Fiscais agropecuários estaduais alertam para o abate para consumo humano de vacas prenhes em estágio avançado de gestação. O tema foi abordado em reportagem exibida pelo RBS Notícias. A Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul alega que, desde 2017, o Ministério da Agricultura permite a venda desse tipo de carne. A Secretaria de Agricultura garante que vai discutir o assunto internamente. Uma das alternativas é criar uma legislação estadual para desestimular a prática.
Os vídeos dos abates foram gravados pelos próprios fiscais que realizam o controle do abate dentro dos frigoríficos. Parte dos registros foi realizada na semana passada. Em um conjunto de nove fotos, dá para contar 97 fetos enfileirados em vários frigoríficos.
— É uma rotina nos estabelecimentos. A quantidade é exagerada e isso choca pra quem estudou pra cuidar do bem-estar dos animais — afirma a fiscal agropecuária do estado Raquel Cannavô, que revelou as imagens.
Em um dos registros, é possível perceber o filhote se mexendo no útero da mãe, momentos antes do abate. As imagens revelam os fetos, praticamente formados, sendo retirados dos animais.
– O que mais me deixa triste é ver uma vaca prenha indo pro abate. Eu sei o quanto é difícil emprenhar uma vaca, o quanto é custoso. Muitas vezes, esses animais vêm para o abate prenhes para serem descartados. É um dos momentos mais dificeis de fiscalização – afirma o fiscal agropecuário Paulo Anezi Júnior.
– Na legislação anterior, essas carcaças de fêmeas abatidas em estado de gestação não poderiam servir para consumo in natura. Então, elas acabavam sendo descartadas e isso acabava sendo um prejuízo econômico para o estabelecimento e para o produtor, o que não acontece mais hoje. Essas carcaças elas podem ser aproveitadas e não existe nenhum tipo de penalidade, nenhuma multa ou algo do tipo – explica Beatriz Scalzilli, vice-presidente da associação.
Procurado pela RBS TV, o ministério não informou as razões das mudanças nas normas. De acordo com os fiscais, esse tipo de situação é tão frequente que, às vezes, as fêmeas dão à luz momentos antes de serem abatidas. Nesse caso, a rês só pode ser carneada dez dias após o parto. Em depoimento à reportagem, um ex-funcionário de um frigorífico gaúcho disse já tentou evitar o abate de reses no terço final de gestação, sem sucesso.
– Sendo mandado pelo patrão, tinha de fazer. Numa ocasião, a gente chegou no "mangueiro", um dia, pra tocar o gado pra dentro, pra abater. Tinha uma vaca deitada e agonizando pra parir. (...) Pelo tamanho da vaca, pelo jeito dela, havia dois terneiros dentro do útero. "Mas não interessa", diz ele. Pode abater. A gente fez o serviço. Quando abriu o ventre dela, dois terceiros "macho". Eu, como é que vou te dizer, só não chorei por im capricho né – lamenta.
Conforme ele, até a carne dos fetos era aproveitada para ser vendida como vitela, que no mercado tem origem em terneiros jovens, de até um ano.
— Eu fazia esse serviço de abater o terneiro, abater eles, no caso, carnear. Tava morto, a gente já tirava da vaca morto — diz o ex-funcionário.
Método é comum entre quem rouba gado
Carnear animais prenhes é situação comum entre os abigeatários. Quando faz o flagrante, a polícia indicia os responsáveis por maus-tratos. O delegado que investiga crimes rurais diz que os donos de frigoríficos também podem responder na Justiça, com pena de até um ano de prisão.
– As imagens são fortes. A gente verifica que o bem-estar animal não está sendo respeitado realmente, e pode incidir a lei de crimes ambientais, no crime de maus-tratos – afirma o delegado André Mendes.
Relatos de autoridades e produtores indicam que muitos criadores deixam as vacas emprenharem de propósito, porque assim, elas não entram para o cio, comportamento que reduz o ritmo da engorda. O Sindicato dos Médicos Veterinários do Rio Grande do Sul, entretanto, condena a prática, e afirma que isso é uma ilusão.
– Não vale a pena para o produtor porque ele tem uma falsa ideia de que a vaca acaba engordando a mais, mas no frigorifico ela acaba sendo contada apenas pela carcalça, ou seja útero, feto e fluidos fetais acabam sendo descontados e todo esse peso que acaba sendo descontado nao vale a pena para o produtor, falando na questão econômica. Não vale a pena para o produtor rural. É uma falsa ideia de estar ganhando dinheiro – afirma João Pereira Jr, diretor do sindicato.
Representante dos criadores, a Federação da Agricultura do Estado (Farsul) concorda e diz que vender um animal nessas condições é mau negócio para o criador. A entidade que representa os frigoríficos também afirma ser contra esse tipo de abate, mas admite que se trata de uma realidade no mercado.
— Nós defendemos que a vaca prenha fique no campo e termine seu ciclo de prenhez (gestação). O frigorifico só descobre se a vaca esta prenha quando ela já esta no seu processo de abate. quem deveria estar controlando isso a nivel de campo é o próprio produtor — diz Ronei Lauxen, presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do RS (Sicadergs).