“Onde foi que eu estacionei o carro?", "O que é que eu precisava comprar aqui no mercado, mesmo?”, “Minhas chaves de casa, onde foram parar?”. Situações de lapsos de memória e de desatenção como estas podem se tornar mais frequentes para as mulheres quando elas estão se aproximando da menopausa, vivenciando o período chamado de perimenopausa.
O fim do ciclo reprodutivo da mulher provoca mudanças que são sentidas no cérebro, e esses efeitos estão entre os temas estudados pela professora da Escola de Medicina da PUCRS Cristiane Furini, que coordena o Laboratório de Cognição e Neurobiologia da Memória do Instituto do Cérebro (Inscer). Segundo a pesquisadora, o que a ciência tem demonstrado é que, principalmente nos últimos anos antes de a mulher parar definitivamente de menstruar, aumentam os relatos de brain fog (ou névoa mental, em tradução livre).
— Os sintomas mais mencionados são diminuição na velocidade de raciocínio, maior dificuldade em solucionar problemas, aprender coisas novas, concluir tarefas e muitos bloqueios de concentração e foco, o que torna complicado manter a atenção em algo. Também pode haver falhas de memória recente, pequenos esquecimentos — diz Cristiane.
Mas qual é a explicação para tantas alterações cognitivas nesse período? A especialista afirma que a ciência ainda está carente de explicações sobre todos os componentes envolvidos neste momento turbulento. Segundo a pesquisadora, há algumas lacunas sobre a existência de fatores genéticos que poderiam levar mulheres a terem mais ou menos sintomas e o que determina quais alterações irão ocorrer no cérebro. No entanto, o que já se sabe é que eles estão relacionados às quedas nos níveis de alguns hormônios, características da menopausa.
— Temos que pensar que somos seres complexos e que, apesar de estudarmos muito cada uma das partes que nos constituem, nós somos feitos de um todo. E o nosso cérebro e ovários estão fortemente interligados e formando parte do sistema neuro-endócrino. O que acontece na menopausa é que há uma queda de hormônios, principalmente de estrogênio, mas também de progesterona. E é essa queda que tem sido relacionada a distúrbios e alterações cognitivas que podemos sofrer nesse período — explica a pesquisadora.
Para além da memória e dos problemas de desatenção, a queda de hormônios também tem sido relacionada a outros efeitos no funcionamento cerebral, como por exemplo alterações de humor, sintomas depressivos, ansiedade e insônia — sendo este último um dos sintomas mais recorrentes no climatério.
— Os próprios calorões também estão relacionados a uma desregulação hormonal que afeta o cérebro, tudo está muito interligado. Ocorre que temos regiões no cérebro que têm receptores, estruturas às quais o estrogênio se liga para desenvolver uma ação. Por exemplo: no hipocampo, que é uma estrutura-chave no processamento de memória, quando não há estrogênio suficiente para ligar-se aos receptores presentes, podem haver desregulações e lapsos de memória, assim como pode ocorrer no córtex pré-frontal, que está muito relacionado à atenção e às tomadas de decisão — afirma a pesquisadora.
A importância de se perceber
A tendência é de que as incômodas alterações cognitivas gradualmente sejam solucionadas, e que, após a menopausa, a mulher volte ao normal. Mas é importante que ela se observe e esteja atenta a sinais que poderiam indicar que o problema vai além do que seria natural do período.
— A mulher tem que observar se algumas falhas estão ocorrendo de forma recorrente. Por exemplo, "estou me perdendo muito nas conversas?", "Estou chegando aos lugares e não reconhecendo porque estou ali?". Esses são sintomas de doenças neuro-degenerativas. Podem se confundir um pouco com os sintomas de névoa mental, mas podemos dizer que ela é muito mais branda — classifica Cristiane.
Se as mudanças estiverem interferindo na qualidade de vida da mulher, a dica é não se alarmar demais e buscar uma orientação médica, que inicialmente pode vir de um ginecologista, um obstetra e até um clínico que já a acompanha. Dependendo do que o médico achar necessário, o próximo poderá ser buscar um neurologista para um diagnóstico mais certeiro.
Dormir com os anjos
Sono irregular, insônia e sintomas de depressão também são fatores que impactam na memória e na atenção, aponta a pesquisadora. Só que dormir bem costuma ser um desafio para muitas mulheres na menopausa, motivo pelo qual é importante fazer um esforço, reservando horas suficientes, em ambiente escuro, silencioso e livre de telas de TV e smartphone.
— Muitas vezes, um lapso não é uma falha direta da memória, e sim reflexo de uma mulher que já vem tendo noites irregulares, dormindo mal, já vem se sentindo um pouco depressiva, e isso também vai impactar lá na sua capacidade de lembrar de informações, de aprender, de ficar atenta para executar ações do dia a dia. É tudo muito conectado. Se a mulher consegue achar formas de dormir melhor pode ter menos problemas de esquecimento, concentração, atenção e terá uma melhor qualidade de vida — explica.
Prevenção e tratamento
Por enquanto, o que a ciência aponta como formas de prevenir as alterações cognitivas na perimenopausa é um conjunto de ações que devem ser tomadas ao longo da vida: ter uma boa saúde física e mental, ser uma pessoa ativa, fazer exercícios, não fumar, manter uma dieta saudável e rica em nutrientes e vegetais — fala-se muito na dieta mediterrânea para a saúde cerebral e vascular, lembra Cristiane — reduzir níveis de estresse, dormir bem e o suficiente, fazer ingestão controlada de álcool.
Para tentar atenuar os sintomas quando eles já estão aparecendo, a orientação é semelhante às citadas para prevenção, com o acréscimo de atividades que tragam bem-estar e relaxamento, como ioga, meditação. E também buscar ter uma vida social ativa, cercando-se de amigos e de familiares.
— A reposição hormonal também pode favorecer nas alterações cognitivas, mas os estudos não têm demonstrado um efeito direto dela, por exemplo, na memória. Mas como a terapia hormonal auxilia em outros sintomas, pode impactar indiretamente neste quesito também. Mas isso, vamos deixar muito claro, tem que ser feito com acompanhamento de um profissional e uma avaliação individual, já que não são todas as mulheres que precisam de reposição.
Levar numa boa
Cada mulher passará pelos anos que antecedem e que sucedem a menopausa de forma diferente, algumas com mais outras com menos sintomas. A dica de Cristiane é respeitar o seu momento, não desanimar com as dificuldades que ele pode representar e não se cobrar muito, já que é uma situação que faz parte do desenvolvimento natural das mulheres:
— Metade da população vai passar pela menopausa e pode experimentar esses sintomas. É importante falarmos de saúde da mulher, porque não é só ela que é afetada, há também as pessoas no seu entorno, família, filhos, companheiros, indiretamente impactados. As pessoas precisam entender que esse momento é normal e tem que ser levado com naturalidade.