Já ouviu falar em "rosto de cortisol"? Recentemente, a expressão tem repercutido nas redes sociais. Isso porque há quem relate ter percebido a face mais arredondada por conta de um elevado nível do hormônio cortisol no organismo em momentos de estresse.
Ao fazer uma pesquisa rápida no TikTok, a plataforma apresenta uma série de outros conteúdos que citam a substância como uma suposta "vilã", capaz de provocar ganho de peso, sensação de sobrecarga, ansiedade, entre outros sintomas.
Para esclarecer as dúvidas sobre as influências do cortisol na saúde, especialmente a feminina, Donna consultou a médica Ticiana da Costa Rodrigues, chefe do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), e a médica Patrícia Santafé, especialista em Endocrinologia e Metabologia e Medicina Interna pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
"Hormônio do estresse"
O cortisol é produzido pelas glândulas adrenais, ou suprarrenais, localizadas acima dos rins. Ao contrário do que muitos pensam, não é o responsável por deixar as pessoas mais ansiosas ou estressadas, e sim o contrário.
É apelidado de "hormônio do estresse" porque é liberado para que o corpo consiga se adequar aos momentos de tensão. Não é causa, é consequência.
— É um hormônio fisiológico que responde a qualquer situação de estresse, seja física ou emocional. Ele precisa subir porque é uma adaptação do organismo para que consiga suportar aquela condição. O cortisol é extremamente importante para a manutenção da vida — afirma Ticiana Rodrigues.
A substância também desempenha uma ampla gama de funções: atua no controle da imunidade e dos níveis de açúcar no sangue, auxilia o metabolismo, reduz inflamações e regula a pressão arterial.
Variações naturais
Ticiana Rodrigues aponta que o hormônio é vital para a sobrevivência e segue flutuações ao longo do dia, com base no ciclo circadiano. É natural que, durante as primeiras horas da manhã, esteja mais elevado, para nos despertar, e vá diminuindo com o chegar da noite, abrindo espaço para o relaxamento e o sono.
No dia a dia, em situações desafiadoras no trabalho, com a família ou em caso de uma doença infecciosa breve, por exemplo, o hormônio é liberado como uma resposta fisiológica e seus níveis tendem a ficar mais altos. Contudo, à medida em que a situação de tensão vai se resolvendo, ele se normaliza e esses picos podem não trazer impacto à saúde.
Em contextos nos quais a mulher lida com períodos de estresse crônico, de forma mais prolongada, por meses ou até anos, é possível que haja queda de cabelo, crescimento de pelos no rosto, redução da libido, insônia, ganho de peso, alterações menstruais, queda da imunidade e aumento da pressão arterial. Mas, conforme as especialistas, outros aspectos estão envolvidos de maneira conjunta.
Como exemplo, a médica Patrícia Santafé explica que as mudanças na menstruação também podem ter influências do hormônio prolactina, que pode subir em circunstâncias semelhantes.
— O período de estresse vem com outras questões, como ansiedade, depressão e maus hábitos. (Esses impactos na saúde surgem) envolvidos com outros fatores, não é só por conta do cortisol. Fisiologicamente ele está envolvido, mas é exagero dizer que é o responsável. Todos os hormônios têm flutuações e uma ação de eixo. Um manda no outro e vários vão se relacionar.
Além disso, estudos mostram que mulheres que utilizam anticoncepcionais hormonais costumam ter uma elevação da substância no organismo em comparação às que não fazem uso desses métodos, mas isso não deve ser visto como um problema, uma vez que o corpo tende a se adaptar a essa mudança, reforça a endocrinologista.
Quando o cortisol é um problema?
A nível fisiológico, o aumento do cortisol no organismo por uma questão transitória não se trata de uma doença.
No entanto, quando sintomas combinados e persistentes começam a ser observados ao longo do tempo, é importante que seja feita uma análise de todo o estilo de vida.
— Como todo o contexto pode estar ruim, esse nível sobe e, com isso, pode gerar um aumento geral de pressão, glicose e insônia, por exemplo. A grande questão é: eu não vou tratar o cortisol, é preciso tratar o entorno — pontua Ticiana Rodrigues.
O ideal, nesse caso, é retirar o fator estressante e focar no bem-estar, como comer e dormir melhor, além de realizar uma atividade física.
— O cortisol aumenta fisiologicamente para te dar condições para conseguir estar melhor, mais vigilante e pronta para aquele desafio. Em contrapartida, por ter esse perfil de aumentar um pouco a fome e a pressão arterial, se somar ao estresse, a não dormir direito, a uma alimentação desequilibrada, acaba tendo esse impacto na saúde — adiciona Patrícia Santafé.
As indicações para intervir com um tratamento é caso o especialista identifique uma alteração crônica no ciclo circadiano ou uma patologia, como algum tumor, insuficiência adrenal ou síndrome de Cushing — motivada por uma produção anormal do hormônio ou pelo uso excessivo de medicamentos corticoides. Essa doença é caracterizada pelo ganho de peso na região abdominal com surgimento de estrias avermelhadas, gordura na cervical, face arredondada, além de extremidades mais finas. Pode surgir também diabetes, hipertensão, osteoporose e acne.
Já quando a produção do cortisol é muito baixa, a falta pode levar à fraqueza, hipotensão e sensação de cansaço generalizada, o que torna necessário o manejo.
— A dosagem do cortisol não deve ser feita como um "exame de rotina", apenas em situações de suspeita clínica de elevação ou redução do mesmo — finaliza Ticiana.
*Produção: Carolina Dill