Quando a menstruação atrasa, é comum que a primeira suspeita que venha à mente da mulher seja gravidez. O fator, no entanto, não é o único capaz de provocar mudanças no ciclo menstrual. Por tratar-se de um fenômeno complexo, o processo fisiológico envolve diferentes partes do corpo e pode sofrer influências de origens interna e externa.
— Eu gosto de dizer que o ciclo menstrual é do signo de peixes, porque ele é sensível. Dependendo do que acontece no dia a dia dessa mulher, ele pode sofrer interferências — afirma Nadiessa Almeida, ginecologista e professora da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
O ciclo menstrual ocorre de maneira cíclica em mulheres na idade fértil. Ele começa no primeiro dia da menstruação e termina no dia anterior ao início da próxima. Contudo, engana-se quem pensa que ele está relacionado apenas ao sistema reprodutor.
— Nós temos uma estrutura neural na base do crânio, que nós chamamos de hipotálamo. Ele fica bem pertinho da hipófise, que é uma outra localização dentro do nosso sistema nervoso central. Esses dois locais produzem hormônios e fazem várias interações entre si. Eles acabam produzindo hormônios que vão se "ligar" aos nossos ovários na idade da primeira menstruação e vão fazer com que a mulher tenha ciclos menstruais regulares todos os meses — explica a médica.
Conforme a especialista, qualquer coisa que interfira nesse circuito — formado por hipotálamo, hipófise e ovários —, pode alterar alguma dessas produções hormonais e fazer com que o ciclo não funcione da forma correta.
Principais fatores
Quando se descarta a possibilidade de gravidez, ainda existem muitas outras razões possíveis para que a menstruação atrase ou seja ausente. A ginecologista Nadiessa Almeida pontua que o estresse e a ansiedade estão entre as principais causas, considerando que o corpo produz substâncias capazes de interferir no circuito do ciclo menstrual em meio a essas situações.
— Uma pessoa que está muito estressada vai liberar alguns neurotransmissores que vão subir para a nossa região cerebral e fazer um bloqueio do ciclo menstrual. Eles agem como inibidores da parte em que inicia a nossa menstruação — exemplifica a especialista.
Alterações repentinas no peso corporal, como um grande aumento, uma perda repentina e até mesmo a obesidade também podem provocar irregularidades.
— Mulheres que têm muito tecido adiposo podem ter uma produção do que chamamos de conversão periférica de estrogênio. Há uma produção hormonal nesse tecido gorduroso e isso pode servir como um inibitório para o eixo menstrual, que compreende que muito hormônio está sendo produzido — explica Nadiessa.
No caso de mulheres que estão com peso muito abaixo do ideal ou com distúrbios alimentares, a alteração ocorre pela restrição no consumo de calorias, que pode levar o corpo a não produzir os hormônios necessários para o funcionamento do ciclo. Outro aspecto é o excesso de atividade física, em razão do estresse físico e do aumento da produção de prolactina, capazes de interferir quando em demasia.
Além destes pontos, alterações hormonais, como disfunções na tireoide e síndrome dos ovários policísticos (SOP), estão entre os fatores recorrentes. O mesmo vale para o consumo de determinados medicamentos.
— Antipsicóticos, alguns anti-hipertensivos, imunossupressores e alguns antidepressivos são o quarteto de medicamentos que mais vemos interferido. Eu sempre digo para a paciente: se você percebeu alguma alteração de menstruação, não pare a sua medicação. Permaneça com uso, mas vá consultar com um médico para fazer a avaliação — orienta.
De acordo com a especialista, é importante levar em consideração que os fatores citados influenciam apenas o ciclo menstrual de mulheres que não fazem uso de métodos contraceptivos hormonais (pílula anticoncepcional, injeção hormonal, implantes, anéis vaginais e adesivos cutâneos), uma vez que não ovulam e, portanto, não possuem ciclo menstrual ativo. O mecanismo de ação dos contraceptivos interrompe os padrões naturais da produção de hormônios reprodutivos para impedir que os ovários liberem óvulos.
Métodos como DIU Mirena e Kyleena são os únicos métodos contraceptivos hormonais que não inibem a ovulação. Eles acabam interferindo no sangramento cotidiano por fazem uma ação endometrial, chamada de atrofia, responsável por dificultar a implantação do embrião.
Atrasos naturais
Há momentos na vida da mulher em que podem haver irregularidades menstruais, as quais os especialistas classificam como temporárias e normais. Segundo Nadiessa Almeida, nos primeiros dois anos após a primeira menstruação, os ciclos menstruais geralmente são irregulares:
— O circuito, o eixo menstrual formado por hipotálamo, hipófise e ovário, ainda está imaturo. Ele demora um pouco para atingir a maturidade e ficar regular. Então, as meninas e as mães podem ficar tranquilas.
Quando a mulher está começando a entrar na menopausa, uma das primeiras alterações que pode ser observada é no ciclo, já que trata-se de um período transitório. O mesmo vale para o período pós-parto e durante a amamentação.
Irregularidades menstruais comuns e dentro da normalidade também podem ocorrer em mulheres que estão parando de utilizar métodos contraceptivos hormonais.
— Na maioria das mulheres, o ciclo retorna ao normal em um a três meses. Tem paciente que engravidou no primeiro ciclo depois de parar o uso da pílula, mas tem algumas mulheres que podem demorar um pouquinho. É como se o eixo precisasse de um tempinho para se readaptar — diz a médica.
O que é uma menstruação "anormal"?
Quatro parâmetros são avaliados para classificar um ciclo menstrual como dentro da normalidade, afirma a ginecologista: frequência, duração, regularidade e volume.
Ela afirma que um ciclo menstrual normal ocorre quando a menstruação não ultrapassa os oito dias, e que tenha um intervalo de sangramento de 24 a 38 dias, em média. Ainda conforme a médica, o volume de sangramento é tido como anormal quando ele atrapalha a vida da mulher, quando passa a ter um impacto negativo no estado físico, social, emocional e na qualidade de vida, provocando, por exemplo, a sensação de cansaço e fraqueza.
Já a regularidade depende da idade. Mulheres com menos de 25 anos e com mais de 42 podem ter até nove dias de diferença entre um ciclo e outro. Pacientes entre os 25 e os 42 anos, apresentam uma regularidade de até sete dias. Ou seja, a chegada da menstruação pode variar dentro da margem prevista. Quando ultrapassa, está atrasada.
— Um ou outro ciclo irregular ao longo do ano todas nós podemos ter. A mulher pode estar passando por uma fase mais estressada e talvez um mês a menstruação bagunce. Está tudo bem, se ela retornar ao normal. Uma grande alteração é aquela irregularidade persistente, que dura três meses ou mais. Se começar a acontecer com uma certa frequência, tem que procurar ajuda e investigar — ressalta Nadiessa.
Um ciclo regular é sinônimo de saúde?
Compreender o ciclo menstrual é fundamental para que a mulher tenha um maior conhecimento sobre o próprio corpo e, com isso, consiga identificar possíveis mudanças, garante a média:
— A menstruação é um parâmetro de saúde. Quando eu avalio o ciclo, ele pode me trazer alguns sinais de alerta para doenças. A alteração do ciclo menstrual pode me trazer dados de saúde, desde que essa mulher está praticando exercícios em excesso, não está comendo legal, está com alteração de tireoide, está com uma alteração central que pode ser desde tumor a qualquer outra coisa.
Conforme Nadiessa, alterações pontuais são comuns. Entretanto, considerando mulheres que não fazem o uso de métodos contraceptivos hormonais, se as irregularidades tornarem-se persistentes, com a seção do ciclo ou com mudanças na frequência, duração, regularidade e volume, é importante buscar ajuda de um ginecologista. Tais desequilíbrios podem indicar a presença de distúrbios hormonais e problemas de saúde, como endometriose, tumores e, até mesmo, câncer.
Dessa forma, para evitar possíveis alterações no organismo, ela orienta a procura por hábitos saudáveis, tanto para saúde física quanto a saúde mental. Além disso, a profissional incentiva a prática de atividades físicas e uma alimentação equilibrada. Por fim, ela fala da importância dos acompanhamentos e avaliações médicas regularmente:
— Exercício físico é maravilhoso e deve ser realizado. Exercício físico feito de uma forma adequada, sem excessos, ele ajuda a tornar o ciclo dessa mulher mais regular. É preciso cuidar do peso para que ele esteja dentro do adequado para aquela mulher. Também, é importante lembrar dos fatores externos como estresse, medicações que possam interferir, fazer revisões de saúde com frequência para diagnosticar se tiver alguma alteração — finaliza Nadiessa Almeida.
*Produção: Carolina Dill