Por temor de que as orientações não sejam compreendidas na hora ou lembradas depois, familiares de pacientes com mais de 60 anos costumam se tornar acompanhantes nas consultas médicas. A medida é fundamental, segundo especialistas, apenas em casos em que há comprometimento cognitivo, como nos quadros de demência. Em geral, é o idoso quem deve decidir se autoriza alguém a entrar junto no consultório.
Para quem desfruta de um envelhecimento robusto, com plenas condições de ir sozinho às consultas e entender o que será tratado, não há necessidade de um terceiro no momento da conversa com o profissional de saúde. Especializada no atendimento ao idoso, a geriatria trabalha com a ideia do binômio paciente-família para o caso de um indivíduo frágil, com problemas de cognição ou mobilidade que possam afetar a capacidade de entender as orientações ou até de relatar o que está ocorrendo com ele.
Mesmo em casos de paciente acompanhado, o médico geriatra Marco Túlio Cintra, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, sempre ouve o paciente.
— Sei que a informação dele talvez não seja a mais acurada, mas ouço ele. A consulta continua sendo com ele. Do contrário, a pessoa não vai se sentir bem atendida. Explico tudo para ambos. O cuidador, muitas vezes, é quem vai dar o remédio, levar para fazer os exames. Explico para os dois, mesmo quando o paciente não consegue entender tudo — diz Cintra, também professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Médica geriatra do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Joana Noschang costuma solicitar, no primeiro encontro, a presença de um acompanhante, por desconhecer o nível cognitivo e o estado geral de quem a está procurando.
— Faço muita visita domiciliar. Vejo quem é a rede de cuidadores, quem está gerenciando. Conforme o paciente vai falando, vou percebendo se tem algum déficit de cognição, surdez. Às vezes, peço licença ao paciente para conversar mais com o familiar. Tenho que pedir licença, independentemente do estado de cognição, porque ele é o meu foco. Muitas vezes, o idoso chega para uma consulta acompanhado do filho, e o médico se dirige ao filho, enquanto o paciente fica de boca fechada. Primeiro vou me dirigir a esse paciente, me vincular a ele — descreve Joana.
Para quem precisa de companhia, a escolha não deve ser aleatória, circunstancial. Os familiares podem ver isso como demonstração de carinho — a neta que mora no Exterior, está visitando e faz questão de acompanhar a avó ou então o filho residente em outro Estado que não terá outra oportunidade de participar tão cedo —, mas é importante que a pessoa que entra junto seja muito presente no dia a dia. Relatos detalhados sobre o que está acontecendo contribuem para o diagnóstico e o tratamento.
Tudo por escrito
Outros arranjos também interferem, segundo Joana. Se a família se organiza de forma a dividir responsabilidades entre irmãos — contas, compromissos médicos, cuidados diários —, o que fica encarregado de ir junto às consultas nem sempre é aquele filho que mantém o maior convívio com o idoso, o que dificulta a interação com o médico. Para garantir que nada será esquecido por nenhum dos presentes, Joana registra tudo sempre.
— Procuro deixar por escrito tudo o que foi falado, mesmo que o paciente não tenha déficit cognitivo: tal remédio foi substituído por tal, vamos tomar de tal forma, fazer a refeição, tomar o suplemento, fazer a caminhada, quando for ao cardiologista está aqui a cartinha para entregar para ele, na próxima consulta vai trazer tal exame. Faço um roteiro. Isso é o que pode tomar mais tempo na consulta — explica a médica.
Cintra destaca que, frequentemente, a pessoa ideal como companhia é o cuidador, que detém informações valiosas sobre o que está acontecendo.
— É quem vai junto no banco e nas compras, cuida do idoso dentro de casa, ajuda no autocuidado — enumera Cintra.
A presença ou não de um terceiro pode gerar conflitos nos casos que envolvem pacientes com demência em quadros iniciais. Quando alguém o acompanha, os relatos tendem a provocar desentendimentos devido à discrepância entre as informações prestadas.
— O paciente desenvolve incapacidade de reconhecer os próprios déficits. É como se esquecesse de que está esquecido. Discorda de tudo o que estão contando sobre ele. Não consegue mais perceber o que está se passando, tem alterações cognitivas. Mas sabemos lidar com essas situações, gerenciar, acalmar o ambiente, obter as informações necessárias — fala o docente da UFMG.