O modo de cuidar das finanças diz muito sobre o seu namoro ou casamento. No cenário de crise econômica, acumular boletos e não conversar sobre o orçamento familiar pode deixar o casal no vermelho. Seis em cada 10 brasileiros endividados afirmam que as contas impactaram o relacionamento, conforme a Pesquisa de Endividamento 2021, da Serasa.
Deixar o tabu de lado e falar com o parceiro sobre dinheiro é fundamental para evitar a escalada de conflitos em casa, afirma o doutor em Finanças Comportamentais Jurandir Sell, autor de livros sobre o tema e colunista da Forbes Brasil.
— O que a gente deve ter numa família não é um administrador, mas um conselho de administração. É muito importante que haja diálogo e os dois se envolvam — acrescenta.
Sell lembra que aquela velha história do homem cuidar das finanças ficou para trás, principalmente por conta do avanço das mulheres no mercado de trabalho, mas reconhece que ainda há desigualdade. Então, o primeiro ponto é saber quanto cada um ganha, quanto se gasta e criar uma divisão equilibrada.
Doutora em Psicologia Clínica e psicóloga da Serasa, Valéria Maria Meirelles lembra que o diálogo sobre finanças precisa ser num tom conciliador. Ela também é especialista em psicologia econômica e observa que a primeira emoção quando se está com dívidas é sempre muito negativa, com uma das partes se sentindo acuada enquanto a outra fica num tom acusatório.
— Dinheiro nunca pode ser discutido com emoções à flor da pele. Tem que ir com calma, encontrar um momento bom e, aos poucos, entender a dinâmica da família. Existe uma fantasia de que falar sobre isso atrapalha o relacionamento — explica a psicóloga.
Os especialistas são unânimes em afirmar que ter o controle do orçamento não é para remover da lista algo que pode ser considerado supérfluo pelo outro.
— Longe disso. A gente precisa tirar o desperdício, seja de energia elétrica, água ou uma roupa que comprou e não usou. O grande erro que as famílias têm é querer casar 100%, controlar o outro. Recomendo que cada um tenha um dinheiro para gastar com o que quer — orienta Sell.
Valéria Meirelles percebe ainda que as pessoas não têm o mesmo estilo com finanças e isso precisa ser analisado, desenvolvendo uma intimidade. A falta de coesão e equilíbrio, afirma, acaba em uma ruptura de confiança e conflito.
Equilíbrio dentro de casa
Conversar sobre o orçamento familiar faz parte da rotina de Eduardo Crawshaw d’Azevedo, 39 anos, e Marla Fernanda Caumo de Aguiar, 36, juntos há 12 anos.
Além de bancários, ele é economista e ela é matemática e pós-graduada na área de finanças. Com duas filhas pequenas, o casal mantém a relação com a educação financeira em dia e, aos poucos, vai ensinando para as crianças o valor das coisas.
— Buscamos introduzir alguns conceitos importantes a elas do que é caro ou barato. Por exemplo, destacando que algo custa cinco picolés, enquanto o outro custa 100 picolés. Fazemos referência ao universo delas — diz Eduardo.
Ana Júlia, de cinco anos, e Maria Eduarda, com sete, até já conhecem o famoso Pix, mas sempre acompanhadas de perto pelos pais. Em algumas brincadeiras, como vender colares de miçangas, elas recebem noções sobre o tema.
Embora tenham planos de médio e longo prazo, como a compra de algum patrimônio, previdência complementar e outros investimentos, o casal não abre mão de aproveitar as oportunidades de passeios com as filhas ou alguma viagem:
– Conheço pessoas que são mais sovinas, só pensam no futuro. A gente consegue equilibrar bem isso.
Na prática
Dicas para construir um futuro financeiramente estável:
Está pensando em morar junto?
Converse sobre o quanto cada um ganha, faça uma planilha com as despesas do dia a dia e o que pode ser economizado ou investido.
Crie um projeto de casal
Seja uma viagem, a compra de imóvel ou a própria previdência. A partir disso, combinar uma “mesadinha” para cada um gastar onde quiser. Por exemplo, tirar um percentual entre 4% e 8% da renda para as despesas que podem ser consideradas supérfluas.
Antes de comprar
Se for comprar algo, veja se vai impactar as contas da casa e converse com o parceiro ou parceria, caso haja um planejamento.
Jamais esconda
Não esconda números ou compras. Isso pode causar uma ruptura de confiança na relação.
Eduque
Ensine seus filhos sobre o valor das coisas. Se eles querem um presente, nem sempre dê na hora. Explique o quanto custa o passeio, o brinquedo e a escola. Isso vai ajudar na educação financeira deles.
Fontes: Valéria Maria Meirelles, doutora e especialista em psicologia do dinheiro; e Jurandir Sell, professor universitário e doutor em finanças comportamentais