É comum projetar uma vida tranquila para depois dos 60 anos, época sonhada para a aposentadoria, uma rotina mais leve e o fim de grande parte dos problemas. Correto? Trata-se de um pensamento simplista. Justamente por causa do encerramento da carreira profissional é que muitos idosos perdem um dos principais elementos organizadores do dia a dia, e tudo que pode decorrer daí, como redução dos rendimentos e instabilidade financeira, torna-se grande causador de estresse.
Reação natural do ser humano diante de mudanças ou agentes agressores, o estresse se torna maléfico quando intenso, com potencial para provocar adoecimento físico e mental. O transcorrer do processo de envelhecimento apresenta uma série de desafios. De acordo com o psiquiatra geriatra Gabriel Behr, do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ocorrem, por conta disso, mudanças transitórias e permanentes, capazes de gerar sintomas de estresse, na vida das pessoas. Uma doença crônica como a demência ou a morte do cônjuge são mudanças permanentes. Um evento tipo a aposentadoria provoca mudanças transitórias, que requerem ajustes.
— A aposentadoria não traz só a parada do trabalho. Exige reprogramar toda a vida. É muito comum ver idosos que, a partir daí, passam a conviver mais como casal, o que exige toda uma readaptação para uma vida conjunta. Isso pode gerar estresse ou sintomas de ansiedade e depressão, mas o idoso vai acabar se adaptando em um novo estado de equilíbrio — afirma Behr.
A maior parte dos idosos, avalia a psiquiatra e psicogeriatra Maria Benedita Reis, não se prepara para essa que é uma das fases mais importantes da vida.
— A pessoa é tomada de um susto por uma mudança radical na vida: queda de renda, perda de status social. Muitas vezes, tem que mudar de casa e tipo de alimentação. Fica com o dia a dia empobrecido. Uma coisa é se organizar: "Quando eu ficar velho, vou plantar orquídea, fazer trabalho voluntário, buscar os netos na escola". A pessoa se sente um ser ainda desejante e inserido no cotidiano, útil para os familiares. Mas se estiver se sentindo um peso, inútil, ela acorda, fica esperando a hora do almoço, dorme, acorda para a novela. A vida fica esvaziada de sentido — comenta Maria Benedita, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Viuvez é desafio maior para os homens
Uma série de outros motivos é capaz de provocar estresse na terceira idade — ou até mesmo desencadear quadros de ansiedade e depressão. A morte de pessoas próximas, especialmente a do cônjuge, é um dos principais gatilhos para estresse, muitas vezes provocando sintomas permanentes, frisa Behr. A viuvez, segundo Maria Benedita, costuma ser um desafio maior para os homens do que para as mulheres, devido às características de comportamento e de autocuidado. A solidão, por sua vez, é outro estressor bastante comum, que tem componentes bem contemporâneos, como a inabilidade para lidar com celulares e outras tecnologias.
— Nunca ficou tão perto estar longe. O idoso pode ter um filho na Austrália e falar com ele duas ou três vezes ao dia. Esse filho pode participar de uma consulta remota com o pai e o médico. Mas o idoso com analfabetismo digital não consegue nem pedir um carro por aplicativo, fica estressado, até com tremores. Os analfabetos digitais ficam com medo de golpes e acabam não tendo banco digital, deixam de usufruir de benefícios dessas coisas novas — observa a psiquiatra e psicogeriatra.
Questões ligadas à saúde também estressam. O idoso que assume o papel de cuidador de um familiar se coloca na desafiadora posição de tomar conta de uma pessoa doente, fragilizada, que pode se descaracterizar de forma profunda, como no caso de uma demência. As demandas físicas e mentais da tarefa geram muito estresse. Por outro lado, há os problemas do próprio indivíduo, como dores crônicas. O idoso acaba tendo de conviver com doenças dolorosas, articulares ou musculares, que podem não causar desconforto fortíssimo, mas são persistentes. A qualidade de vida cai, sobressaindo-se o desânimo pelo fato de o incômodo não cessar. E o envelhecimento traz outras limitações, conforme o psiquiatra Gabriel Behr:
— Quando a gente vai perdendo vigor físico, começa a aparecer a perda de autonomia, apresenta dificuldades para fazer das coisas mais complexas até as mais simples. Frequentemente, precisa-se da ajuda da família e de cuidadores. Isso tudo gera muito estresse.
Certas configurações familiares também são estressantes, como nas situações em que a família depende da renda do idoso.
— Há ainda brigas familiares, casamentos desfeitos dos filhos e o retorno deles para dentro de casa, agressividade, maus-tratos. Existem maus-tratos financeiros, físicos e emocionais — exemplifica Maria Benedita.
A psicóloga Monica Machado, pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental, aponta novos contextos estressantes. Hoje em dia, não é incomum seguir trabalhando após os 60 anos por falta de estabilidade financeira.
— Já não é uma terceira idade de algum tempo atrás. As pessoas ainda estão no meio de estresse efetivo: trabalho, família, filhos que saem mais tarde de casa e demoram a se encontrar. É um contexto ainda de muita responsabilidade com terceiros. Quando vou parar de trabalhar? Serei demitido? Como levar minha empresa adiante? Tudo isso causa insegurança, e da insegurança vem o estresse. Isso afeta a saúde mental em uma idade em que a pessoa poderia estar pensando em curtir mais a vida — diz Monica.
Sintomas físicos e mentais
Os sintomas de estresse podem ser físicos ou mentais, desde a falta de concentração para a leitura até queixas de desconforto gastrointestinal, dor no pescoço e nos ombros, insônia (leia mais abaixo). Irritabilidade, nervosismo e agressividade podem despontar durante a realização de atividades antes prazerosas. É possível uma escalada para sintomas mais graves, sendo sempre fundamental descartar causas orgânicas.
— Muitas coisas podem parecer estresse, mas podem ser um quadro orgânico, como desidratação, infecção urinária, pressão alta ou baixa, hipotireoidismo. A primeira coisa é afastar uma causa orgânica diante da mudança de comportamento — orienta Maria Benedita.
Behr destaca diferenças entre a apresentação do estresse em pacientes de faixas etárias distintas:
— Os idosos, frequentemente, expressam menos sentimentos do que os adultos em geral. O estresse aparece, às vezes, com pistas indiretas: piora de alguma dor crônica, palpitação, dor de cabeça. Aí começamos a entrar em sintomas comuns nas doenças mentais dos idosos, que são as dificuldades de cognição, como concentração e memória. Devemos ficar atentos a mudanças de comportamento e sinais físicos que podem indicar doença ou estresse.
As formas para lidar com o estresse dependem das manifestações do problema. Se o idoso está enfrentando dificuldades para adormecer ou manter o sono ao longo da noite, a investigação ocorrerá nessa área. Caso as queixas sejam sobre indisposição gastrointestinal, este será o ponto que receberá atenção. Dificuldades cognitivas: são causadas por estresse ou podem indicar outro quadro?
Principais motivos de estresse na terceira idade
- Aposentadoria e mudança profunda de rotina
- Redução da renda e perda de status
- Inatividade
- Aumento da convivência com o cônjuge nova rotina sem trabalho
- Maus hábitos (cigarro, álcool, alimentação)
- Dor e doenças crônicas
- Insônia
- Preocupação com o futuro
- Sustentar filhos e netos
- Tornar-se cuidador de um familiar
- Perda de vigor físico
- Diminuição de autonomia e independência
- Percepção de limitações
- Viuvez
- Morte de familiares e amigos
- Solidão
- Questões relacionadas ao fim da vida
- Medo da morte
Possíveis sinais
- Dor de estômago e dificuldade de digestão, entre outros problemas gastrointestinais
- Alteração na pressão (geralmente alta)
- Insônia
- Piora de dores crônicas
- Dor de cabeça
- Dor no pescoço e nos ombros
- Perda ou ganho de peso
- Queda de cabelo
- Imunidade baixa, levando a infecções
- Dificuldades cognitivas (memorização, concentração)
- Palpitação
- Manifestações de estresse e ansiedade
- Irritabilidade, mau humor
Como enfrentar o problema
- Exercícios físicos: a prática regular auxilia no enfrentamento de doenças clínicas e mentais, como quadros de estresse, depressão e ansiedade. De preferência, devem ser orientados e acompanhados por um educador físico.
- Alimentação: precisa ser saudável, equilibrada, rica em nutrientes.
- Relações sociais: o isolamento é extremamente prejudicial, além de ser fator de risco para o desenvolvimento de demência. Baixa socialização está ligada ao estresse. Manter contato com familiares e amigos é essencial. Buscar grupos de convivência ou que se reúnem para atividades específicas são uma ótima opção.
- Ter um animal de estimação: apesar da responsabilidade e do gasto, é uma ótima companhia.
- Práticas relaxantes: experimente meditação, ioga ou mindfulness. São boas iniciativas para aplacar quadros ansiosos e melhorar a qualidade de vida.
- Trabalho voluntário: pode ser uma iniciativa extremamente gratificante se fizer sentido para a pessoa — e se não causar mais estresse.
- Espiritualidade: se foi uma prática deixada de lado e se faz sentido para você, invista nessa área. Pode oferecer sentido para a vida e senso de pertencimento.
- Música: capaz de ajudar no tratamento de problemas de saúde mental e melhorar a qualidade de vida. Procure alguma atividade que envolva música, como aulas para aprender a tocar um instrumento ou musicoterapia, ou simplesmente desfrute do estilo da sua preferência.
- Ajuda profissional: em caso de dúvida, o clínico geral pode ser procurado para tirar dúvidas. Dependendo do caso, ele encaminha o paciente para o especialista mais adequado.