A informalidade foi o único caminho aberto a gaúchos que sentiram na pele as dificuldades da procura por emprego. No primeiro trimestre, o número de trabalhadores em funções sem carteira assinada ou CNPJ subiu para 1,7 milhão no setor privado do Rio Grande do Sul, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Representa alta de 4,2% frente a igual período de 2018 — mais 69 mil pessoas.
O avanço foi puxado por trabalhadores por conta própria sem CNPJ. O grupo contempla, por exemplo, profissionais que vendem mercadorias nas ruas, como alimentos e bebidas. Segundo o IBGE, engloba ainda a categoria dos motoristas de aplicativos de transporte de passageiros. Abaixo, quatro histórias de gaúchos que passaram a exercer atividades informais por conta própria.
"Isso aqui não é vida", afirma vendedora
Esmenia dos Santos, 52 anos, acorda às 4h30min. Antes de sair de casa, prepara café e lanches que vende a pedestres no centro de Porto Alegre. Depois da demissão de uma empresa gráfica, em 2015, o comércio informal por conta própria foi a opção que restou a ela para garantir o sustento.
Além da venda de bebidas e alimentos, a moradora da Capital também já recorreu a outras atividades sem carteira assinada, como a de doméstica, para pagar as contas. Mesmo com as dificuldades, segue distribuindo currículos, na esperança de encontrar uma nova vaga de trabalho formal.
— Já gastei horrores com passagens de ônibus para procurar emprego. Meu plano é ter um trabalho novo. Isso aqui não é vida — pontua Esmenia, antes de dizer que carrega cerca de 20 quilos por dia, durante a semana, entre mercadorias para venda, potes e garrafas térmicas.
A vendedora, que relata ter concluído o Ensino Médio, percebe que a idade tem sido um obstáculo na busca por trabalho:
— As empresas acham que, se você passou dos 50 anos, está morto. Não deveria ser assim.
Apesar de comemorar a chegada do inverno, pelo fato de o frio aumentar as vendas de itens como café, Esmenia menciona ter dificuldades para pagar as contas mensais. Ela mora com o filho em um imóvel alugado.
— Meu sonho é ter uma casa própria — comenta.
Ao ser questionada sobre a cidade ou bairro em que gostaria de comprar a moradia, ela responde, sorrindo:
— Em qualquer lugar.
"Consigo gerenciar minha vida", declara motorista
Patrick Suam não pensou duas vezes após ser demitido da área técnica de uma empresa de telefonia, em Porto Alegre, há três anos. Para pagar suas despesas, fez cadastro em um aplicativo de transporte de passageiros. Tornou-se motorista no mês seguinte ao da demissão.
De lá para cá, habitou-se à função, tanto que passou a atender passageiros de mais dois apps. Hoje, o condutor de 26 anos soma cerca de 14 mil viagens concluídas. Em média, dirige 10 horas por dia, seis vezes por semana.
Apesar de ter migrado para o mercado de trabalho informal, Patrick relata que não pensa em procurar neste momento uma vaga de empregado com carteira assinada. Segundo ele, a remuneração com o transporte de passageiros se equivale à função anterior, de nível técnico, na área de telefonia. Mesmo com a ausência de garantias trabalhistas, como férias e 13º salário, o motorista celebra a flexibilidade de horários permitida pela ocupação atual.
— Foi uma oportunidade de serviço que se abriu. Faço meu horário de trabalho e consigo gerenciar minha rotina — relata.
Para transportar passageiros, Patrick alugou um carro. Nos três anos como motorista, presenciou situações incomuns. Uma delas, recorda, ocorreu após uma festa em Porto Alegre. Na saída do evento, o condutor foi acionado para levar quatro passageiros até Florianópolis (SC). Segundo ele, a viagem de cerca de 460 quilômetros "não saiu por menos de R$ 700".
"Falta de dinheiro faz pessoas virarem motoristas", diz advogada
Rozângela Marques, 54 anos, é formada em Direito. Após o fechamento da empresa em que atuava até 2017, no ramo de terceirização de mão de obra, a moradora de Porto Alegre passou a advogar por conta própria. Ao mesmo tempo, para complementar a renda, virou motorista de um aplicativo de transporte individual de passageiros.
— As contas não param de chegar. A falta de dinheiro faz as pessoas virarem motoristas. Conheço muita gente extremamente qualificada trabalhando com aplicativos. O mercado de trabalho teria de olhar mais para essas pessoas — analisa.
Rozângela usa o carro próprio para transportar passageiros. No máximo, costuma dirigir seis horas por dia.
— Minha prioridade ainda é o Direito — reforça.
Entre as vantagens do trabalho complementar, a advogada cita a flexibilidade de horários. Graças aos aplicativos, também fez novas amizades. Na segunda-feira (8), por exemplo, participou na Capital de uma ação solidária que buscou, por meio da venda de "salsipão", arrecadar recursos para uma colega que havia batido o carro.
A insegurança, por outro lado, é um dos riscos da atividade mencionados por Rozângela.
"Aceito o emprego que vier", conta ex-empregado de fábrica de tintas
Leandro Silva dos Santos perdeu o emprego com carteira assinada, na linha de produção de uma indústria de tintas, há um ano e meio. Diante da escassez de vagas no mercado formal, o morador de Porto Alegre começou a prestar serviços como reformas e trabalhos na área de construção civil. Com os "bicos", o jovem de 24 anos afirma que seu rendimento subiu em relação ao emprego anterior.
— Tenho contatos. Sabe como é, quando o trabalho é bem feito, chama clientes — orgulha-se.
Mesmo com o avanço na renda, Santos pretende retornar ao mercado formal. A intenção é diminuir incertezas e, ao mesmo tempo, assegurar direitos trabalhistas, como férias e 13º salário.
— Os bicos não garantem os benefícios da carteira assinada. Estou aceitando o emprego que vier. Não dá para escolher — argumenta.
Com Ensino Médio completo, Leandro vive com a esposa, um filho e um enteado. Na última terça-feira, encarou o frio do período da manhã para ir ao prédio do Sistema Nacional de Emprego (Sine), no centro de Porto Alegre. No local, participou de dois processos seletivos — um para porteiro e outro para empregado na linha de produção de uma empresa.
— Não dá para ficar parado. Tem conta para pagar — observa Santos, que sonha em ser bombeiro em um futuro mais distante.
GLOSSÁRIO
- Trabalhador empregado no setor privado sem carteira assinada, exceto domésticos
Atua de maneira informal para um empregador (pessoa física ou jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de jornada de trabalho. - Trabalhador doméstico sem carteira assinada
Presta serviços domésticos remunerados, como faxinas, em um ou mais domicílios, sem carteira assinada. - Empregador sem CNPJ
Trabalha em seu próprio negócio, de maneira informal, com pelo menos um empregado. - Trabalhador por conta própria sem CNPJ
Aposta em uma atividade própria, como os populares bicos, sem ter empregado. - Trabalhador familiar auxiliar
Trabalha sem receber pagamento, durante pelo menos uma hora por semana, em ajuda a membro da família. No Estado, um dos exemplos é o de filhos que auxiliam pais em propriedades rurais.