Os que vierem ao mundo, já têm até apelidos, como “coronababies” ou “coronials”. Tratam-se dos bebês gerados ao longo da pandemia do coronavírus, fruto do ambiente de quarentena que incluiria (em tese) mais tempo livre e convivência mais intensa entre parceiros.
Porém, especialistas e publicações recentes afirmam que, apesar de colocar literalmente todo mundo para dentro de casa, a expectativa de um aumento de natalidade — um “baby boom” — como desdobramento da covid-19 é deveras exagerada. Segundo artigo publicado no The New York Times em 8 de abril, a própria ideia de casais se divertindo fazendo filhos por falta de opção de entretenimento em meio a uma intempérie tem como origem uma lenda urbana.
Segundo o jornal norte-americano, muito se escreveu sobre os filhos do blackout de 9 de novembro de 1965, quando nove estados dos Estados Unidos e um do Canadá passaram cerca de 13 horas sem energia elétrica por conta do mau funcionamento de uma hidrelétrica canadense. Foram cerca de 30 milhões de afetados. Jornais que acompanharam os índices de natalidade no agosto seguinte não encontraram nada de atípico, mas a lenda ficou.
Conforme especialistas consultados pelo NYT, a expectativa nos Estados Unidos é justamente do oposto. Como a pandemia prenuncia uma cenário de recessão econômica severa, é possível antever também uma queda de natalidade, seja por responsabilidade financeira dos casais frente à crise, seja em razão da incerteza sobre o futuro, algo que gera ansiedade e paralisia diante de decisões importantes.
Na opinião do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, diferentemente dos Estados Unidos, a natalidade no Brasil se mostra pouco influenciável pelos índices socioeconômicos.
— Desde a década de 1960, quando as famílias costumavam ter cerca de seis filhos, a natalidade no Brasil vem diminuindo. Na década de 1970 houve crescimento econômico e ela baixou. Nos anos 1980 houve recessão, inflação e ela baixou. Na década seguinte, teve Plano Real, otimismo: baixou. Nos anos 2000, de crescimento econômico, baixou de novo. Depois de 2014, nova crise, baixou mais uma vez. Então, acredito que vai baixar — brinca o professor.
Professor da UFRGS e pós-doutorado em análises demográficas espaciais, Ricardo Dagnino acredita que é “altamente improvável” que a pandemia tenha um efeito ascendente na curva de natalidade. Sobre um possível efeito descendente, há um exemplo recente no Brasil: a epidemia de zikavírus, entre 2015 e 2016, doença que se contraída por mulheres grávidas, podia causar má formação no crânio dos bebês.
Em quarentena, o risco entre os casais é de desaparecimento do mistério, do gosto pelo reencontro, que são fatores fundamentais para a libido
DIANACORSO
psicanalista
Pela primeira vez em décadas o Brasil viu um fator externo influenciar diretamente os gráficos de natalidade. De 15,09 nascimentos a cada 1 mil habitantes, em 2015, a taxa caiu para 14,14 em 2016. No ano seguinte, houve crescimento para 14,61 e, desde então, a curva voltou a se comportar conforme o esperado: com uma redução lenta ano a ano que deve chegar a 13,99 em 2020.
— À exceção do zika, os gráficos de natalidade estão em suave queda há bastante tempo por fatores estruturais, como a urbanização, o custo de vida, a maior instrução das mulheres, o ingresso delas no mercado de trabalho e a própria cultura de famílias mais enxutas — aponta Dagnino.
Embora fuja da sua área, José Eustáquio faz ainda um apontamento:
— Não está escrito em lugar algum que, por estarem mais juntas durante a pandemia do coronavírus, as pessoas estão fazendo mais sexo. Elas estão tensas, preocupadas. Isso deve ter algum efeito.
O palpite vai ao encontro do observado pela psicanalista Diana Corso, que vem atendendo pacientes de forma remota desde o início da pandemia e, entre os relatos do confinamento, não deparou com “ninguém achando que é uma grande lua de mel”.
— O próprio incremento da demanda por pornografia, nesse momento, é um sintoma da negativo. Porque a pornografia é um substituto ansioso do sexo, um produto da falta de erotismo. Em quarentena, o risco entre os casais é de desaparecimento do mistério, do gosto pelo reencontro, que são fatores fundamentais para a libido. Isso, sem contar aspectos peculiares dessa epidemia, como a proibição dos corpos de se encontrar, de se tocar. O efeito disso ainda é desconhecido — aponta Diana.
Embora o ambiente de isolamento domiciliar se revele, portanto, pouco afrodisíaco, as esperanças repousam sobre o período posterior à pandemia. Da gripe espanhola, vem um exemplo peculiar. No livro Metrópole à Beira-Mar (Companhia das Letras, 2019), relato sobre o Rio de Janeiro do início do século 20, o escritor Ruy Castro conta que o vírus desembarcou no Brasil em 16 de setembro de 1918 e, em pouco mais de um mês, matou 35 mil pessoas, sobretudo em cidades litorâneas como o Rio. Passada a tragédia, porém, o que seguiu foi um Carnaval inesquecível. Em 1919, o cariocas festejaram como nunca, por terem sobrevivido à gripe e também pelo receio de que ela retornasse e aquele Carnaval pudesse ser o último:
“Na Quarta-feira de Cinzas, o Rio despertou convicto de que vivera o maior Carnaval de sua história. Exceto pelos punguistas de sempre, pelos comas alcoólicos e pelos corações partidos, tudo correra bem _ só nove meses depois se saberia a enorme quantidade de ‘filhos do Carnaval’ gerados naquele período”, conta o jornalista.
Diana não descarta que o pós-coronavírus tenha efeito semelhante, gerando uma espécie de “Festa do Fim do Mundo” nos meses seguintes ao final da pandemia. Também pode ser que, após um período de luto, as pessoas optem por ter mais filhos como espécie de contraponto inconsciente à morte. Como se teimassem e dissessem “eu me recuso a terminar aqui”.
— Porém, tudo vai depender de como essa epidemia afetar a gente. Porque epidemias mundiais, assim como guerras mundiais, era um tipo de problema que nós como humanidade pensávamos que estava superado. Estávamos na Disneylândia em relação à morte. Resta saber o peso que esse fato novo vai ter na decisão de colocar um filho no mundo.
Mais numerosos ou não, é certo que os coronababies nascerão com um peso e tanto nos ombros.