Em meio a videoconferências, ligações corporativas, diversas trocas de mensagens e e-mails em horário de trabalho, tornaram-se comuns pequenas "invasões" infantis em câmeras alheias durante reuniões. Deixaram de ser surpresa gritos de "mãe! pai!" sendo ouvidos ao fundo de telefonemas. E muitos já se habituaram aos "só um pouquinho, já volto" de pais que estão trabalhando em casa – a mesma casa que dividem com agitadíssimas crianças sem aulas presenciais e sem saber lidar direito com a presença constante da família mais próxima por ali.
Se antes a rotina dos pequenos envolvia ir para a escola, ter aulas de manhã e/ou de tarde, passar várias e várias horas com outras pessoas (colegas, professores, padrinhos, tios, avós), só voltando a ver pai e mãe à noite, agora tudo mudou: os mais novos podem não entender e os mais velhos, demorar para se acostumar, mas agora a maioria dos pais está em casa praticamente o tempo todo. Mas, durante parte considerável do dia, trabalhando.
Como lidar com essa presença constante? E como conciliá-la com os inescapáveis, para uma boa produtividade, momentos também de temporária ausência?
Durante o distanciamento social, começou a circular pela internet uma solução aparentemente eficaz a ser adotada pelos pais: na porta de um quarto transformado em escritório, pai ou mãe colocam um aviso que descreve mais ou menos o seguinte.
"A mamãe / o papai está trabalhando. Não entre, por favor! As respostas para as perguntas serão: no armário; no quarto; na geladeira; come uma fruta; não; parem de brigar; não sei. Amo vocês!"
A intenção é dar conta de algumas das perguntas mais comuns das crianças: "o que tem para comer?", "cadê meu brinquedo?", "vamos sair para brincar?", "posso ir na casa dos meus amiguinhos?", entre tantas outras.
Claro que essa não é a solução mais adequada para lidar com as crianças: deixá-las sozinhas em casa, sem dar a atenção adequada ou estar presente para orientá-las e ver o que estão fazendo ao longo do dia é pouco educativo. Mas o que fazer quando é preciso se concentrar e os pequenos são uma distração constante? A pedagoga Camila Antunes explica que é preciso estabelecer limites.
— Limite é contorno e segurança para as crianças. É importante que a gente estabeleça de forma clara os compromissos e combinados com as crianças, garantindo a conexão. Precisamos dar amor, afeto e limite para elas. De forma gentil e respeitosa, você pode dizer quando seu filho te acessar em momento que não era combinado: "eu entendo que você queria muito brincar comigo e eu também gostaria. E agora eu vou terminar o que combinamos, estou na hora do meu trabalho" — exemplifica Camila, cofundadora da consultoria Filhos no Currículo, que orienta as empresas a tornarem seus espaços mais acolhedores para os pais.
Muitos pais relatam que o caminho encontrado tem sido adotar turnos alternados de foco nos filhos (enquanto a mãe trabalha de manhã, o pai cuida das crianças; à tarde, é o contrário), enquanto várias outras famílias, sem encontrar uma solução, relatam que dividem totalmente a concentração no trabalho com a atuação materna e paterna, geralmente pendendo para esta última.
Outros pais ainda se culpam porque passaram a liberar atividades que antes eram mais regradas, como assistir televisão, ver vídeos no celular e jogar videogame.
— Liberei a TV durante a manhã, e de tarde sempre tiro um tempo para brincar com a minha filha. Depois disso, ela tem um horário fixo de estudo, e de vez em quando também deixamos que ela e os coleguinhas se falem por ligação de vídeo — relata a comerciante Daiana Guimarães, mãe de Roberta, 7 anos. Ela controla, de casa, a venda de pratos por aplicativo em seu restaurante enquanto o marido administra o local.
Em meio ao trabalho, aos estudos e ao cotidiano com filhos pequenos, é preciso ainda fazer as refeições, ir ao mercado, limpar a casa e, não menos difícil, lidar com todos os efeitos sociais e psicológicos impostos pela pandemia. Nada fácil, portanto, e não há mágica que vá fazer isso tudo correr sem percalços. Mas há famílias que têm encontrado, após algumas tentativas e erros, um equilíbrio no meio dessa confusão toda.
O jornalista Luciano Alves Seade, pai de Davi, 5 anos, e Gael, 3 anos, relata que a solução encontrada por ele e a esposa foi estabelecer uma rotina, tão próxima do período antes do distanciamento social quanto possível. Nem sempre ela é seguida, alerta Luciano, mas "é um bom norte".
— Eles ficam no mesmo ambiente que nós quase o tempo inteiro. Quando precisamos, nos retiramos para outra peça da casa, deixando eles com o outro. Ambos entendem que estamos agora trabalhando em casa, mas o Gael não entendia direito o que é "trabalho" (e ainda segue sem entender muito bem). Mas agora percebe melhor algumas coisas: sabe que, se estamos em frente ao computador, só poderemos brincar quando acabarmos — descreve o jornalista.
A rotina estabelecida neste período envolve pouco apelo para as telas – com os desenhos animados e jogos eletrônicos que tanto divertem a dupla infantil – e envolve bastante tempo para os dois brincarem entre si. Às vezes, claro, o horário definido para cada atividade acaba sendo extrapolado.
— Em vários dias eles exageram o tempo diante das telas para três, quatro horas, e acabamos deixando, pelo trabalho. Na rotina, também está incluso momentos conosco, a partir do exato momento em que deveríamos sair do local de trabalho. Apresentamos isso como vantagem: não há a necessidade de nos esperar na escola, ganhamos cerca de uma hora para brincarmos juntos — explica Luciano.
Convívio com pais separados
A situação atual é muito peculiar porque o distanciamento social impõe uma realidade totalmente diferente no cuidado com os filhos, mesmo para aqueles pais que já tinham experiência em trabalhar com home office: não é mais possível – ou indicado – deixar as crianças na escolinha, levá-las para passar um tempo com os avós, encontrar os amiguinhos, passear no parque para gastar energia, entre tantas outras coisas.
E, nesse novo contexto, os pais separados têm um desafio adicional: com a recomendação de só deixar a casa em caso de muita necessidade, como equilibrar as visitas ao pai e à mãe que moram em locais diferentes?
— O diálogo nas questões que envolvem novos arranjos na família sempre é a forma mais adequada para resolver qualquer conflito — define a advogada Claudia Barbedo, especialista em Direito de Família.
Claudia explica que tudo vai depender de como é a relação entre os pais – e de o quê eles identificam que é melhor para a criança. O conflito pode acontecer, por exemplo, quando uma mãe insiste em ver o filho pessoalmente, enquanto o pai identifica que há risco nessa aproximação. O que seria um direito plenamente garantido da progenitora pode, em meio a uma pandemia, ser questionado?
— Sempre que houver risco para o filho, a forma de convivência até então estabelecida pode ser revista porque vai ao encontro do melhor interesse da criança ou do adolescente. E esses merecem especial proteção do Estado — explica a advogada.
E, outro exemplo: se uma mãe acreditar que o pai de uma criança está colocando ela em risco ao não promover os cuidados necessários de higiene e distanciamento social durante a quarentena, o que fazer?
— A mãe pode tentar rever a situação de convivência junto a este pai numa forma que atenda o melhor interesse do filho e que propicie a este um cuidado com a higiene. A revisão da situação de convivência implica em estabelecer novas combinações para este período de pandemia — completa a especialista.
5 estratégias para promover os limites com os filhos durante o home office:
- Estabeleça com clareza, e antecipadamente, os compromissos com as crianças.
- Garanta, ao longo do dia, as pausas de conexão – com muito afeto, amor e presença.
- Crie códigos não verbais, delimitando os espaços.
- Use acessórios como relógio e timer para as crianças concretizarem o tempo que falta para estarem juntos.
- Diga "não" com respeito a você e a seu filho, acolhendo os sentimentos dele e estabelecendo o que seguirá depois.
Fonte: Camila Antunes, pedagoga, cofundadora da consultoria Filhos no Currículo
5 dicas para o home office com filhos em meio à pandemia de covid-19
FAÇA UMA REUNIÃO FAMILIAR
Convoque todos os membros da casa para uma reunião onde será explicado sobre a situação do vírus e sobre os desafios dessa fase. Cuidado para não virar uma aula expositiva, a ideia aqui é cocriar soluções. Seja honesto com as crianças e as convide a assumir as responsabilidades da casa e das tarefas do dia. Uma rotina definida garante previsibilidade e segurança para a família. Reveja e estabeleça novos combinados para fortalecer os vínculos familiares já que todos estão no mesmo barco. As crianças adoram se envolver de maneira útil e isso desperta o senso de pertencimento delas.
MANTENHA A EMPATIA E PACIÊNCIA
Comece o dia respirando e entendendo que faremos o que for possível, daremos o nosso melhor, mas que as coisas não serão como se estivéssemos vivendo a normalidade. Aceite os desafios. Entenda que é completamente normal e aceitável pedir um minuto da "call" para atender uma criança, basta ser honesto e sincero com quem está do outro lado. Com os filhos, lembre-os do que foi combinado. Isso precisa ser sempre retomado.
CONSIDERE "BREAKS" DE CONEXÃO
A atenção indevida é uma forma que a criança tem de mostrar que não está se sentindo parte. Crianças querem se sentir aceitas e estão todo tempo buscando isso de nós. Por isso é importante convidar a criança a participar na construção de uma nova rotina da casa. Divida as tarefas e coloque intervalos para que todos fiquem juntos por alguns instantes. A técnica Pomodoro é uma ótima ferramenta nesse sentido: são 25 minutos de atividade e cinco minutos de intervalo.
CUIDE DO ESPAÇO DE TRABALHO
É preciso deixar claro para todos que você estará trabalhando naquele espaço. Faça o mesmo com as crianças e defina o local das atividades escolares e brincadeiras. Tire o pijama, se arrume, estabeleça hora para começar e terminar e avise os membros da casa. Combine com a criança um código para momentos em que não é permitido interrupção. Pode ser uma marca verde ou vermelha na porta ou na cadeira. Essa definição é uma brincadeira por si só.
CUIDE DAS SUAS EMOÇÕES
Impossível acolher as emoções de alguém sem antes cuidar de si mesmo e colocar a máscara de oxigênio primeiro em você. Verbalize e reconheça os seus próprios sentimentos e inclua na rotina uma dose de autocuidado (meditação, exercício, yoga etc) para que consiga se equilibrar emocionalmente. É importante destacar que não precisamos transmitir medo ou preocupação excessiva, mas deixar as crianças saberem que também "sentimos" com tantas mudanças. Este momento é um convite para que os filhos se sintam parte da família e possam, inclusive, colaborar.
Fonte: E-book Home office com filhos, da consultoria Filhos no Currículo