O caminho para fazer deslanchar as concessões da União se mostra sinuoso e esburacado. Por um lado, é saudada a intenção de chamar a iniciativa privada para melhorar a infraestrtura rodoviária em momento de recursos públicos escassos. Por outro, multiplicam-se incógnitas sobre as regras devido à falta de informações e versões desencontradas.
Entre as dúvidas está a forma como será feita a concorrência. Declarações de membros do alto escalão do governo federal até agora indicavam que seria abandonado modelo adotado na gestão Dilma Rousseff, em que vence quem oferecer a menor tarifa de pedágio. A preferência seria pela outorga, no qual a empresa paga ao governo pelo direito de explorar o serviço e vence a proposta mais alta, garantindo receita para a União. Mas a mudança é negada pelo superintendente de exploração de infraestrutura rodoviária da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Luiz Fernando Castilho.
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– Em relação ao método de seleção da melhor proposta, ainda vai continuar o de menor tarifa, atendendo ao interesse público de modicidade tarifária (cobrança da menor tarifa possível, mas que garanta lucro) – diz Castilho, ressaltando que o sistema de outorga seria a fórmula utilizada para os leilões dos aeroportos.
Vice-presidente da Região Sul da Associação Brasileira de Logística, Paulo Menzel enaltece a intenção de levar adiante as concessões, mas pondera que ainda falta marco regularório – com direitos e deveres das partes –, que o tempo de concessão de 30 anos seria pequeno e que é preciso clarear a questão da taxa interna de retorno (TIR), que representa o lucro esperado ao pedágio.
– Esse é o tripé que ainda não está claro. E tem de ficar antes de os editais irem para a rua. Se for uma supresa para o mercado, vai ser um grande problema depois – avisa Menzel.
Nos pacotes anteriores, a fixação da TIR pelo governo era motivo de críticas no mercado e uma das razões apontadas para baixo interesse nos projetos. O secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco, assegurou que a União não determinaria mais a taxa. Segundo o Ministério dos Transportes, no entanto, "o governo ainda estuda se fixará a TIR, que seria uma tarifa-teto".
Rodovias no RS devem ser concedidas em blocos
Para Menzel, 30 anos é pouco e o mercado provavelmente vai querer mais, 40 anos ao menos. A necessidade de fazer investimentos pesados, em muitos casos com duplicação, forçaria cobrança alta de pedágio, levando à rejeição dos usuários. Castilho afirma que, para esticar o prazo, o Planalto precisaria de aval do Tribunal de Contas da União (TCU).
A opinião de que falta clareza é também a do pesquisador Edson Gonçalves, do Centro de Estudos de Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas.
– O que se revelou até agora é muito pouco para um investidor privado, como fundos soberanos ou fundos de pensão internacionais, colocarem dinheiro. Em termos práticos, as informações ainda são vagas – diz Gonçalves.
Em relação às rodovias federais no Estado, é consenso de que deverão ser reunidas em dois ou três blocos. Sobre a freeway, os estudos da ANTT estão mais avançados. Segundo Castilho, caso quem ficar com o trecho não tenha mais grandes obrigações além de alterar o local da praça de pedágio de Gravataí e construir vias laterais, a tarifa pode cair até 30% em relação à atual.
O que muda, o que fica e o que não está definido
- Cada trecho será avaliado conforme o potencial de receita para definir os investimentos que deverão ser feitos. Quanto maiores forem o movimento e a receita, maiores serão as exigências.
- Será mantido o modelo de licitação do governo Dilma Rousseff. Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres, vence quem apresentar a menor tarifa para o trecho.
- Ainda não está definido se será fixada taxa de interna de retorno (TIR) dos projetos, que indica a lucratividade do empreendimento, levando em conta receitas e despesas, como ocorria no governo anterior. Nos últimos pacotes de concessões, a TIR ficou em 9,2%. A fixação da taxa era criticada pelo mercado.
- Não haverá exigência de duplicação em todos os casos.
- O prazo das concessões será, em princípio, de 30 anos. O aumento do período depende de sinalização positiva do Tribunal de Contas da União.
Divisão por classes
O governo federal publicou na quinta-feira portaria na qual indica que os trechos concedidos serão divididos conforme o potencial de receitas e contrapartidas.
A – Duplicação total da rodovia. Exigência de atendimento médico e mecânico mais rápido. Construção de centros de controle operacional. Apenas a freeway deve ser enquadrada nesta classe, que é de maior exigência para o investidor.
B – No trecho enquadrado nessa classe, a duplicação pode não ser total. Também deve haver atendimento de socorro e médico, mas em prazos não tão exigentes como os da classe A, conforme disponibilidade de equipamentos.
C – Duplicação nesta classe ocorrerá quando a rodovia atingir determinado volume de tráfego que justifique a obra no decorrer do contrato.
D – O preço inicial do pedágio não prevê futura duplicação. Se for detectada necessidade de construir segunda via, a tarifa aumenta.
O exemplo paulista
- Em São Paulo, são 6,4 mil quilômetros em 20 contratos de concessão e o Estado tem as estradas melhor avaliadas pela Confedereção Nacional do Transporte (CNT).
- As primeiras concessões são de 1998. Foi adotada tarifa básica por quilômetro e critério de maior outorga (valor pago pela empresa ao governo para explorar o serviço) para a concorrência, em contratos de 20 anos de vigência.
- Em 2008, foram 1,76 mil quilômetros em cinco lotes, por 30 anos. A concorrência se deu pela menor tarifa por quilômetro, porém sem abrir mão de fixar outorga para cada lote. As ofertas sobre a tarifa teto do pedágio chegaram a ficar 45% mais baratas (deságio).
- No mesmo ano, foi feita concessão do trecho oeste do Rodoanel Mário Covas, com exigência de outorga de R$ 2 bilhões, utilizada para concluir as obras do trecho sul. O critério foi a menor tarifa e a empresa vencedora ofereceu deságio de 61% sobre o teto.
- Em 2010, saiu licitação do trecho sul, com obrigação da vencedora fazer o trecho leste, ao custo de R$ 3,6 bilhões. Foi adotado critério de menor tarifa para ambos. O deságio foi de 63,3% , e a concessão, por 35 anos.
Estado espera modelo federal
O governo gaúcho também planeja a concessão de rodovias estaduais na esteira do pacote do Planalto. Embora existam vias que são candidatas a serem pedagiadas, no fim das contas são os investidores que definirão quais estradas vão a leilão, diz o secretário estadual dos Transportes, Pedro Westphalen. A RSTs 287, 122 e 324 são algumas das favoritas.– Mas isso vai ser definido pelo mercado – ressalta Westphalen, referindo-se à lógica de preparar a concessão apenas para trechos que despertem interesse da iniciativa privada.
Editais devem ser lançados até o final do primeiro semestre de 2017
O modelo das concessões, acrescenta o secretário, vai seguir o de Brasília. Por isso, ainda é preciso aguardar definição das regras federais. Mas não está descartada a formação de blocos que incluam rodovias estaduais e federais, como BR-386 e RST-287, por exemplo, em nome de atratividade maior. Para ajudar na formatação dos pacotes das estradas, o governo de José Ivo Sartori está fazendo convênios com a Agência Nacional de Transportes Terrestres e Agência de Transporte do Estado de São Paulo. Os editais gaúchos, acredita Westphalen, podem ser lançados até o final do primeiro semestre de 2017, prazo semelhante ao estipulado pela União.