A redução da taxa básica de juros, a Selic, para 2,25% em junho, a menor da série histórica desde 1996, não deu alívio para quem tem dívida nos meios de crédito mais caros do país: o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito. Mesmo a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) em limitar em ainda altos 8% ao mês o juro do cheque especial não tornou essa modalidade de crédito fácil de digerir. A colunista Giane Guerra sugere ignorar o valor do limite do cartão e gastar só o necessário — veja mais dicas da especialistas ao final deste texto.
Um projeto de lei do Senado que estabelece teto de 20% ao ano para as dívidas contraídas nestas duas modalidades de crédito, de março de 2020 a julho de 2021, aguarda votação. Ainda que seja aprovado, o limite será válido apenas temporariamente.
Quando um produto (neste caso, o crédito) é oferecido a um preço extremamente alto e, mesmo assim, as pessoas compram, a lógica deste mercado é legitimada, afirma Robson Gonçalves, coordenador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Projetos.
— Nós só temos essas taxas de juros porque existem milhões de pessoas no Brasil que “optam” por essa modalidade cara de crédito por desconhecimento sobre as outras — afirma o economista.
A percepção é compartilhada por Wendy Haddad Carraro, que coordena o programa de extensão Educação Financeira para Todos e para Toda Vida da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) — veja neste link. Segundo ela, o consumidor se vê muitas vezes em uma situação de desespero e não sabe da existência de outras opções.
— A pessoa não sabe que o custo daquele dinheiro pode colocá-la numa situação ainda pior — completa a professora de Ciências Contábeis.
Para o educador e planejador financeiro Leandro Rodrigues, o fácil acesso explica parte do uso impensado desse tipo de crédito. Fazer dívida no cheque especial e no rotativo é um sintoma de desequilíbrio financeiro, ele afirma. É comum também o cliente imaginar que vai conseguir pagar o empréstimo em poucos dias, só que isso raramente acontece, acrescenta a administradora e educadora financeira Camila Bavaresco.
Utilizar o cartão não é o problema e pode mesmo ser benéfico, como ganhar pontos que podem ser trocados por produtos, lembra Camila. O prejuízo aparece quando o cliente perde o controle dos gastos realizados e não consegue pagar toda a fatura do mês.
Efeito bola de neve
— Uma dívida de R$ 1 mil no cheque especial que cobre uma taxa de 8% ao mês se transforma em R$ 1.586,00 em seis meses. No rotativo do cartão, que tem uma taxa média de 11% ao mês, torna-se R$ 1.870,00 em seis meses — exemplifica Camila.
— Primeira coisa é ter consciência de que o cartão de crédito não deve ser usado como um complemento de renda. Quem faz isso vai se dar mal financeiramente — afirma Rodrigues.
Em época de isolamento social, as compras online têm crescido e, com isso, a preocupação com o risco de descontrole nos gastos. Somente no primeiro trimestre, o número de consumidores únicos no e-commerce cresceu 22,8%, chegando a quase 16 milhões, segundo pesquisa do Movimento Compre & Confie em parceria com o E-Commerce Brasil. Por sua vez, a pesquisa de maio da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) mostra que 61% dos clientes de comércio digital aumentaram a quantidade de compras.
Gastos por impulso, advertem os educadores financeiros, geralmente são desnecessários. Ansioso por estar na quarentena, o consumidor pode não perceber quando está agindo impulsivamente, avalia Wendy.
— Uma forma infalível de manter a ordem em qualquer cenário econômico é ter em mente um objetivo claro, o que quer adquirir, quanto custa e quando quer realizar a compra. As pessoas que têm essa mentalidade criam uma “musculatura emocional” capaz de pôr nos trilhos a sua vida financeira — diz Rodrigues.
Além de conhecer com exatidão o orçamento e o quanto pode gastar, os educadores financeiros orientam fazer uma lista do que é preciso comprar e se ater a ela. No quadro abaixo, confira as dicas para controlar os gastos.
Juro do cheque especial para pessoal física
Instituição, porcentagem ao mês e ao ano*
- Banco do Brasil — 7,58 — 140,21
- Banrisul — 7,97 — 150,94
- Bradesco — 7,88 — 148,46
- Caixa Econômica Federal — 4,41 — 67,82
- Itaú Unibanco — 7,60 — 140,
- Santander — 7,95 — 150,3
Juro do cartão de crédito - rotativo regular
Instituição, porcentagem ao mês e ao ano*
- Banco do Brasil — 9,24 — 188,7
- Banrisul — 11,82 — 282,09
- Bradesco — 11,59 — 272,98
- Caixa Econômica Federal — 6,89 — 122,53
- Itaú Unibanco — 8,39 — 162,92
- Santander — 11,22 — 258,42
*Fonte: Banco Central, período de 15/6/2020 a 19/6/2020
Como controlar os gastos no e-commerce
- Faça uma planilha com seu orçamento exato e anote todas as suas compras, registrando o valor de cada item.
- Se não souber se controlar, não navegue por aplicativos e sites de compras por passatempo, descadastre-se dos e-mails de ofertas. Mas se souber é uma boa para monitorar ofertas.
- Deixe de seguir “influenciadores digitais” das redes sociais que induzem ao consumo.
- Faça uma lista do que precisa comprar e estabeleça um teto de gasto para cada produto. Atenha-se a essa lista.
- Verifique se você tem pontuação de fidelidade no seu cartão para trocar por produtos que precisa.
- Antes de comprar, pergunte-se “eu preciso disso, esse é o momento para comprar, vai me fazer falta se não comprar agora?”.
- Se respondeu sim para todas as perguntas acima, pesquise em várias lojas. Compare o juro do parcelamento e o valor do frete no preço final.
- Coloque os itens no carrinho e só volte ao site ou aplicativo no dia seguinte, para reavaliar suas escolhas e decidir se finaliza ou não a compra.
*Fontes: Camila Bavaresco, educadora financeira; Leandro Rodrigues, educador e planejador financeiro; Wendy Haddad Carraro, professora de Ciências Contábeis da UFRGS e educadora financeira.
Anota aí para não se esquecer: crédito fácil é caro. Então, esqueça que existe o cheque especial. Ele não é uma poupança e muito menos uma extensão do salário. O dinheiro que está lá não é seu. É do banco, que cobra bem caro por ele. Já o cartão de crédito pode ser o mocinho, e não o vilão, dependendo de como é usado. Além dos pontos acumulados para troca por descontos e produtos, a fatura organiza os gastos de uma forma mais fácil de visualizar. O grande segredo está em ignorar aquele valor que é o "limite do cartão". Ele induz a gastar mais do que se ganha, cair no rotativo e pagar juro nas alturas. Gaste o que cabe no salário do mês e só. O cartão de crédito é só uma ferramente de compra.