O executivo Heber Galarce descansava em Maragogi (AL) quando tocou o telefone no sábado, 4 de janeiro. Do outro lado, um assessor palaciano perguntou se ele poderia atender o presidente Jair Bolsonaro. CEO de uma empresa de energia solar e diretor de relações governamentais da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), Galarce assentiu.
Meia hora depois, havia convencido a autoridade máxima do país a manter o bilionário subsídio à geração de energia solar, contrariando o Ministério da Economia. Bolsonaro foi taxativo em vídeo divulgado no dia seguinte:
— No que depender de nós, não haverá taxação da energia solar, ponto final. Ninguém fala no governo a não ser eu sobre essa questão.
A postura coloca o governo no meio de uma guerra de lobbies entre distribuidoras de energia elétrica e empresas de geração distribuída (GD). As distribuidoras temem perder clientes para um setor em expansão, e as empresas de GD desejam preservar benefícios para continuar crescendo. Bolsonaro, porém, não detém palavra final sobre o tema. Ela cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cuja resolução nº 482 previa para 2019 a revisão dos incentivos aos consumidores de energia solar.
A ideia da Aneel é definir uma linha de corte a subsídio, calculado em R$ 35 bilhões de 2020 a 2035. A discussão ganhou corpo em outubro, mas meses antes Galarce já circulava por Brasília. Ciente da influência que as distribuidoras exercem sobre os parlamentares, batendo ponto na Comissão de Minas e Energia da Câmara e com interlocutores graúdos no Ministério da Economia, Galarce equilibrou a disputa se aproximando da bancada ruralista. Como há grandes companhias do agronegócio investindo em energia solar, o executivo obteve apoio para vetar qualquer tentativa de taxação.
Faltava a Galarce a simpatia do Planalto, conquistada com um artigo na imprensa no qual criticou o poder das agência reguladoras em contraste com a bandeira liberal do governo. Bolsonaro leu o texto e ligou para saber mais detalhes.
– Eu disse: "Presidente, no Nordeste, se disser que vai taxar, terá problemas. O agronegócio também é contra. Qualquer pessoa que entenda ou tenha passado próximo do assunto quer ou vai colocar só porque é mais barato. O senhor vai me desculpar a sinceridade, mas há interesses escusos das distribuidoras, pela agressividade e pela força que têm no Congresso". Aí, ele tomou partido – diz Galarce.
Surtiu efeito. Bolsonaro publicou o vídeo no domingo (5), ameaçou demitir quem manifestasse posição contrária na segunda-feira (6) e, na terça (7), recebeu um dos diretores da Aneel, Rodrigo Limp. Relator do processo, Limp era favorável ao fim do subsídio. Em outubro, havia dito que o setor estava maduro e era "tempo de revisar o normativo". O diretor deixou o Planalto sem falar com a imprensa, mas o porta-voz da Presidência, Otávio Barros, disse que ele estava "alinhado ao presidente":
— A Aneel, sob a qual não temos imposição, vai estudar o caso. Um de seus diretores já esboçou claramente ao presidente a intenção de não haver essa taxação.
A investida de Bolsonaro irritou as distribuidoras. Presidente do Acende Brasil, um dos principais centros de estudos energéticos do país, Claudio Sales tem entre seus clientes as maiores empresas do ramo. Para ele, Bolsonaro feriu a autonomia de um órgão independente.
— É péssimo termos o presidente da República pressionando uma agência reguladora. Ainda mais usando expressão enganosa como "taxar o sol". Quem fomenta isso é um pequeno grupo de beneficiados, que tem grande articulação e capacidade de fazer barulho. Eles vão botar a mão no bolso dos consumidores e tirar de lá bilhões de reais para repassar aos fornecedores de painéis —reclama.
A Aneel não tem prazo para definir o futuro dos subsídios.
No Congresso, deputados articulam projeto de lei que proíba a taxação e, apesar da declaração de Bolsonaro, o assunto não está pacificado no governo. Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, trocou de posto um dos seus principais auxiliares. De secretário especial adjunto de Fazenda, Esteves Colnago passou a atuar como assessor especial, cujo objetivo é melhorar a articulação política da pasta com o Congresso. Nos bastidores, comenta-se que uma das suas missões será justamente esvaziar o projeto da energia solar.
A situação
Como funciona a energia solar
O usuário instala painéis solares em casa e liga o sistema à rede de energia elétrica. Em dias ensolarados, os equipamentos geram a energia consumida. Eventuais excedentes são jogados na rede ou armazenados em baterias. Como as baterias são muito caras (em torno de R$ 240 mil), a maioria usa a rede como espécie de bateria. Esse excedente se torna crédito a ser usado pelo consumidor à noite ou em dias nublados, quando não há geração própria de energia.
O que está em jogo
Distribuidoras de energia e empresas de energia solar brigam em torno dos subsídios à implantação da geração distribuída (energia elétrica gerada no local ou próximo ao local de consumo). Desde 2012, quando a Aneel regulamentou o setor, quem usa painéis para energia solar, por exemplo, paga em média 38% da conta da luz. Usuários não desembolsam pelo uso da rede, tampouco os tributos e encargos embutidos na tarifa. Essa conta é rateada entre todos os usuários.
Os argumentos das empresas de energia solar
- Trata-se de uma energia limpa, barata e sustentável
- Não faz sentido taxar setor em expansão e que colabora com o sistema energético, dependente de hidrelétricas e termelétricas
- A geração distribuída responde por somente 1% de toda a energia gerada no país
- A energia excedente não usa longos trechos da rede, sendo usada pelos vizinhos da unidade geradora
Os argumentos das distribuidoras
- O subsídio foi criado para incentivar setor que já amadureceu
- Gigantes do agronegócio, varejo, telecomunicações e finanças estão investindo pesado em fazendas solares por conta do incentivo
- Energia solar é usada por clientes de alta renda, mas o subsídio é pago por todos os consumidores
- O fim do incentivo estava previsto desde 2015 e encarece ainda mais o preço da energia