A perda diária de ao menos R$ 300 milhões imposta à indústria gaúcha pela greve dos caminhoneiros fez fábricas apelarem para o trabalho no feriado da última quinta-feira e no fim de semana para tentar recuperar parte dos prejuízos. O esforço é notado principalmente no setor de alimentos, segmento mais afetado pelo fluxo trancado de mercadorias nas estradas.
Levantamento da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) indica que, em 10 dias de movimento, o custo com a perda de insumos e de receita chegou a R$ 2,9 bilhões. O cálculo não inclui gastos necessários para retomada das operações nas plantas e as multas por atrasos nas entregas.
– Há empresas que sofrem mais com a paralisação. Uma fabricante de caldeiras pode atrasar as entregas, mas não perde os produtos. Uma do setor de laticínios vê os insumos se deteriorarem, perda direta que não é recuperada – diz o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry.
Os maiores prejuízos atingiram setores como os de aves, suínos e lácteos. O presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Nestor Freiberger, fala em R$ 1 bilhão. Além do faturamento perdido, entram na conta morte de aves, queda de peso dos animais, descarte de frangos que chegam à indústria sem condições de abate, possível condenação de produtos despachados e que ficaram retidos nas estradas, multas por demora nos embarques para exportação e horas extras que deverão ser pagas a funcionários para reacelerar abates em feriados e finais de semana.
– Talvez de 5% a 10% (do prejuízo) possa ser recuperado – avalia Freiberger, lembrando que, com a oferta menor de frango, haverá reflexo nos preços ao consumidor.
A tentativa de compensar, no fim de semana, parte dos impactos da greve alcançou empresas avícolas no Vale do Taquari. Na Minuano, de Lajeado, o abatedouro voltou a operar em dois turnos no sábado.
– O prejuízo é grande tanto para empresas do setor quanto para funcionários. A falta de insumos impediu empregados de atuarem durante a greve – afirma Adão José Gossmann, presidente da entidade que representa trabalhadores das companhias avícolas e de alimentação em geral de Lajeado e região.
O Sindicato da Indústria de Produtos Suínos do Estado (Sips) avalia que, por enquanto, é impossível estimar o tamanho da conta. As empresas perderam, por dia útil, R$ 14 milhões de faturamento. O rombo tende a ser maior. A chegada de ração nas propriedades, por exemplo, não estava normalizada até sexta-feira devido à necessidade de receber a matéria-prima, fabricar o alimento dos animais e entregar aos criadores. Precisam ainda ser verificadas as cargas de carnes frescas e congeladas que ficaram retidas nas estradas.
– Boa parte terá de ser destruída – observa o diretor-executivo do Sips, Rogério Kerber.
No segmento de leite, cerca de 8 milhões de litros por dia deixaram de ser coletados, perda de renda de R$ 10 milhões só para os pecuaristas. Mesmo com estradas desbloqueadas, a indústria não tem capacidade de processar o resultado da ordenha diária e o que ainda ficou armazenado nas propriedades. Ou seja, ainda há leite para ir fora.
– Vai demorar 15 dias para normalizar – estima o presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado (Sindilat), Alexandre Guerra.
Principal polo metalmecânico do Estado, Caxias do Sul viu grande parte de suas fábricas pararem devido à impossibilidade de receber insumos e despachar produtos. Presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, Reomar Slaviero avalia que o grande problema será um descompasso maior entre receitas e despesas, o que tende a atrasar mais a retomada na economia da cidade.
A Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL) estima que as perdas do varejo gaúcho na greve foram de cerca de R$ 230 milhões. Pelos dados da empresa de análise de crédito Boa Vista, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre observou que, entre 21 e 30 de maio, as vendas a crédito em todo o Estado caíram 26% em relação a igual intervalo de 2017. A variação, diz o presidente da entidade, Alcides Debus, pode indicar que todo o varejo gaúcho teve comportamento semelhante no período. A compra de aparelhos eletrônicos, por exemplo recuou 48%.
– Acredito que apenas metade destas perdas possa ser recuperada. Para o resto, passou a hora, o momento, a necessidade imediata do consumo – afirma Debus.
A Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do (Fecomércio-RS) não tem estimativa dos impactos da greve dos caminhoneiros, mas lembra que reflexos ainda podem ser sentidos no médio e longo prazos, devido ao abalo na confiança da população. A entidade observa que apenas parte pode ser recuperada. Para muitos setores, o que deixou de ser vendido, mercadoria ou serviço, não é mais consumido.
Um exemplo é o segmento de alimentação fora do domicílio. Com problemas de abastecimento, alguns restaurantes fecharam as portas. Em outros casos, devido à dificuldade de mobilidade, os clientes não apareceram.
As refeições que deixaram de ser consumidas não são servidas em um momento posterior.
Salões de beleza, transporte público e atividades de lazer – como cinema e teatro – também foram afetados pela clientela escassa. O caso do setor hoteleiro é emblemático, reforça a Fecomércio. Devido aos problemas de deslocamento, reservas foram canceladas. Assim, as diárias também se tornaram um produto perecível.
Colaborou Leonardo Vieceli