O incremento de renda da soja passa, diretamente, pelo aumento da produtividade. Entre 2006 e 2017, segundo dados do IBGE, houve leve redução da área nas propriedades familiares gaúchas, passando de 1,2 milhão para 1,1 milhão de hectares. Ao mesmo tempo, o volume colhido saltou de 2,7 milhões para 3,9 milhões de toneladas. Sendo assim, a média por hectare passou de 36 para 55 sacas no período abrangido pelo Censo Agropecuário.
O diretor técnico da Emater, Alencar Rugeri, lembra que as condições de plantio são praticamente as mesmas em grandes e pequenas propriedades. O especialista aponta que a soja é uma das poucas culturas em que produtores de portes distintos conseguem utilizar as mesmas tecnologias. No entanto, ressalta que o pequeno necessita ser mais eficiente na gestão para que a soja se torne rentável, já que não consegue competir em escala com o grande e, portanto, tem menor margem.
– Se tu pensas em plantar soja, tens tudo ao alcance da mão. A estrutura produtiva do grão tomou dimensão que facilita a aquisição de insumos, de produtos, de tecnologia. É algo que dificilmente ocorre em outras culturas – compara Rugeri.
O plantio também vem se espalhando por diferentes regiões do Estado. Áreas que até pouco tempo atrás pareciam impróprias para a oleaginosa se mostraram produtivas, sobretudo na Metade Sul. De olho na possibilidade de incremento na renda, o produtor Valério Brose, de São Lourenço do Sul, passou a investir no cultivo. Ao lado do pai, Waldiro, da mãe, Geni, do irmão, Valnei, e da cunhada Patrícia, ele toca uma propriedade com gado leiteiro e milho. Em 2016, buscou terras no município para plantar soja.
– Tu vendes leite para comprar a comida da vaca, praticamente não tem lucro. Seria quase impossível viver só do leite, então começamos com a soja, pois dá retorno rápido. Hoje, é nosso carro-chefe – conta Brose.
O produtor cultiva o grão em cerca de 60 hectares arrendados de vizinhos, a maioria deles aposentados do campo. O “aluguel” é pago com parte da produção. Após as primeiras safras, Brose recorreu ao crédito voltado à agricultura familiar para investir R$ 400 mil em máquinas. Assim, adquiriu uma plantadeira e um trator, com direção hidráulica e cabine com ar condicionado. Desde então, aumentou o rendimento de 60 para 65 sacas por hectare, em média. A colheita é comercializada com tradings de commodities agrícolas.
Dependência da cultura acende alerta
A soja tornou-se a principal ou até mesmo a única cultura plantada em diversas propriedades familiares no Rio Grande do Sul. Os recenseadores do Censo Agropecuário notaram que, em determinados locais do Estado, o grão ganhou espaço em substituição ao milho, ao feijão e à produção de leite, entre outras atividades. Mesmo que a oleaginosa tenha se transformado em fonte de renda estável para muitos agricultores nos últimos anos, há quem veja com ressalvas a perspectiva de continuidade desse movimento de migração.
– Enquanto tivermos preço alto na soja, como estamos tendo, e baixo nas outras culturas, vamos ver uma debandada dos produtores para a soja. É algo perigoso para o produtor e para o Estado – alerta Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS).
Silva lembra que, hoje, as condições climáticas e mercadológicas estão favoráveis à soja, mas argumenta que a dependência do grão pode trazer problemas mais adiante, em caso de estiagem, por exemplo. Neste sentido, ressalta que a cultura é uma das mais sensíveis à seca de grandes proporções, algo que não acontece no Estado desde 2012. Além disso, como a demanda atual é puxada pela China, qualquer problema envolvendo o gigante asiático pode afetar o mercado para o produto.
No Rio Grande do Sul, a soja sempre teve vinculação importante com a agricultura familiar, recorda Sergio Schneider, professor de sociologia do desenvolvimento rural e estudos alimentares da UFRGS. O que mudou nos últimos anos foi o surgimento do “fator China”, que aliado ao envelhecimento da população rural e às facilidades proporcionadas pelo avanço da tecnologia, motivou investimentos. Além da dependência de uma única cultura, Schneider vê outros pontos de alerta:
– A soja é altamente intensiva em uso de agrotóxicos, que deixam um passivo ambiental. Esse é o grande problema, cria impactos até sobre outras atividades. Tivemos recentemente o problema da mortandade das abelhas – lembra.
O professor refere-se à mortandade de mais de 400 milhões de abelhas no Estado, entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019, em decorrência da aplicação incorreta de um inseticida nas lavouras.
Além disso, no ano passado foi comprovada a deriva de outro agrotóxico, o 2,4-D, em áreas de uva, maçã e azeitona. Neste ano, o problema persiste. Até terça-feira (5), a Secretaria da Agricultura recebeu 55 denúncias de suspeita de deriva do herbicida.
Neste contexto, Schneider reforça que a exposição do agricultor familiar aos químicos vem crescendo. De acordo com o Censo Agropecuário, 70,2% dos estabelecimentos rurais gaúchos utilizaram algum agrotóxico em 2017. Em 2006, o índice era de 62%.