Conhecido ponto de estacionamento de veículos na região central de Porto Alegre, o Largo Zumbi dos Palmares transformou-se, há cerca de três anos, em reduto de um tipo específico de condutores. É para lá que, ao longo do dia e à noite, motoristas de aplicativos rumam em busca de sossego, apoio ou tão somente para jogar conversa fora entre uma corrida e outra.
— O pessoal que para aqui fica vagabundo. Às vezes, desligam o app e vão ficando — brinca Luciano Santos, 42 anos, que dirige para Uber e 99.
Por volta das 11h de quarta-feira (3), dezenas de veículos de motoristas de aplicativos ocupavam parte do espaço na Cidade Baixa e a primeira quadra da Rua João Alfredo, em frente a uma lanchonete. Enquanto alguns conversavam em rodinhas, com os apps desligados, outros tomavam um café ou simplesmente descansavam dentro do carro à espera de um chamado. Uma motorista com problemas no seu veículo foi ao local pedir ajuda dos companheiros — que até tentaram auxiliá-la, mas ela acabou em uma oficina mecânica.
— Aqui a gente se apoia, divide as nossas frustrações e as nossas angústias. Se alguém tem um carro roubado ou precisa de ajuda, por exemplo, fazemos vaquinha ou janta para arrecadar dinheiro — relata Alessandra Motta, 39 anos, que, assim como a colega, costuma pedir ajuda a outros motoristas quando está em apuros.
A movimentação no fim da manhã, segundo relatos dos condutores, passava longe do que ocorre por volta das 21h, considerado o horário de maior concentração — que geralmente coincide com o de menor atividade nos apps. À noite, estimam, chegam a passar de cem os motoristas reunidos no local. O movimento é tamanho que há vendedores de salgados e café que aparecem só para atender aos condutores — que eventualmente fazem churrasco na área.
— Eles chegaram de mansinho, pedindo banheiro, cafezinho, cigarro. De lá para cá, aumentou bastante o movimento — sorri Elci Stodulski, que trabalha com o marido há mais de 20 anos na lancheria junto ao Largo da Zumbi dos Palmares que virou point dos motoristas.
A área na Cidade Baixa é dos mais antigos — sem dúvida, o mais popular — entre os chamados pontos de apoio dos parceiros de aplicativos. "De Viamão à Restinga", segundo relatam, estacionamentos gratuitos a céu aberto e postos de combustíveis servem de refúgio para os trabalhadores autônomos, que também se referem aos locais como "escritório".
Para quem desconhece a rotina ao redor do sítio do Laçador, na entrada da Capital, os mais de 30 carros estacionados por volta das 10h30min de terça-feira (2) poderiam denotar uma intensa movimentação turística. Mas, naquela hora, só havia velhos conhecidos ao redor da estátua mais emblemática da cidade.
— Não é um baita lugar, mas tem a questão da segurança. E aqui a gente tem com quem conversar, reclamar do preço da gasolina — relata Nicolai Mallman, 55 anos.
Fumando um cigarro ao pé do gauchão de bronze, o representante comercial que atua como Uber há cerca de dois anos era o 55º em uma fila virtual do aplicativo para direcionar as corridas que partem do aeroporto Salgado Filho. É o único ponto da cidade em que a plataforma utiliza esse tipo de organização, privilegiando os veículos por ordem de chegada, e uma das razões para o que o ponto turístico também virasse destino dos condutores. Mas não a única.
No aeroporto, à espera de quem desembarca
No refúgio mais próximo do aeroporto, os interesses se dividem. Enquanto alguns contam com os passageiros que chegam de viagem — por volta das 11h daquele dia, a chegada de quatro voos provocou uma verdadeira debandada de veículos da área —, outros param à espera de corridas que os levem de volta à Região Metropolitana. Há ainda aqueles que pensam, literalmente, mais longe.
Parceiro da Cabify, Sérgio Krieger ruma diariamente para o Laçador com a expectativa de atender a passageiros interessados em deslocamentos mais longos. Segundo ele, viagens para a serra gaúcha, muitas vezes rejeitadas pelos colegas, surgem com frequência.
— Tem gente que odeia, mas eu prefiro pegar a estrada. É muito melhor do que encarar o trânsito, que é cheio de "arranca e para". E aproveito para trazer pão, cuca, queijo — diz o motorista, que destaca que o valor das corridas de longa distância pode superar o arrecadado em dezenas de viagens dentro da cidade.
Já em postos de combustíveis, o perfil dos frequentadores se mostra um pouco menos heterogêneo. Dezenas de grupos de WhatsApp que funcionam como redes de suporte, proteção e, não raro, como confrarias — a maioria dos ouvidos por GaúchaZH disseram participar de algum deles — costumam adotar pontos de apoio específicos para se encontrarem. É o caso de um posto na Avenida Ipiranga localizado nas proximidades do ginásio da Brigada Militar. Na tarde de terça-feira, pelo menos três carros com o mesmo adesivo — utilizado para identificação dos membros — estavam estacionados no local.
— Parar em um posto é mais seguro do que na rua. E a gente aproveita para tomar café, abastecer, usar o banheiro. O único problema é que a comida é mais cara — diz Gênesis Pimentel, 39 anos.
Ao mesmo tempo em que a lógica das aglomerações dos motoristas de apps lembra a dos pontos de táxis e a comunicação entre eles parece uma versão 2.0 da rádiotáxi, a rivalidade entre as duas categorias se dissolve. Em pelo menos dois dos três pontos visitados pela reportagem, taxistas compartilhavam espaço com os antigos rivais.
— Hoje o nosso relacionamento é perfeito. O cliente que quer usar o aplicativo já fez sua escolha, e o que usa o táxi também — relata o taxista Sandro Piccini, parado no posto da Avenida Ipiranga.