Em todos os setores da economia, a pandemia de coronavírus acarretou uma série de mudanças e adaptações que deverão ser absorvidas por empresas e consumidores. Uma das modificações que deve perdurar é no ramo da alimentação. Bares e restaurantes, que hoje têm usado a criatividade para seguir em frente, precisarão de mais esforços para se reinventar.
— Temos que parar de comparar. Antes era antes e não vai voltar mais. Talvez o futuro seja tão legal quanto a gente imaginava — sugere Diogo Carvalho, cofundador do Destemperados.
O que é o jornalismo de soluções, presente nesta reportagem
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Para Carvalho, largam na frente aqueles que tiverem a compreensão de que esse período será longo, exigindo uma adequação do negócio. Estabelecimentos que tiveram esse entendimento, diz, se organizaram rapidamente para oferecer seus produtos nos sistemas de telentrega ou pegue e leve.
— Agora, os restaurantes não são apenas um estabelecimento físico, mas uma plataforma de conteúdo e de experiências gastronômicas que ganham a vida virtualmente, e não mais presencialmente — afirma.
Aos poucos e com a cautela que o momento pede, alguns países que já vivenciaram o pico do coronavírus estão flexibilizando as restrições de circulação. Nos Países Baixos, onde os restaurantes só poderão abrir a partir de junho, uma experiência tem chamado atenção. Um estabelecimento criou pequenas estufas com capacidade para duas pessoas jantarem. Já na Suécia, onde as regras de distanciamento não foram tão duras, um restaurante oferece um menu para uma única pessoa, em uma única mesa, em meio a um campo e com os pratos chegando através de uma cesta lançada por uma corda. Embora interessantes do ponto de vista da experiência, Carvalho observa que o ato de comer vai muito além:
— Fico muito preocupado e até chateado em ver que, eventualmente, nossa vida na gastronomia possa ser isso que está aparecendo: pessoas comendo isoladas, até meio "blindadas" umas das outras. Gastronomia é, acima de tudo, compartilhar histórias.
Saídas simples
Apesar de curiosas, as medidas adotadas no Exterior, algumas vezes, exigem um custo extra para os estabelecimentos, que já estão em uma situação de desvantagem. No entanto, não é preciso investir muito para oferecer segurança para os clientes e para os funcionários.
Raqueli Baumbach, vice-presidente de Projetos e Educação do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (Sindha), conta que a entidade criou, em parceria com especialistas, um guia com orientações a serem seguidas pelos estabelecimentos. No documento, constam desde recomendações básicas, como fornecimento de álcool gel, cuidados redobrados com higienização, limitação da ocupação do local, distanciamento entre pessoas e uso obrigatório de máscara, até outras sugestões.
— No meu restaurante, a ideia é ter um bufê só de saladas com funcionários servindo os clientes. Os pratos quentes irão na mesa — fala, projetando o cenário para a reabertura.
Outra orientação que é fácil de colocar em prática é o sistema de reservas, criando turnos de atendimento para um número determinado de pessoas. Também se pode trabalhar com horários para os grupos de risco.
— Faz o primeiro horário do almoço só para idosos e na janta a mesma coisa. São ajustes. As pessoas vão precisar se adaptar aos novos hábitos — diz Raqueli.
Reinvenção
Dois dias depois do decreto que fechou os restaurantes em Porto Alegre, as operações do Capincho Bar migraram para telentrega. Os resultados não foram tão satisfatórios e a logística ficou complicada. No sábado seguinte, o restaurante se mobilizou para produzir comidas congeladas e drinques.
— Foi a melhor forma que encontramos para que as coisas tivessem a qualidade mais próxima do que oferecemos no restaurante — conta Flavia Mu, que comanda o estabelecimento ao lado de Marcelo Schambeck e Fred Müller.
Para garantir a qualidade dos pratos, os ingredientes são entregues separados e embalados a vácuo para que o cliente os finalize em casa. O cardápio é divulgado na segunda e o público pode fazer os pedidos até quinta. A produção ocorre entre sexta e sábado, diminuindo também as saídas da equipe de funcionários.
— Produzimos o que foi pedido, mudando a lógica do restaurante que exige um estoque — completa Flavia.
No domingo pela manhã, os pratos e os drinques são entregues.
Quem também despertou para uma operação diferente da que está habituado foi o Roister. Ao fecharem as portas, optaram por não oferecer comida por telentrega. No entanto, apostaram na venda de drinques, cervejas e vinhos por aplicativos. O funcionamento é simples: o cliente pode escolher entre cinco drinques, 18 torneiras de cerveja ou vinhos.
Para os drinques, são enviadas garrafinhas com as doses de cada bebida. Especiarias ou frutas secas vão embaladas a vácuo.
— Ele chega na casa da pessoa e ela só precisa misturar, colocar gelo e servir em um copo legal — conta Natalia Tussi, chef da cozinha do Roister.
As cervejas, além de terem vedação adequada, são vendidas em garrafas de 500 ml, permitindo a degustação das diversas apresentações.
Situação no RS e na Capital
Está permitida a reabertura de restaurantes e lancherias para atendimento presencial nas cidades que estão com bandeiras amarela e laranja, conforme o modelo de distanciamento controlado elaborado pelo governo do Estado. Entretanto, as prefeituras têm autonomia para restringir mais as flexibilizações. É o caso de Porto Alegre, que mantém, desde março, um decreto que proíbe a entrada de clientes nos estabelecimentos. Porém, esses comércios estão autorizados a oferecerem telentrega e pegue e leve.
Ideias pelo mundo
Países Baixos
Os restaurantes estão fechados até 1° junho nos Países Baixos. Depois, poderão funcionar com ocupação máxima de 30 pessoas, incluindo os funcionários, e respeitar a distância mínima de 1,5 metro entre os que estão no local. Por fim, os estabelecimentos só vão funcionar com reserva, e os clientes precisarão responder a um questionário para avaliar se têm ou não risco de estarem infectados. Enquanto isso, um restaurante colocou em prática uma solução inusitada: estufas para duas pessoas às margens de um canal de Amsterdã. O projeto Serres Séparées teve as reservas esgotadas para jantares de 21 de maio a 27 de junho (o local abre quartas, quintas, sextas e sábados).
Suécia
Sem nenhuma regra mais restritiva além de pregar o distanciamento social, o país não fechou as portas dos estabelecimentos. Bares e restaurantes seguem abertos, mas os clientes se revezam entre mesas ocupadas e vazias. No entanto, um restaurante foi além e levou as recomendações de distanciamento ao pé da letra. O Bord för en (Mesa para um) tem apenas uma mesa e uma cadeira dispostos no meio de uma área de campo. A comida chega dentro de uma cesta por meio de uma corda.
Tailândia
No começo de maio, o comércio começou a reabrir em Bangcoc e abusou da criatividade. Além de seguir as orientações de distanciamento de dois metros entre as pessoas e respeitar um limite máximo de pessoas no ambiente, um restaurante típico tailandês usou plástico e canos para criar barreiras entre as mesas. Outra saída encontrada pelo Hanji foi solicitar reservas dos clientes. A mesma solução foi usada por outro restaurante tailandês, o Penguin Eat Shabu, bufê de pratos tradicionais.
República Tcheca
A República Tcheca aliviou as medidas de fechamento do comércio em função dos bons resultados obtidos com o distanciamento social. Em 11 de maio, restaurantes ao ar livre foram reabertos, no entanto, precisam ser rigorosos: os clientes devem permanecer a 1,5 metro de distância e usar máscaras, mas claro que poderão tirá-las para comer e beber. Outra regra é que os estabelecimentos devem desinfetar as mesas após a saída de cada cliente, bem como as janelas de pegue e leve a cada duas horas.