No momento em que a taxa de câmbio se aproxima de R$ 6, o Banco Central promove um cavalo de pau na política de acumulação de reservas internacionais iniciada em 2004.
Foram injetados US$ 54 bilhões no mercado desde agosto do ano passado apenas por meio da venda à vista de dólares. No mesmo período, a fuga de recursos do país soma US$ 57 bilhões. Ambos os valores são recordes.
A reportagem conversou com os ex-diretores da área de Política Monetária do BC, setor responsável pela gestão das reservas, Rodrigo Telles da Rocha Azevedo e Mario Torós, atualmente sócios na Ibiúna Investimentos, que comandaram o processo de compra desse seguro contra crises de 2004 a 2009.
De 2001 a 2003, o BC chegou a vender cerca de US$ 15 bilhões. A partir de 2004, não houve mais vendas, só compras, com exceção da injeção de recursos durante a crise de 2008/2009, também nesse montante. Depois disso, a instituição só voltaria a vender dólares em agosto de 2019.
Em outros períodos, especialmente de 2013 a 2018, o BC atuou por meio de outros instrumentos, como empréstimos de recursos das reservas por alguns meses, o que afeta temporariamente o estoque. Os valores anuais ficaram próximos de US$ 10 bilhões.
Rodrigo Telles da Rocha Azevedo, que foi diretor da área de outubro de 2004 a abril de 2007, afirma que a atuação do Banco Central não tem como objetivo fixar uma taxa de câmbio e é uma resposta às demandas do mercado em determinado momento.
— O Banco Central tem vários instrumentos à sua disposição e uma mesa de câmbio que consegue ver onde está a demanda ou a oferta de um instrumento cambial. Há momentos em que o mercado quer vender dólar, ou quer vender derivativo, momentos em que demanda dólar ou demanda hedge (proteção). A resposta do Banco Central sempre é atendendo a uma determinada circunstância de mercado — afirma Azevedo.
— Isso continua sendo verdade até hoje. Se você olhar para as intervenções que foram feitas desde o ano passado, há momentos em que ela é feita através de venda e momentos em que é feita através de derivativos (swap) ou linhas de liquidez, respondendo a conjunturas de mercado — completa.
Ele afirma ainda que a experiência do início da década passada mostrou que o Brasil tinha uma grande vulnerabilidade a desvalorizações cambiais. Daí a iniciativa de iniciar um processo de aquisição de reservas, que passaram de aproximadamente US$ 35 bilhões em 2002 para US$ 340 bilhões atualmente, aproveitando ventos favoráveis no mercado externo, com aumento da demanda por commodities, e no mercado interno, que provocaram uma forte entrada de recursos na economia brasileira.
Ao mesmo tempo, o país reduziu e melhorou o perfil da dívida externa, o que incluiu a quitação dos empréstimos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2005.
Em 2008, o país passaria a ter mais ativos do que passivos em moeda estrangeira, se tornando credor em dólar (uma diferença que está hoje em 4% do PIB).
Em 2002, uma depreciação cambial de 3% aumentava a dívida líquida em um ponto percentual do PIB. Atualmente, a dívida líquida cai quando o dólar sobe.
Essa mudança ajudou o Brasil a enfrentar a mudança de cenário ocorrida no final daquele ano, segundo Mario Torós, que sucedeu Azevedo em 2007 e ficou à frente da área até o final de 2009.
— Passamos bem por uma lufada de vento contra. Sem tentar definir um nível de câmbio, fazendo com que o mercado defina o preço, mas, para definir o preço, tem de ter uma racionalidade. E essa racionalidade muitas vezes está associada a ter liquidez no mercado. O Banco Central atuou de acordo com a natureza dos fluxos. No momento em que definiu que a necessidade era em algum fluxo do balanço de pagamentos, atuou no spot (à vista), se era uma demanda por hedge, atuou nos derivativos — afirma Torós.
— Posteriormente, tivemos uma série de outros ventos contrários, e as reservas foram sempre um fator de equilíbrio para dar uma certa tranquilidade, um seguro para momentos ruins, um porto seguro da economia brasileira.
Torós afirma que o processo de acumulação de reservas deu ao país um seguro contra crises que não gerou custo, mas deu lucro ao país.
— Você pagava um diferencial de taxas de juros muito grande, porque a taxa aqui era muito maior do que lá fora, mas você conseguiu reduzir esse diferencial, o câmbio foi ajustando em razão disso. Hoje, o fato de o setor público estar ativo em dólares gerou um resultado positivo, que não era o objetivo primordial. Você está disposto a pagar por um seguro. Mas esse seguro você não precisou pagar.
Azevedo afirma que o setor privado também está mais preparado atualmente para uma desvalorização do que em 2002.
— A gente está vendo o câmbio se ajustando aos fundamentos brasileiros, e a intervenção tem sido basicamente para fazer com que ele ache o seu patamar, mas de uma maneira funcional, onde haja liquidez, não haja 'gap'.