Na busca por ganho de massa muscular, aumento da libido, rejuvenescimento e elevação da disposição, mulheres — especialmente jovens — tem recorrido ao uso de hormônios de forma indiscriminada. Um dos queridinhos da vez é a testosterona, impulsionada pelas redes sociais e até mesmo com aval de profissionais da saúde, para resolução de tais objetivos.
Entre as formas mais comuns estão os implantes hormonais, os "chips da beleza", em que a testosterona é inserida como componente. Ela também tem sido procurada em fórmulas manipuladas de uso tópico. A prática é bastante controversa e tem preocupado entidades médicas.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu esses implantes na última sexta-feira (18) e emitiu um alerta sobre a utilização de hormônios para fins estéticos, tratamento do cansaço e melhora do desejo sexual. Isso se deve ao fato de tais métodos não terem sido submetidos à avaliação da instituição e por não existirem estudos que garantam a sua eficácia e segurança para essas questões.
— Não temos indicação de uso de testosterona para performance, composição corporal, hipertrofia muscular, nem para alteração de humor ou queixa de cansaço. A partir disso que começamos a ver os problemas de pessoas que usam de maneira indevida — pontua a endocrinologista Thizá Londero Gai, mestre em Endocrinologia pela UFRGS e professora no departamento de Clínica Médica da UFSM.
O que é a testosterona
A testosterona é um hormônio esteroide, que faz parte do grupo dos andrógenos. Embora seja mais associado aos homens devido ao seu papel nas características sexuais masculinas, está presente também nas mulheres. No público feminino, a maior parte dele é produzida nos ovários e nas glândulas adrenais, localizadas acima dos rins.
Conforme a médica, a testosterona atua na manutenção da massa muscular, no desejo sexual, na saúde esquelética e ovariana e no comportamento humano. Ela não tem ação exclusiva, não sendo a única responsável por essas funções.
"Minha testosterona está baixa"
Há pessoas que atribuem números "baixos" identificados em exames a sintomas negativos associados à saúde sexual, ao peso e à energia. Mas, quando se pensa em taxas reduzidas, não há malefícios esperados. Thizá explica que a produção é naturalmente menor nas mulheres, quando comparada aos homens.
Os níveis tendem a cair ao longo da vida de forma fisiológica e gradual, atingindo concentrações inferiores na pós-menopausa. Tal mudança não é necessariamente anormal e não significa que será preciso correção. Inclusive, pessoas que fazem uso de anticoncepcionais hormonais tendem a ter taxas ainda mais baixas.
— Para a mulher, não temos esse número, porque geralmente a testosterona já é baixa. Estudos tentaram conectar um valor com queixas, como alteração de libido, de humor, mas nunca foi identificada essa correlação. Não esperamos que um valor baixo vá ter uma repercussão clínica na mulher — afirma a endocrinologista.
Roberta Moreira Allgayer, médica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, doutora em Endocrinologia pela UFRGS e membro do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), destaca que exames para quantificar o hormônio no organismo são indicados quando existe a suspeita de aumento dos níveis sanguíneos de testosterona no corpo feminino. Ou seja, se há a possibilidade de a mulher estar com hiperandrogenismo, motivado por distúrbios glandulares e tumores, por exemplo.
— Devem ser feitos para identificar níveis elevados de testosterona, para que possamos excluir causas de síndromes androgênicas, como câncer de ovário, síndrome dos ovários policísticos, doenças que causem aumento do hormônio no sangue. Só utilizamos essa dosagem para excluir causas de hormônios em excesso. Níveis baixos de testosterona na mulher são normais — reforça Roberta.
Quando a reposição de testosterona é indicada?
A única indicação baseada em evidências para uso de testosterona é no contexto da pós-menopausa, caso a mulher esteja enfrentando uma condição chamada de transtorno do desejo sexual hipoativo ou distúrbio do desejo e da excitação sexual.
— Pode ocorrer em mulheres pós-menopausa, seja menopausa natural, cirúrgica ou precoce. Nessa condição, em que se tem critérios diagnósticos, a mulher não vai ter interesse sexual, não vai ter prazer com a relação, podemos usar a testosterona. Mas esse diagnóstico é clínico — afirma a médica Thizá.
Tradicionalmente, a terapia de reposição hormonal na menopausa consiste em administrar estrógeno e progesterona, dependendo se a mulher tiver o útero intacto. A testosterona pode entrar como uma aliada, se for constatada a condição e se não for obtido o resultado desejado com o tratamento padrão.
— O transtorno do desejo sexual hipoativo é um diagnóstico em que três de seis critérios precisam ser preenchidos, descartando outras causas, como distúrbios de humor e doenças hormonais. Após a mulher ter sido adequadamente estrogenizada e se os sintomas não melhorarem, podemos considerar a testosterona em doses baixas. É um tratamento supercuidadoso, que é a exceção e não a regra para mulheres com baixa libido — adiciona a endocrinologista Roberta.
Riscos do uso indiscriminado
A reposição de testosterona sem indicação adequada pode levar a efeitos colaterais. Classificada como um anabolizante nesse cenário, as consequências adversas mais frequentes são espinhas, queda de cabelo e um resultado "masculinizante", com aumento de pelos no corpo, engrossamento da voz, crescimento do clitóris e agressividade, alguns podendo ser irreversíveis.
É possível que ocorram alterações metabólicas e cardíacas, elevando chances de hipertensão, arritmia, distúrbio de coagulação, fibrose e hipertrofia cardíaca. Outros riscos são a dependência psicológica, como depressão após a interrupção do uso, e transtornos de imagem.
Como melhorar libido, disposição e estética?
Com relação às demandas de baixa libido, a médica Roberta Allgayer aponta que a sexualidade feminina é complexa e não está ligada somente à testosterona. Fatores psicológicos, sociais, culturais, além de doenças e o uso de medicamentos também são determinantes.
— Existem muitas nuances: a questão de autoestima, o relacionamento com o parceiro, estigmas da menopausa. Existem diversas razões para as mulheres estarem com a libido baixa. A libido da mulher é muito mais complexa para reduzirmos a um hormônio.
A busca por métodos rápidos para ganho de massa muscular e objetivos estéticos está frequentemente ligada à perpetuação de padrões de beleza e às pressões impostas ao corpo feminino.
— Esse é um problema social e cultural. Vamos precisar tratar com essa pessoa a sua imagem corporal. É um trabalho de sociedade para tentar mudar o padrão e a maneira como enxergamos, para desmistificar o que é um corpo saudável — reflete a endocrinologista Thizá.
Já para queixas de cansaço e falta de disposição, é preciso investigar as causas para isso estar acontecendo. Na maioria das vezes, é possível reverter esse cenário com mudanças no estilo de vida.
— Somos muito cobradas pela perfeição, em sermos (ao mesmo tempo) mãe, esposa e profissional que deve dar conta de tudo. Esses sintomas de cansaço e baixa libido geralmente são multifatoriais. Precisamos ver como está a questão de saúde, se esta mulher está dormindo adequadamente, se ela não tem um transtorno de humor, como estão questões de sobrecarga e estresse. Colocar tudo isso na conta de um hormônio não faz sentido, porque estar baixo é normal. Parece mais uma tentativa de achar um "culpado" para poder justificar o uso — finaliza a médica Roberta.
*Produção: Carolina Dill