Habilitar-se para dirigir requer, em dia, documentação e também uma série de fatores relacionados à saúde, como boa visão e atenção, que podem ser comprometidas pelo uso de determinados medicamentos.
A maior complexidade dessa atividade para quem tem a partir de 60 anos levou à produção do Manual da Pessoa Idosa Condutora, recentemente lançado. O trabalho foi realizado na disciplina de Geriatria e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). A íntegra do conteúdo pode ser acessada gratuitamente neste link.
O guia destaca quais são os principais riscos à segurança devido a mudanças naturais da idade e peculiaridades de cada um. De acordo com a publicação, até 13% dos acidentes de trânsito acontecem devido a algum problema de saúde — daí a importância de fazer revisões com regularidade.
Entre as principais ameaças à segurança dos motoristas e das demais pessoas que interagem com eles no trânsito estão os medicamentos. O manual lista antidepressivos, ansiolíticos, antialérgicos, analgésicos e relaxantes musculares, entre outros (veja relação abaixo), com potencial de interferir na plena capacidade do condutor. Na terceira idade, é comum o uso simultâneo de diversos medicamentos, o que é conhecido como polifarmácia.
Há remédios que podem provocar sonolência e desatenção ou alterar a visão, fatores capazes de afetar diretamente a direção. "Se sentir algum sintoma que coloque em dúvida seu desempenho ao volante, é melhor evitar dirigir. O mais importante: fale para seu médico o que aconteceu e não pare o tratamento sem orientação profissional", alerta o manual.
Fânia Cristina dos Santos, geriatra, membro da SBGG e professora da Unifesp, atuou como uma das orientadoras do trabalho e explica que o médico que prescreve a medicação deve orientar o paciente a respeito de possíveis interferências.
— O relaxante muscular é problemático para o paciente idoso? Não só para o idoso, para o jovem também. Pode diminuir a atenção. Tem aquele aviso na bula: "Cuidado ao dirigir ou operar máquinas", mas depende muito do médico que vai prescrever dar essa orientação _ exemplifica Fânia.
Ela repete o alerta recorrente sobre os riscos da automedicação:
— Não se fazer uso de medicação sem prescrição médica. Temos que educar a população.
Atenção e memória
Uma fração de segundo de desatenção pode ser fatal. O idoso que está em processo de declínio cognitivo, que muitas vezes começa com queixas de memória, pode estar sob risco atrás do volante. Quando o abalo cognitivo atinge nível considerável, o condutor pode ficar desorientado, se perder, meter-se em locais perigosos por não lembrar onde está indo ou como voltar para casa. Familiares precisam avaliá-lo em ação: observem-no estacionando ou tirando o carro da garagem. Se são recorrentes as queixas de que a pessoa está esquecida, desatenta, triste ou irritada durante a maior parte do tempo, isso deve ser levado ao médico. O geriatra e o neurologista podem avaliar o que está acontecendo.
— Pessoas que perdem compromissos, esquecem comida no fogo, trocam o lugar de guardar as coisas, recebem recados e não passam à frente, perguntam a mesma coisa mais de uma vez... Tem uma série de pistas que devem ser levadas para uma avaliação — orienta Fânia. — Mesmo o paciente não tendo o diagnóstico de uma demência, mas que vem apresentando descuidos, bate o carro quando sai da garagem, sofre acidentes durante o percurso, ele teria que ser melhor avaliado. Pode ser só uma desatenção momentânea? Pode. Mas precisa ser avaliado. Às vezes, o paciente não percebe o risco que está sendo para os outros e para ele na direção — complementa a geriatra.
Medicamentos que requerem atenção
- Antidepressivos: fluoxetina, amitriptilina, mirtazapina, trazodona
- Ansiolíticos e sedativos: diazepam, lorazepam, clonazepam
- Antialérgicos: dexclorfeniramina
- Anticonvulsivantes: carbamazepina, fenobarbital, gabapentina
- Medicamentos que reduzem a glicose: glibenclamida, gliclazida, insulina
- Analgésicos opioides: tramadol, metadona, morfina
- Relaxantes musculares: ciclobenzaprina, orfenadrina
Funções e partes do corpo exigidas na direção
- Sistema nervoso: para prestar atenção no tráfego, perceber uma situação de risco, processar as informações e comandar a resposta do corpo ao ambiente.
- Visão: para enxergar a pista, a sinalização da rua, os veículos e os pedestres.
- Audição: para ouvir os motoristas e seus sinais sonoros.
- Mobilidade: para mexer nos pedais e no volante e conseguir virar a cabeça para olhar um cruzamento.