Com metas bem traçadas, o novo presidente da Embrapa, Celso Moretti, embarcará na primeira missão internacional à frente do cargo em 17 de janeiro. O destino: Emirados Árabes, que importam quase 95% de seus alimentos.
– A Embrapa é referência mundial em tecnologia agropecuária. Podemos disseminar conhecimento em troca de financiamento para pesquisa e também da abertura de portas para o setor privado de sementes, máquinas e bioinsumos – detalha Moretti, 53 anos, natural de Santo André (SP).
No radar internacional do pesquisador estão também países da África, que concentram 60% das terras agricultáveis do mundo:
– Gigantes como China estão mirando a África. Precisamos fazer parte desse processo.
No campo interno, Moretti pretende dar continuidade ao movimento de aproximação da Embrapa com a iniciativa privada – que hoje responde por 5% do orçamento total da empresa, estimado em R$ 3,7 bilhões para 2020.
– Em um ano, dobramos o número de projetos com o setor privado. Mas há muito espaço para avançar – prevê.
Mestre e doutor em Produção Vegetal e há 25 anos na carreira de pesquisador, Moretti foi chefe da Embrapa Hortaliças e do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento. Na presidência interina desde julho, assumiu o comando oficial no último dia 20 de dezembro _ quando definiu quatro prioridades para sua gestão: edição genômica, agricultura digital, bioeconomia e sistemas integrados de produção.
Quais serão as prioridades da sua gestão?
Dividimos em duas frentes: interna e externa. Na interna, o objetivo é aumentar a eficiência das operações. Desde 2018, reduzimos de 15 para cinco as unidades centrais, responsáveis pelos planejamentos estratégicos. Dos 16 escritórios da parte de produção de sementes e mudas, mantivemos dois. Na parte externa, temos um eixo nacional e outro internacional. O nacional envolve a necessidade de revisitar a agenda de pesquisa, aumentando a captação de recursos privados, reduzindo a dependência do governo e se aproximando do setor produtivo. Na questão externa, precisamos aproveitar as oportunidades na África, no Oriente Médio e no sudeste asiático. O Brasil foi o único país que conseguiu desenvolver de forma eficiente tecnologias para a agricultura tropical.
Muitas vezes encontramos produtores que nos dizem que a Embrapa perdeu a relevância. Isso não é verdade
CELSO MORETTI
Presidente da Embrapa
A empresa chegou a ter escritórios em países africanos. A ideia é reativá-los?
Mantivemos escritórios em Gana e Moçambique de 2009 a 2012. Mas ainda estamos discutindo com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se esse modelo é o mais indicado. O que temos em mente é a necessidade de refazer essa aproximação com o continente africano, por uma série de razões, começando por estratégia de mercado. A África está no meio do caminho da China. Em 2030, 50% da classe média mundial estará no sudeste asiático.
Há anos se fala da necessidade de modernizar a Embrapa e aproximá-la do produtor. Como fazer isso ocorrer de fato?
Temos um desafio monumental de comunicar mais e melhor. O nosso trabalho abrange genética vegetal e animal, além de bioinsumos e avanços no zoneamento de risco climático. Muitas vezes encontramos produtores que nos dizem que a Embrapa perdeu a relevância. Isso não é verdade. Com o desmantelamento do sistema técnico e extensão rural, o processo de geração e transferência de tecnologia ficou com a perna manca. Os nossos pesquisadores vão a campo para entender os problemas que estão ocorrendo e muitas vezes as soluções já estão prontas. Claro que onde existir deficiência temos de melhorar e ser mais efetivos.
Produtores reclamam de que a instituição se distanciou das grandes culturas, deixando-os nas mãos de multinacionais.
Em reunião recente com grupo de produtores foi mencionado que na década de 1990 a Embrapa respondia por 60% do mercado de milho, 50% da soja e 50% do algodão. E hoje esse percentual é inferior a 5%. Naquela época, quando o país não tinha lei de propriedade intelectual e de proteção de cultivares, a Embrapa funcionou como uma locomotiva para limpar os trilhos para o setor privado. Não é papel da Embrapa competir com grandes empresas, até porque esse mercado tem um custo altíssimo, mas apoiar o desenvolvimento sustentável do agronegócio. E se por um lado a nossa participação é baixa na soja e no milho, é alta no feijão (50%), na cevada (90%), no trigo (19%) e no sorgo (16%). Somos muito relevantes também na área de bioeconomia, tendência mundial.
Não é papel da Embrapa competir com grandes empresas, mas apoiar o desenvolvimento sustentável do agronegócio
CELSO MORETTI
Presidente da Embrapa
Como estão as parcerias com empresas privadas?
Dobramos o número de projetos com financiamento privado de 2018 até agora: de 53 para 102. Somente em 2019, foram mais de 300 contratos de parceria com universidades e empresas de insumos. Em um ano, os projetos com o setor produtivo aumentaram de 6% para 16%. E até 2020 temos a meta de chegar a 40%. Esse seria o limite para manter equilíbrio, já que as demandas do setor privado são de curto e médio prazos, enquanto as do setor público são de longo, identificando problemas que surgirão lá na frente.
A Embrapa tem milhares de hectares de terra pelo país, muitos ociosos. Há algum plano para esse patrimônio?
Nós iniciamos esse estudo em 2019 e chegamos ao número de 106 mil hectares, em diversos Estados. Na década de 1970, quando a Embrapa foi criada, precisava de grandes áreas para desenvolver experimentos. Hoje, com toda a possibilidade de modelagem digital, não faz mais sentido ter essa quantidade de terra. Vamos trabalhar em 2020 para desmobilizar esse patrimônio, revertendo o dinheiro para pesquisa. Esse processo passa por negociação, algumas áreas carecem de regularização fundiária, por exemplo.
Dobramos o número de projetos com financiamento privado de 2018 até agora: de 53 para 102 iniciativas
CELSO MORETTI
Presidente da Embrapa
Como está o Programa de Demissão Incentivada (PDI) , que deve ser concluído até junho de 2020?
Nós superamos a meta de desligar 1,1 mil colaboradores, desde julho de 2019. Foram 1.311 colegas que aderiram ao PDI. Já desligamos 700 pessoas até agora e até julho de 2020 serão outros 611 funcionários. Não existe sinalização do governo de que teremos outro PDI a curto prazo. A Embrapa soma hoje 8,5 mil funcionários, dos quais 650 cargos comissionados (CCs), entre os quais há espaço para redução.
Qual o principal desafio para a agropecuária brasileira?
Garantir competitividade e sustentabilidade do agronegócio por meio do aporte de tecnologia. Vejamos o que está acontecendo com o arroz. O aumento dos custos de produção acabou prejudicando a atividade. É papel da Embrapa, com a cadeia produtiva do arroz, buscar soluções e dar sustentabilidade ao produtor. Os caminhos passam pela melhora do manejo de irrigação, da fertilidade do solo e da diversificação de culturas nas terras baixas, assim como na busca de mercados externos.
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