Sem solução no curto prazo, a dívida pública do Rio Grande do Sul cresceu de novo – atingindo a marca de R$ 73,3 bilhões no fim de 2018 – e segue desafiando o Estado. Durante a apresentação dos números, nesta quarta-feira (29), em Porto Alegre, o governador Eduardo Leite disse que quem paga a conta é a população e fez novo apelo pela adesão ao regime de recuperação fiscal, que garante carência nas parcelas devidas à União por pelo menos três anos.
Produzido por técnicos do Tesouro do Estado, o Relatório Anual da Dívida detalha a composição e a evolução do passivo, 18 vezes maior do que o orçamento anual da Saúde. Mesmo sem novos empréstimos, a cifra vem aumentando ano a ano. Em 2018, em termos reais (descontada a inflação), o avanço foi de 1,1% (veja o gráfico acima).
— É como se cada gaúcho, hoje, devesse, em média, R$ 6.640 — destacou Bruno Jatene, subsecretário do Tesouro.
Titular da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso classificou o resultado como "duro", mas afirmou que o governo "tem convicção" de que será possível superar as dificuldades:
— São números desafiadores, mas nossa energia é construtiva.
Em 2018, o governo estadual desembolsou R$ 714 milhões para honrar financiamentos internos e externos, mas, como parou de pagar seu principal passivo (o compromisso com a União, que representa 86% do total), o saldo devedor seguiu subindo. Isso ocorreu devido a liminar obtida no Supremo Tribunal Federal (STF) em meados de 2017 e vigente até hoje.
À época, o ministro Marco Aurélio Mello atendeu ao pedido do Palácio Piratini e autorizou a suspensão dos repasses à União, afastando o risco de punições e antecipando um dos benefícios do regime de recuperação.
De lá para cá, R$ 5,3 bilhões deixaram de ser drenados para os cofres federais (R$ 1 bilhão em 2017, R$ 3,2 bilhões em 2018 e o restante até abril deste ano). Embora a medida tenha ajudado a impedir o colapso das finanças do Estado, a pendência não será perdoada. A dívida com a União precisa ser zerada até 2048, e, sobre ela, seguem incidindo juros e correção. Sobre o valor em atraso, os encargos representaram R$ 190 milhões em 2018.
— É evidente que a liminar não é uma solução estrutural, mas a situação seria muito pior se esses R$ 5,3 bilhões tivessem sido transferidos para o governo federal. O custo disso será diluído no longo prazo. Já o impacto de repassar esse dinheiro teria sido similar a arcar com quatro folhas de pagamento a mais para o Estado. Não podemos abrir mão desse fôlego — disse o chefe da Divisão da Dívida Pública, Felipe Rodrigues da Silva.
Para evitar a queda da liminar, Leite voltou a defender a assinatura do acordo com a União. Segundo ele, o Estado não tem condições de retomar o pagamento de parcelas de R$ 300 milhões mensais. Leite também teme que o Estado seja cobrado em mais R$ 6,5 bilhões por ter desrespeitado a regra do teto de gastos, prevista na renegociação da dívida, o que poderia elevar a parcela a R$ 900 milhões.
— Aderir ao regime de recuperação é determinante. Não é mais uma opção. É uma necessidade que se impõe — concluiu o governador.
As negociações com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) foram retomadas em janeiro deste ano. Desde setembro de 2018, quando o órgão exigiu o Banrisul para fechar o acordo, as conversas estavam interrompidas. Agora, um novo plano de recuperação está sendo elaborado pela equipe da Fazenda. Exigido pela STN, o documento deve elencar medidas capazes de reequilibrar as contas do Estado em até seis anos, prazo máximo de vigência do regime. Entre elas, estão a venda de estatais (sem a alienação do Banrisul, garante Leite) e a revisão de carreiras e benefícios do funcionalismo, que deve ser proposta até o fim deste ano.
Entenda
Quanto já se pagou à União?
Em 1998, ao assinar o acordo com a União, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente a R$ 46 bilhões em valores corrigidos) em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em dezembro de 2018, depois de ter repassado mais de R$ 30 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 63 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.
Quantos contratos são?
São 51 contratos de empréstimos, além de parcelamentos de débitos previdenciários com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da contribuição social ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Entre eles, também está a dívida com a União, que assumiu parte dos débitos do Estado em 1998 e representa 86% do total do passivo público. Em dezembro de 2018, o saldo devedor (R$ 73,3 milhões, considerando apenas a dívida da administração direta) equivalia ao dobro da receita corrente líquida do Estado no ano (isto é, toda a arrecadação em tributos, descontadas as transferências legais).
O que envolve a dívida externa?
A dívida externa compõe-se de contratos de financiamento com organismos multilaterais e bancos de desenvolvimento internacionais. Os principais envolvem o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Aí entram desde o Programa Pró-Guaíba, iniciado em 1995 para revitalizar a bacia hidrográfica, até o Programa de Apoio à Retomada do Desenvolvimento Econômico e Social (ProRedes), com empréstimo assinado em 2012 para reformas de escolas e manutenção de rodovias, entre outros fins.
Estados em pior situação
Para essa avaliação, leva-se em conta a dívida consolidada líquida (DCL), que inclui não apenas o passivo da administração direta, mas também o da indireta. O Rio de Janeiro enfrenta a pior situação. Lá, em 2018, a DCL era 2,62 vezes maior do que a receita corrente líquida (RCL). O Rio Grande do Sul ficou com a segunda pior posição, com a DCL 2,23 vezes acima da receita em 2018, seguido de Minas Gerais (1,89 vezes).