nadir Pires.
Professor da UFRGS, Giácomo Balbinotto Neto considera “fundamental” a prorrogação da MP. Na visão do economista, a medida pode amenizar a destruição de vagas, mas não impedir o avanço do desemprego, já que o cenário para empresários e consumidores segue repleto de incertezas.
Segundo o professor, a crise deve elevar o nível de informalidade no mercado de trabalho. Nesse cenário, reformas como a tributária ganham ainda mais importância para melhorar o ambiente de negócios no país, diz Balbinotto Neto.