Ingrediente responsável por gerar o amargor e o aroma característicos da cerveja, o lúpulo começa a ganhar espaço em solo gaúcho. Cinco produtores, sendo quatro na Serra, decidiram apostar no cultivo da flor nos últimos três anos. E os resultados das primeiras colheitas indicam que a cultura, tradicional em países como Alemanha e Estados Unidos, tem futuro promissor no Rio Grande do Sul. O início do plantio no Estado não ocorre à toa. O foco é fornecer matéria-prima para o mercado cervejeiro nacional, que cresce em ritmo acelerado. Segundo o Ministério da Agricultura, o Brasil conta com 679 cervejarias. Cinco anos atrás, eram menos de 200 estabelecimentos. E o Rio Grande do Sul é líder, com 142 empresas.
Como o lúpulo utilizado na fabricação da bebida é importado, muitos investidores viram na produção da flor um nicho. O cultivo ainda não tem representatividade no país. A principal área plantada no Estado e uma das maiores no Brasil, até agora, é a do produtor Gustavo Laurindo, de São Francisco de Paula. Ele começou a fazer experimentos em 2015 nas terras da família. Desde então, deixou o emprego em uma indústria de Caxias do Sul e investiu em torno de R$ 500 mil para estruturar a plantação em um hectare.
Neste ano, entre fevereiro e abril, Laurindo colheu uma tonelada da flor. Foi sua primeira safra comercial e mais da metade foi vendida para microcervejarias e cervejeiros amadores. Os 500 quilos restantes devem acabar em poucos meses, pois há negociações para o fornecimento a outros seis estabelecimentos em diferentes regiões do país. Para a próxima safra, a meta é expandir a área para dois hectares e colher duas toneladas. Ao todo, são cultivadas 10 variedades, sendo cascade, chinook e columbus as principais. A longo prazo, o produtor tem um objetivo ambicioso:
– Em até sete anos, imagino produzir 10 toneladas ao ano, conforme vá expandindo a área. A tendência é de que o mercado absorva toda essa produção.
No país, área plantada é inferior a 20 hectares
No país, o lúpulo não é exclusividade do Rio Grande do Sul. Atualmente, existem 31 produtores espalhados por sete Estados, com área plantada que não passa de 20 hectares, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo). A criação da entidade começou a ser articulada no final de 2016 e será formalizada no dia 19 de maio, em assembleia no município de Lages, Santa Catarina.
O objetivo do grupo é reunir os interessados em cultivar em solo brasileiro e fomentar a produção em escala comercial, inclusive com assistência técnica.
– O plantio é muito recente. Não existe ainda uma cadeia produtiva formada no Brasil. Hoje, ninguém está produzindo em escala comercial – comenta Alexander Creuz, que deverá ser eleito o primeiro presidente da Aprolúpulo.
Proprietário de uma empresa de assistência técnica especializada na planta, o agrônomo catarinense Felipe Francisco calcula que a cultura deve levar de 10 a 15 anos para se consolidar no Brasil. Ou seja, ainda há um longo caminho até a produção nacional conseguir se tornar uma alternativa real à importação do ingrediente. Os resultados obtidos até agora, porém, são animadores.
– O potencial do cultivo do lúpulo é muito grande, maior do que imaginávamos inicialmente. Fazendo experimentos, vimos que é possível cultivar em várias regiões – explica Creuz.
O lúpulo de qualidade, com alto teor de óleos essenciais, deverá ser obtido, principalmente, nas serras gaúcha e catarinense. Para Francisco, essas duas regiões devem concentrar a maior parte da produção brasileira, em razão de características como clima e altitude.
Ousadia que deu certo
– Tu és louco, isso não vai dar certo.
Essa foi a frase que o produtor Guilherme de Bastiani, de Nova Roma do Sul, mais ouviu quando dizia para familiares e amigos que iria vender sua empresa de distribuição de bebidas para se dedicar ao cultivo de lúpulo. Em 2015, comprou algumas mudas em São Paulo e plantou-as no quintal de casa. Na primeira vez, o resultado desejado não apareceu. Mas, após outras tentativas, os cones verdes brotaram. A atitude ousada começava a dar certo.
Vendo que o lúpulo nascia na Serra, Bastiani montou uma estufa caseira, na qual testa novas variedades e multiplica as mudas. Ao compartilhar fotos de sua experiência na internet, gente de todo o Brasil passou a procurá-lo para comprar plantas. Esse virou um nicho de atuação. Há semanas nas quais o produtor comercializa mais de cem mudas, ao preço médio de R$ 35 a unidade.
Bastiani decidiu ainda cultivar para a indústria. Para isso, comprou meio hectare de terra, no ano passado, e cultivou cerca de 200 plantas das variedades cascade e chinook. Entre fevereiro e abril, colheu 30 quilos em sua primeira safra. Metade foi vendida para uma cervejaria de Florianópolis. O restante foi para a cerveja de fabricação própria. Para ter estoque do ingrediente até a próxima safra, ele secou e embalou a vácuo as flores, o que garante sua conservação durante o ano. E em 2019 a produtividade deve crescer substancialmente.
– Vou aumentar para 750 mudas na próxima safra e devemos colher em torno de 150 quilos no total – afirma o produtor.
Em Nova Roma do Sul, o cultivo acontece de uma maneira pouco convencional, na horizontal, como ocorre tradicionalmente com a uva. Neste modelo, a planta atinge em torno de dois metros de altura, facilitando a colheita dos cones. Da maneira convencional, na vertical, o pé de lúpulo pode chegar a até seis metros de altura.
O produtor Natanael Moschen, de Gramado, é outro que optou por cultivar lúpulo no formato do parreiral. Em uma área com dois hectares, ele deve colher sua primeira safra comercial em 2019, quando terá em torno de 1,5 tonelada da flor. Neste ano, ele obteve uma pequena quantidade e comercializou apenas para paneleiros, como são chamadas as pessoas que fazem cerveja em casa.
– No ano que vem teremos produção plena e a ideia é oferecer às cervejarias – destaca Moschen.
Segundo ele, a cultura tem se adaptado bem à Serra, ainda que às vezes haja problemas com ácaros, formigas e fungos na plantação. Ainda assim, as pragas têm sido controladas, muitas vezes sem o uso de agrotóxicos, utilizando adubo orgânico e chá de fumo contra pragas, por exemplo.
O tamanho do mercado
Dos ingredientes básicos da cerveja, o lúpulo era, até pouco tempo, o único sem produção no país, o que elevou a importação do insumo. Segundo o Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o Brasil importou 36,4 toneladas de lúpulo no primeiro trimestre de 2018. A quantidade é superior ao volume total de 2017, quando vieram 34,6 toneladas do Exterior.
A Aprolúpulo estima que os negócios movimentam mais de US$ 50 milhões ao ano no país. Com perspectivas de expansão, a produção abrirá possibilidades até então inexistentes para as cervejarias brasileiras, que poderão utilizar lúpulo fresco e em flor. O importado geralmente é de safras antigas e costuma chegar em formato de pellet.
– O lúpulo que vem para Brasil é o que sobrou no Exterior. Se conseguirmos mais perto, mais qualidade pode ter a cerveja – argumenta Rodrigo Ferraro, presidente da Associação Gaúcha de Microcervejarias.
A produção local pode reduzir os custos das cervejarias no futuro. Hoje, um quilo de lúpulo importado é vendido por R$ 150 a R$ 300, dependendo da variedade. O brasileiro sai entre R$ 200 e R$ 400, mas a tendência é o preço baixar conforme se amplie a produção interna.
Produtores por Estado
Santa Catarina – 12
Rio Grande do Sul – 5
Rio de Janeiro – 5
São Paulo – 4
Paraná – 3
Distrito Federal – 1
Minas Gerais – 1
No Rio Grande do Sul
Na Serra
Caxias do Sul – 1
Gramado – 1
Nova Roma do Sul – 1
São Francisco de Paula – 1
No Vale do Taquari
Santa Clara do Sul – 1
Primeiro rótulo com insumo 100% local
Aos poucos, as primeiras cervejas feitas com lúpulo nacional chegam aos copos dos consumidores. É o caso da cervejaria Imaculada, de Caxias do Sul, que colocou no mercado um rótulo feito exclusivamente com o insumo gaúcho. Trata-se da Summer Ale, produzida com flores frescas de São Francisco de Paula. A bebida começou a ser fabricada menos de oito horas após a colheita dos cones verdes e foi lançada no final de abril.
Ao todo, a Imaculada fez mil litros do rótulo, sendo que a maior parte foi envasada em garrafas de 500ml. Segundo o sócio-proprietário da empresa, Marcus Gazzola, a intenção era experimentar o lúpulo local de maneira despretensiosa. O resultado surpreendeu positivamente, gerando uma bebida com aromas que remetem à erva-mate e à bergamota.
Ainda assim, Gazzola analisa que a matéria-prima do RS, no momento, fica devendo em alguns aspectos, se comparado aos estrangeiros.
– Nosso lúpulo não é tão intenso, talvez por ser de primeira safra. Os americanos são mais intensos. Mas o gaúcho pode ser um lúpulo nobre (que pode ser utilizado não só para amargar, mas para dar aroma à cerveja) – classifica Gazzola.
A Taberna MF, de Gramado, é outra cervejaria que apostou na produção de São Francisco de Paula. O estabelecimento fez uma releitura de uma american pale ale (APA), que já era produzida com insumos importados. Foram 1,2 mil litros da bebida, que passará a ser disponibilizada apenas nas torneiras do bar até o final do mês de maio.
– Resolvemos experimentar o lúpulo gaúcho até para incentivar esse tipo de investimento. O mercado cervejeiro só tem a ganhar com esse plantio – salienta Elenilton Baretta, mestre-cervejeiro da Taberna MF.
A tendência é de que o número de cervejas contendo lúpulo gaúcho se multiplique ao longo deste ano. Há, pelo menos, uma dezena de rótulos brasileiros que estão sendo preparados com o insumo do Rio Grande do Sul e logo devem ser disponibilizados para venda.