Quando você passou a dividir com o marido o escritório improvisado em casa lá em março de 2020 provavelmente não tinha ideia que, quase um ano depois, a rotina do casal ainda continuaria tão impactada pelo coronavírus. E entre as pilhas de louça suja, as DRs (pelos menos algumas) intermináveis e o esforço para não perder a paciência, muitos conseguiram reinventar a relação, estreitar laços e tirar algo de positivo. As leitoras consultadas pela reportagem nos grupos de Donna no Facebook (Grupo de Mães e Grupo da Beleza) confirmam: a pandemia ensinou a ser mais tolerante, a alinhar as expectativas e a respeitar a individualidade de cada um.
— Esse período demonstrou com clareza que não estamos no controle de nada além de nós mesmos, das nossas escolhas, comportamentos e emoções — reflete Natalia Caliari de Bona, 36 anos.
A empreendedora de Porto Alegre foi uma das mulheres que compartilhou sua experiência positiva com o confinamento. E conta que precisou reavaliar o que esperava do outro na relação:
— Quando passamos a enxergar que não temos controle também nos relacionamentos, nos damos conta de que é preciso reduzir as expectativas no outro e focar na nossa parte para a construção de uma relação sadia.
Já Cristiane Rodrigues, 38 anos, confessa que passou a valorizar a individualidade como peça fundamental para o bom andamento da relação. E mais: a hiperconvivência serviu para revelar um outro lado do parceiro que ela não tinha acesso na rotina corrida fora de casa.
— Foi possível perceber as sensibilidades e habilidades de cada um. Passar tanto tempo juntos fez com que a rotina profissional, por exemplo, fosse percebida. Veio até a expressão: "Nossa, não sabia que tu fazias isso" — ressalta a relações públicas de São Leopoldo.
Para outros casais, o distanciamento social acelerou a construção da intimidade e mudou os rumos do relacionamento, como no caso de Ana Carolina Dal Zotto. Em junho, a maquiadora participou de uma reportagem de Donna sobre casais que decidiram juntar as escovas durante o período de confinamento. Olhando para trás, ela reconhece que a pandemia foi decisiva para evidenciar a ótima conexão dos dois:
— O isolamento mostrou o quanto a convivência nos fazia bem, e ajudou a organizar nossa vida e rotina juntos, o que nos deu segurança para esse passo. Estamos reformando o apê para ficar com a nossa cara e até pensando em trabalhar juntos no futuro.
![Jefferson Botega / Agencia RBS Jefferson Botega / Agencia RBS](https://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/25673989.jpg?w=700)
Os frutos de um ano desafiador
A psicóloga clínica e terapeuta de casais Katy Ziegler Hias explica que, no consultório, dois padrões se estabeleceram nos últimos meses. Primeiro, os casais que entenderam o distanciamento como uma oportunidade de se reconectar - muitos deles, ela pontua, já tinham uma base saudável antes do coronavírus. O segundo caso comum foi daqueles em que a ficha caiu: não havia mais disposição para continuar na relação, e a pandemia revelou os problemas mal resolvidos.
— Foi uma oportunidade do casal se olhar mais de perto, se enxergar. Isso tudo tem um lado positivo, de se ressignificar, se reinventar, enriquecer o que já tinham. Mas não dá para negar que foi um ano muito desafiador para as relações afetivas. A vida corrida fora de casa disfarçava muitas dificuldades — pontua Katy.
Nessa gama de aprendizados, ser mais tolerante aparece como um dos trunfos do período. Foi um momento de respirar 10 vezes para escolher as batalhas que se quer travar em casa, avalia a psicóloga Fernanda Vaz Hartmann:
— As pessoas que têm um nível maior de tolerância são menos impulsivas, conseguem um equilíbrio maior entre razão e emoção. E comunicam para o parceiro com mais tranquilidade. Explodir cria uma relação de ataque e defesa. E a intolerância demasiada impede um crescimento relacional. Muitos aprenderam a se autoavaliar, a maneira como falam, pensando de forma produtiva para resolver o conflito.
E a individualidade? Outros tantos entenderam que ela é indispensável para uma boa relação. Por isso, fizeram combinações que vão levar para a vida – seja uma hora diária para ler um livro, fazer exercícios ou meditar.
— Esses momentos são importantes para se nutrir e voltar para a relação de forma saudável. É preciso de dois inteiros para construir um "nós" — garante Fernanda, que é especialista em terapia de casais e famílias.
A pandemia também serviu como momento de reflexão, hora perfeita para alinhar as expectativas com o relacionamento. É isso o que eu quero? O que eu gostaria que fosse diferente? Muitos casais colocaram na mesa seus desejos e sonhos e retomaram valores esquecidos.
— Foi a oportunidade ímpar de repensar. Claro, os casais estão muito cansados, exaustos fisicamente e mentalmente. Mas alguns tiveram energia para encarar esse processo de frente e vão colher frutos — defende Katy.