Um dos maiores riscos a que se submetem cuidadores de idosos da família é a ausência de autocuidado. Longas jornadas sem descanso e falta de apoio para dividir as tarefas levam, frequentemente, à sobrecarga, à anulação da vida pessoal e ao estresse, com inúmeras consequências para a saúde.
Trata-se de uma missão que recai, quase sempre, sobre uma figura feminina: esposa, filha ou irmã. Por ser um trabalho informal, não remunerado, é essencial que a pessoa tenha uma rotina de descanso minimamente estabelecida. Um dia inteiro ou dois turnos em dias alternados por semana, pelo menos, são imprescindíveis.
Na medida do possível, é preciso saber dividir tarefas, pedir ajuda e perceber os sinais de alerta emitidos pelo próprio corpo. A enfermeira Juliana Vieira de Araujo Sandri, professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), coordena o projeto de extensão Práticas Gerontológicas: Atenção à Saúde do Idoso com Demência, seus Familiares e Comunidade e sabe que o cuidador principal, que assume as mais árduas tarefas, pode acabar adoecendo de cansaço físico ou mental se não tiver folgas.
— Cada dia de uma pessoa idosa, principalmente com demência, é um dia. Você nunca sabe o que o espera naquela jornada. O estresse é imenso — atesta Juliana.
No período de descanso, é importante sair do local onde costuma passar o dia, trocar de ambiente. Muitas vezes, o cuidador acaba se isolando demais em função das tarefas, ficando praticamente confinado em casa. O que será feito durante o dia ou as horas de lazer é de livre escolha: ir ao salão de beleza, praticar uma atividade física, encontrar os amigos, dar uma volta no shopping. Se não for possível deixar o idoso sozinho, que se faça um arranjo: chamar um cuidador secundário, familiarizado com as tarefas, ou alguém que se prontifique a assumir a responsabilidade daquela vez. O importante é preservar esses momentos afastado da obrigação.
Tatiana Irigaray, psicóloga e doutora em gerontologia biomédica, chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, o cuidador é também um idoso, alguém que tem pelo menos uma doença crônica e maior tendência a desenvolver ansiedade e depressão. O contexto pode gerar uma série de sensações.
— Essa pessoa não é uma cuidadora formal, se afasta da vida social, não consegue ter interações devido à sobrecarga, não consegue se cuidar, ir ao médico para fazer acompanhamento. Tem uma mistura de amor e raiva, falta de paciência, culpa. Tem o sentimento de gratidão, de poder fazer algo pela pessoa, mas é também abrir mão da própria vida — pondera Tatiana, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e decana associada da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
O dia a dia pode ser muito solitário, limitado ao interior da casa com a pessoa a ser cuidada, e ter um amigo com quem conversar para desabafar e falar de angústias é importante, recomenda Tatiana. Se a necessidade for por mais do que isso, caso apresente sintomas depressivos, por exemplo, aí o mais indicado é buscar ajuda profissional.
— Ter depressão e transtornos de ansiedade está entre os riscos de não descansar — diz Tatiana, destacando que a pausa será benéfica para ambos, uma vez que o cuidador ficará menos irritado e mais disposto.
Também participante do Práticas Gerontológicas da Univali, a psicóloga Carina Nunes Bossardi, professora da pós-graduação da instituição, ressalta que a trajetória do cuidador é de compartilhamento de perdas quando se trata de pessoas muito próximas. Quem cuida lamenta a piora do quadro de saúde do paciente, a limitação da mobilidade ou o declínio das funções cognitivas. Antecipadamente, o cuidador pode experimentar momentos de negação e raiva, como em um processo de luto por morte. E a morte, de fato, chegará também para essa pessoa que está sendo cuidada.
— O cuidador vai tirando o foco da própria vida para vivenciar a perda com o doente. Entra já numa fase de luto. Quando vem a perda final, é muito difícil o processo de luto. Ele deixou muita coisa da vida dele para cuidar desse familiar. O processo de luto pode ser mais longo, demorado. O cuidador entra, às vezes, em crise, depressão. Perdeu o que era o foco principal, a vida fica sem sentido — comenta Carina.
Cuidados para quem cuida
- Não se esqueça nunca do autocuidado
- Evite o isolamento. Saia de casa. Não perca contato com os amigos
- Preserve passatempos e pequenos prazeres, mesmo quando não puder se afastar das obrigações por muito tempo: passar um café, ver um filme, fazer uma caminhada, ler um pouco
- Se possível, tenha um cuidador secundário, que possa assumir as tarefas durante um turno ou um dia por semana em seu lugar
- Organize o seu tempo. Priorize realizar as tarefas indispensáveis
- Trabalhe internamente a ideia de que você não é infalível ou insubstituível. É preciso reconhecer que a ajuda de outras pessoas é necessária
- Aceite ajuda quando lhe for oferecida
- Aprenda a tolerar e aceitar a realização de tarefas que não ficam exatamente como você faz ou não sejam do seu total agrado
- Diga não a exigências cada vez mais numerosas, por parte da pessoa que está sendo cuidada, se isso for possível. É importante colocar limites quando lhe pedem mais atenção do que a necessária
Fique atento a possíveis sinais de esgotamento
- Insônia
- Fadiga
- Aumento ou diminuição do apetite
- Consumo excessivo de bebidas com cafeína, álcool, cigarro ou medicamentos
- Problemas físicos (palpitações, tremor das mãos, queixas digestivas)
- Problemas de memória e dificuldade de concentração
- Não admitir a existência de sintomas físicos ou psicológicos ou justificá-los com outras causas que não o cuidado
- Aborrecer-se facilmente
- Mudanças frequentes de humor e estado de ânimo
- Dificuldade para superar sentimentos de depressão ou nervosismo
- Dar importância excessiva a pequenos detalhes
- Tendência a se acidentar
Fontes: Carina Nunes Bossardi, psicóloga, Juliana Vieira de Araujo Sandri, enfermeira, Ministério da Saúde e Tatiana Irigaray, psicóloga