Reconhecida internacionalmente, a Expointer é o evento mais emblemático do agronegócio gaúcho — e um dos principais do Brasil. É no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, que grande parte do avanço técnico e científico vem a público, com as tendências que chegam ao campo nos anos seguintes.
A expectativa em relação à edição deste ano foi aplacada por um período, logo após a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul, em maio. Aos poucos, conforme os estragos eram contabilizados e o olhar começava a se voltar para o futuro, muitos produtores viram que a participação no evento era um dos principais propulsores para os negócios voltarem ao prumo.
— É uma questão de superação. Algumas áreas levarão anos para serem reconstruídas no universo do agro. A Expointer está nos mostrando que estamos no caminho para que essa reconstrução dê certo. Com certeza, é um evento que vai impulsionar esse movimento — acredita o comissário-geral da feira, Pablo Charão.
As chuvas não escolheram destino. Entre as muitas regiões atingidas está o Vale do Rio Pardo. É lá, na cidade de Candelária, que Givanildo Vidal, conhecido como Giva, e a esposa, Maria Elisa Hennig, produzem o melado batido Rodeio da Figueira. A filha Manuela, de 15 anos, estuda na parte da manhã e, à tarde, ajuda nos processos de rotulagem e pesagem.
O trabalho da família vem dando certo. O produto, que tem todas as etapas feitas na propriedade — da plantação da cana ao envase —, venceu o concurso da agricultura familiar, na categoria melado, na última Expointer.
Eles só não contavam com um revés. A enchente poupou metade da lavoura, mas ela ainda não está em fase de colher. A porção que fica em uma várzea, na beira do rio, foi arrastada, levando a matéria-prima que seria suficiente para dois anos de produção. Para se ter uma ideia, Giva estima que, anualmente, a família comercialize 30 mil quilos dos produtos.
— A gente ainda não consegue chegar na área mais alta. Leva em torno de um ano a um ano e meio para estar boa. Então, só poderemos cortar no ano que vem — projeta o agricultor.
Além disso, tanto a casa de Giva e Maria Elisa como a dos pais dela, que também trabalham no negócio familiar, tiveram a estrutura comprometida e precisaram ser abandonadas. Elas não ficaram submersas, diretamente, mas os movimentos causados no solo fizeram com que algumas partes desabassem. O mesmo aconteceu com o galpão da agroindústria, onde processam a cana.
— Geralmente, não fazemos estoque do melado. O que a gente produz, já vende. Tivemos a perda e ficamos meio desamparados — conta Giva.
Pavilhão adaptado
Sem matéria-prima, a família não sabia o que fazer e cogitou abandonar tudo. O cálculo para reconstruir as casas e a agroindústria alcançou cifras que assustaram. Com o apoio e por sugestão de técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS), resolveram ocupar um pavilhão que fica na parte mais alta da propriedade e que saiu intacto do episódio.
Com as devidas adaptações técnicas e sanitárias, depois de quase 90 dias sem renda, a família adquiriu cana de outros agricultores e voltou a produzir.
— Temos um nome a preservar e um mercado para abastecer. A qualidade do nosso produto sempre foi reconhecida, ao longo de 24 anos — orgulha-se o agricultor.
Com o produto novamente em mãos, Giva retomou a ideia de voltar ao Pavilhão da Agricultura Familiar da Expointer. Acompanhando as notícias pela internet, projeta uma grande edição. Ele lembra que o prêmio de melhor melado, no ano passado, fez com que o estoque acabasse rapidamente e espera que este ano, graças ao reconhecimento, as vendas continuem em alta.
— A gente ficou meio “atropelado”, mas tem uma expectativa muito boa. Estamos orgulhosos de, em um curto período, mesmo após perder quase todo um trabalho de mais de 20 anos, casas, prédios, lavouras, estarmos de volta, mesmo morando e trabalhando de forma improvisada — reflete.
Criador chega à final do Freio após perder equinos premiados
Tradicional no Freio de Ouro, a Cabanha Maufer, de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, soma alguns pódios nas competições funcional e morfológica, sendo campeã em mais de uma oportunidade. Fundada em 1988, sempre trabalhou com genética voltada a competições e, por isso, a equipe sabe muito bem o trabalho que dá preparar um animal para chegar afiado às finais.
— A égua que vamos levar para a prova de morfologia, Luz del Fuego, está sendo preparada desde a edição do ano passado, quando já foi finalista. Já o cavalo que temos participação e que vai competir na final do Freio vem sendo preparado há pelo menos três anos — conta o proprietário da cabanha, Fernando Lampert Weiand.
Felizmente, os dois exemplares estavam longe da sede da Maufer quando a enchente veio. Outros 97 equinos não tiveram o mesmo destino e foram vitimados pelas águas — assim como 140 bovinos.
A exceção ficou por conta de uma égua que, em uma cena familiar a todos os brasileiros que acompanharam o cavalo Caramelo, buscou refúgio no telhado de um pavilhão, onde permaneceu por seis dias. Acuada, só desceu depois que montaram uma rampa especial, alcançando os mais de cinco metros da estrutura.
Somada aos que estavam em centros de treinamento, longe dali, salvaram-se 12 animais. A maior perda, segundo Weiand, é na questão genética. Cada cavalo crioulo da propriedade carregava consigo uma vasta e exclusiva árvore genealógica. Eram filhos de pais e mães premiados, algo que não se consegue comprar novamente.
— Perdemos éguas que foram Freio de Ouro, Prata e Bronze, animais altamente premiados. Como é um ano totalmente atípico, vejo que nós conseguirmos chegar na final evidencia a reconstrução da cabanha — enaltece, ressaltando a importância da participação para manter a força da marca construída ao longo de mais de três décadas.
Mesmo depois dos prejuízos, cabanha garante presença na feira
A enchente não foi o primeiro episódio que castigou o agronegócio gaúcho nos últimos anos. Algumas regiões já haviam sofrido com as cheias em 2023 e, antes disso, a estiagem também exigiu resiliência dos produtores. É o caso da Cabanha Santa Clara, de Humaitá, no noroeste do Estado.
— A pecuária leiteira da região vem sofrendo há três, quatro anos com a influência climática. Primeiro foram três anos de seca, No ano passado, fomos muito penalizados com o temporal e, agora, as chuvaradas — lista a sócia-proprietária Clara Bickel Padilha.
A perda não foi registrada com animais, diretamente, mas na principal fonte de alimento para o gado: cerca de 80% de quebra na produção de milho para silagem. A chuva e o vento deitaram a lavoura, como define Clara, que não conseguiu preparar nutrição de qualidade.
O jeito foi recorrer ao estoque e colocar as vacas para produzir mais, a fim de fazer frente ao custo de produção. Outra medida é economizar com os animais que não estão em lactação, substituindo parte da alimentação por feno e silagem pré-secada.
O problema, no entanto, foi apenas adiado. A produtora estima que até o fim do ano tudo tenha sido consumido e precisará comprar comida para os animais. Com tamanha dificuldade, a primeira conversa com a Associação dos Criadores de Gado holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando) foi para não participar da Expointer em 2024. Clara só mudou de ideia quando soube que a feira seria realizada e lembrou do apoio que sempre recebeu da entidade.
No ano passado, a cabanha levou a vaca Bickel 617 Cassandra King Boy Doc, que acumulou os prêmios de Campeã Dois Anos Júnior, Campeã Vaca Jovem, Grande Campeã da Raça Holandesa e Suprema Campeã das Raças Leiteiras.
Neste ano, com 10 animais da raça holandês e dois jersey, a cabanha chega ao parque para representar 70 anos de tradição na produção leiteira, na mesma propriedade onde a avó de Clara começou. Por isso, ela quer mostrar o que tem de melhor. Nesta edição, eles voltam com expectativa de novas conquistas com os animais da cabanha.
— Sempre investimos muito em sanidade e genética. A Expointer é a nossa vitrine. Vamos participar das provas de morfologia, mas este ano não estamos no torneio leiteiro. Também não temos expectativa de venda, mas, mesmo não sendo o principal intuito, se aparecer negócio a gente vende — garante.