Se a pandemia do coronavírus provocou o cancelamento da Expointer 2020 e retirou cerca de meio milhão de pessoas da sede da feira, entre visitantes, pecuaristas e agricultores, também levou, em via oposta, um morador para a primeira construção do terreno de 141 hectares em Esteio, na Região Metropolitana.
Vivendo na casa que pertencia ao proprietário da então fazenda, nos anos 1960, o subsecretário do Parque Estadual de Exposições Assis Brasil, José Arthur de Abreu Martins, 67 anos, mudou-se para o local de trabalho em busca de proteção para o vírus e facilidade para desenvolver suas atividades.
Para muitos, ele é o dono da chave do parque, condição que refuta por um nada singelo detalhe:
— Tem uma quantidade enorme de chaves para abrir todos esses prédios. Meu problema é manter o chaveiro em ordem.
A casa em estilo colonial, construída em meados da metade do século passado, tem quatro quartos, quiosque e uma área arborizada. Viver no parque traz situações inusitadas ao diretor do parque, ou "xerife", como ele é chamado informalmente. O simples ato de pedir uma telentrega rende questionamento por parte dos entregadores.
— Liguei pra pedir um xis aqui de Canoas, e quando falei que morava no Parque de Exposições Assis Brasil, ele disse que eu tava de sacanagem. Expliquei, o xis veio e o motoboy foi escoltado aqui dentro — relembra.
A escolha por viver em meio ao cenário quase cinematográfico, de prédios em estilo fazenda e restaurantes temáticos, foi motivada pela pandemia de coronavírus. Dono de um apartamento na Capital e no grupo de risco devido à idade, a troca oferece o que muitos gaúchos procuram atualmente: um imóvel com pátio.
As reuniões, que antes demandavam o deslocamento diário a Esteio, hoje são realizadas de forma virtual, com a vista do vasto gramado ao lado das arquibancadas e das tribunas de honra. Além de Martins, há um capataz e servidores da área de manutenção que ficam alojados em outras partes da “cidade rural”.
A tranquilidade do local, que acorda ao som dos quero-queros, se transforma em tristeza quando o "xerife" se dá conta de que não há silêncio com a feira em funcionamento — tradicionalmente, a Expointer ocorre entre o final de agosto e o início de setembro. No primeiro domingo de abertura, em 2019, os portões precisaram ser fechados devido a lotação — 416 mil pessoas passaram pelo parque durante a edição passada.
Ao caminhar entre os pavilhões, no que seria a véspera de início da 43ª Expointer, o médico veterinário aponta para os espaços dos animais vazios, alguns ainda com folhas antigas coladas nos stands.
— Isso estaria lotado com trator, caminhão, marteladas. Tu não tens ideia do vazio que é ver tudo assim — conta.
Nascido em Porto Alegre, mas com família em Dom Pedrito, o "xerife" do maior parque de exposições do Brasil começou a trabalhar no local em 1978. Na época estudante de Veterinária, foi inicialmente auxiliar dos jurados nas competições. Formado, foi contratado como médico veterinário em 1981. Nos anos 1990 foi nomeado comissário-geral da exposição, cargo que ocupou, entre idas e vindas, até 2018 — desde 2019 ocupa a posição atual.
Em 42 anos de atuação, há muitas histórias “pitorescas”, como definiu, algumas impublicáveis, que vão desde festas para amenizar o trabalho árduo dos peões durante o período de mostra ao choro de competidores que vencem provas após uma vida inteira dedicada às competições. Também tem o impacto do evento no município de Esteio, que via hotéis lotados e casas alugadas para os expositores. A fuga de um touro da raça canchim, que saiu em disparada pela BR-116, é relembrada com humor:
— Ele se soltou durante a inspeção sanitária, correu pela rua lateral, entrou na rodovia e foi encontrado só no outro dia, dentro de um depósito de gás, em Canoas. O homem ligou pra nós e fomos buscá-lo. Não provocou nenhum acidente. Deus protege esse parque.
Em 2014, um temporal arrancou árvores, retorceu estruturas metálicas e causou prejuízo milionário aos cofres do parque, que tem um fundo próprio dentro da Secretaria da Agricultura. Sem bilheteria em 2020, e com contratos cancelados junto a expositores, o impacto é “forte”, segundo o gestor.
Chamada de Expointer Digital, uma série de atividades a distância foram previstas. Neste sábado (29), dia em que o Parque de Exposições Assis Brasil completa 50 anos de fundação, haverá uma celebração virtual e início da venda de máquinas agrícolas pela página oficial do evento.
Entre os dias 26 de setembro e 4 de outubro, competições poderão ser acompanhadas também de forma online, e um drive-thru será instalado para retirada dos tradicionais produtos vendidos pelos trabalhadores rurais do Pavilhão da Agricultura Familiar.
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