Por muito tempo vista como um tabu dentro das universidades brasileiras, a participação do setor privado nas pesquisas públicas deve ganhar corpo nos próximos anos. Sancionado no começo de 2016, o chamado marco da ciência , tecnologia e inovação promete aproximar instituições científicas e empresas. Para isso, ainda precisa ser regulamentado.
Diante da crise vivida pela pesquisa brasileira, o entendimento entre cientistas é praticamente unânime: as universidades precisam abrir-se para parcerias.
– Hoje, a resistência ideológica é muito menor do que o emaranhado burocrático ainda imposto pela legislação brasileira – diz Rui Vicente Oppermann, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Já com parcerias em andamento, a UFRGS pretende ampliar os projetos com capital privado – especialmente para pesquisa aplicada, com resultados mais rápidos e práticos. A pesquisa básica, que demanda um tempo maior, normalmente tem financiamento público.
– É o que acontece nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia – exemplifica Oppermann.
Maior flexibilidade para firmar contratos
Hoje, menos de 10% do valor destinado à pesquisa aplicada na UFRGS vêm da iniciativa privada. Todo o restante é dependente do governo. Quando o marco legal for regulamentado, as instituições terão maior flexibilidade para fazer contratos com empresas, com menos burocracia e em campo maior de atuação.
– Há uma necessidade urgente de estreitar as conexões com o setor produtivo – reforça Paulo Renato Schneider, pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Na opinião de Luiz Carlos Federizzi, coordenador nacional da área de Ciências Agrárias I da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), há uma crise institucionalizada na pesquisa brasileira e a saída é associar-se às empresas. Professor da Faculdade de Agronomia da UFGRS, Federizzi frisa que no mundo todo a iniciativa privada tem grande participação nas instituições de ensino.
Como exemplo do que já ocorre aqui, com ajuda do capital privado, estão as cultivares de aveia branca desenvolvidas pelo Laboratório de Melhoramento de Plantas da universidade gaúcha. A tecnologia, cultivada hoje em mais de 350 mil hectares no país, rende de R$ 300 mil a R$ 500 mil por ano de royalty pago por cerca de 80 produtores de sementes.
– É um serviço que estamos prestando para a sociedade, com o reconhecime nto do produtor, que paga para usar a nossa tecnologia – exemplifica Federizzi.
Parcerias para garantir resultados
Para garantir que projetos de pesquisa tenham recursos para começar e terminar, o professor Enio Marchesan, do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), não pensa duas vezes antes de buscar empresas ligadas à produção de soja e arroz.
– Quem faz isso nem sempre é bem visto dentro da universidade – afirma Marchesan.
Convicto de que este é o caminho e de que o contrário é um atraso para a ciência brasileira, o professor identifica as pesquisas com interesse privado, a fim de financiar bolsas de estudos a alunos de pós-graduação:
– Assim, garanto que continuemos a produzir conhecimento.
Com o mesmo entendimento, o professor Ricardo Pedroso Oaigen, diretor do Centro de Tecnologia em Pecuária da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), foi atrás de parceiros para não deixar pesquisas serem interrompidas por falta de verba. Com o apoio de sindicatos rurais e empresas de insumos da Fronteira Oeste, mantém os materiais necessários para experimentos na área da ciência animal:
– Cada vez mais teremos menos recursos públicos. Ou acordamos para essa nova realidade ou continuaremos disputando migalhas – conclui Oaigen.
Fundos patrimoniais
A regulamentação de fundos patrimoniais para financiar instituições públicas de ensino e pesquisa de nível superior poderá aproximar as iniciativas pública e privada. Projeto de lei da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) prevê que pessoas físicas ou jurídicas invistam em determinados departamentos. Hoje, se algum doador se dispuser a aplicar na ciência brasileira, verá o recurso ir para o caixa único do Tesouro – com a possibilidade do dinheiro nunca mais sair de lá ou de ser destinado para outra área.