O economista francês Thomas Piketty tratou logo de lamentar que seu best-seller, O Capital no Século XXI , lançado em 2013, não tenha conseguido dar uma panorama global ao estudo das desigualdades: o estudo que motivou o livro, explicou o autor no início da apresentação desta quinta-feira (28) na maior palestra da temporada 2017 do ciclo Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre, não pôde analisar todos os países do mundo, ou ao menos uma variedade considerável deles. Com isso, para decepção de Piketty, Estados Unidos e Europa Ocidental — que encabeçam listas dos países mais ricos — acabaram formando o grande escopo de suas considerações sobre desigualdade.
Não foi por falta de vontade que o economista, alçado ao papel de celebridade devido ao sucesso do livro, deixou de lado análises mais aprofundadas sobre nações como Brasil e África do Sul, por exemplo: o acesso limitado a dados impediu que fossem traçadas considerações históricas sobre crescimento da desigualdade, problemas na distribuição de renda e efeitos a a longo prazo de programas sociais.
— Eu não estou aqui para dar lições, nem sei o suficiente sobre o Brasil para fazê-lo — alertou o economista, em apresentação ministrada em inglês, com carregado sotaque francês.
Feita a ressalva, porém, Piketty fez uso constante de dados e tabelas para mostrar, diante de um praticamente lotado Auditório Araújo Vianna — devido à popularidade do economista, foi necessário encontrar um espaço maior que o Salão de Atos da UFRGS, também em Porto Alegre, tradicionalmente utilizado no ciclo de conferências — , que a situação econômica de uma nação e seu povo, mesmo em meio à globalização e ao capitalismo, está fortemente ligada a decisões políticas.
— Não é garantido que a globalização, que tem seus pontos positivos, leve ao fim ou à diminuição da pobreza. Isso vai depender das decisões tomadas por cada país — ponderou o francês.
Ao apresentar números que mostravam como a desigualdade, apesar de um período, em meados do século 20, de relativa estabilidade, voltou a crescer fortemente nos anos 1990 — o que ele novamente atribui a questões políticas, especialmente nos Estados Unidos, Europa e Japão —, Piketty afirma que, se a globalização fosse a principal responsável pelo crescimento da desigualdade, todos os países estariam no mesmo nível, o que não acontece.
Na palestra intitulada "O avanço da desigualdade e a globalização", apesar de seu forte caráter histórico, o economista francês aproveitou também para tecer fortes críticas à recente ascensão de práticas nacionalistas — muito, acredita ele, levadas a cabo pelo crescimento da desigualdade em diferentes países. Ele citou casos como a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a saída do Reino Unido da União Europeia (o chamado Brexit), que ainda não davam sinais de que aconteceriam quando da publicação de seu principal livro, há quatro anos.
— O aumento da desigualdade pode levar ao aumento do nacionalismo. E esse problema precisa ser tratado de forma democrática. A frustração com a política não pode ser usada para culpar grupos minoritários, como fez Trump com os latinos. O que vemos nos Estados Unidos é deprimente, mas não é coincidência: tem tanta relação com o aumento da desigualdade quanto o Brexit — garantiu Piketty.
E como resolver esses problemas econômicos? O francês não aponta caminhos fáceis — nem considera que haja práticas nacionais tão bem-sucedidas que possam ser implementadas em diferentes países —, mas lastima que, em países como o Brasil e os Estados Unidos, um imenso percentual da renda esteja concentrado com um número muito pequeno de pessoas. Para ele, seria preciso reorganizar o sistema tributário de modo a fazer com que a população com menos condições financeiras não tenha que arcar com as mesmas taxas dos mais ricos.
Pouco interrompido por aplausos durante sua palestra, Thomas Piketty arrancou efusivas manifestações da plateia ao afirmar, durante a sessão de perguntas ao final do evento, em menção indireta à ascensão da extrema-direita em países como a Alemanha, que esperava que os brasileiros não caíssem nos mesmos erros da elite europeia.
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL, e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssenkrupp. Parceria institucional Unicred e apoio institucional Embaixada da França. Universidade parceira UFRGS e promoção Grupo RBS.