A diretora Camila de Moraes fez do cinema um espaço de luta contra o racismo. À frente da corregedoria-geral da Justiça do TJ-RS, a desembargadora Denise Cezar tenta acabar com o tabu sobre a adoção tardia. Já a escritora Lau Patrón usou a história de seu filho, João Vicente, para colocar a inclusão e a empatia no centro do debate. As três vencedoras do 4º Prêmio Donna Mulheres que Inspiram, escolhidas pela equipe da Revista Donna entre oito finalistas, decidiram sair da zona de conforto para transformar realidades. Saiba o que motivou as premiadas a levantar suas bandeiras e encarar os problemas de frente.
Para ela, nunca é tarde
A desembargadora Denise Oliveira Cezar, 60 anos, decidiu marcar o Dia da Mulher em março de 2018 de um jeito diferente. Fechou a agenda e foi visitar três instituições de acolhimento para crianças à espera de adoção. Ao chegar a um dos abrigos, viu um menino com uma camisa do Internacional jogando pedrinhas no chão. Perguntou como ele estava, e a resposta veio de forma sincera:
– Não está tudo bem, estou aqui há mais de quatro anos, sempre me dizem que vou ter uma família, não acredito mais em nada.
A resposta amarga e sem esperança chamou a atenção da corregedora-geral da Justiça do TJ-RS. Denise decidiu mergulhar nos números e chegou a uma conclusão: poucos processos de adoção finalizados e uma sobrecarga de trabalho para a segunda vara do Juizado da Infância e da Juventude.
– Colocamos três juízes para dividir o trabalho. Tinha mais de mil abrigados e um número absurdo de processos em andamento, só que o juiz não tinha como pegar tudo. Reforçamos a força de trabalho, mas sabia que precisava fazer mais, não ia parar por aí – conta Denise, que recebeu a reportagem da Revista Donna para um bate-papo em seu gabinete no Palácio da Justiça, no Centro Histórico da Capital.
Ao promover um curso de atualização para os magistrados, a situação crítica ficou ainda mais evidente. Três adolescentes explicaram aos juízes que a discriminação é rotineira, uma vez que a sociedade não costuma diferenciar um abrigado de um infrator.
– Lembro que eles falaram que sofriam preconceito, tinham comida, casa, escola, mas não tinham família. Temiam pelo futuro. Percebi que existia uma invisibilidade dos abrigados. As pessoas não sabiam de fato o que eles passavam. Era uma caixa que precisava ser aberta. Muitas vezes, a pretexto de proteger, eles ficavam escondidos. Foi assim que decidi levantar a bandeira da infância e da juventude para o ano de 2018 – relembra a desembargadora que, hoje, tornou-se uma das referências na promoção da adoção tardia no Estado.
Enquanto juíza, Denise nunca trabalhou diretamente com a infância e a juventude, mas acompanhou de perto o trabalho do marido na área, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar. As conversas sobre o tema em casa sempre foram longas e francas, lembra Denise, e a experiência por tabela a ajudou na identificação dos problemas nos processos de adoção:
– Vi que era praticada a busca passiva. Os pretendentes se habilitam e traçam um perfil, criança de até tal idade, branca, menina. Daí procuravam o perfil e, se não aparecia, esperavam para quando aparecesse. Era a hora de começar a busca ativa. Precisávamos esquecer os perfis e oferecer outras oportunidades.
Pelo menos 85% das crianças aptas à adoção no Rio Grande do Sul têm entre 11 e 17 anos, mas 88% dos pretendentes desejam crianças de até seis anos de idade. Mais da metade dos abrigados pertencem a grupos de irmãos, o que também foge do perfil procurado. Denise e sua equipe decidiram sacudir o sistema com criatividade. Primeiro, nasceu a ideia do Dia do Encontro, realizado em outubro do ano passado. No Colégio Tiradentes, um dia de brincadeiras reuniu 135 pretendentes e 75 crianças e adolescentes aptos à adoção. O evento resultou em 11 aproximações:
– Já pensou que podem ser mais de 11 crianças colocadas em famílias? Mas, se for uma criança só, já é uma vitória.
Outra novidade foi o lançamento do aplicativo Deixe o Amor te Surpreender, projeto iniciado na gestão anterior. Por ali, os pretendentes podem conhecer mais sobre as crianças e apaixonar-se por perfis diferentes do que tinham pensado logo de início – a primeira adoção via app foi realizada neste mês. A adoção tardia também ganhou espaço na mídia com a série Adote um Destino, exibida em parceria com a RBS TV em dezembro. Além disso, foi criado o Comitê de Participação de Adolescentes Acolhidos na Justiça, espaço de conversa para os abrigados.
– São coisas duras que eles têm a dizer. Havia situações que nunca chegavam para nós, reclamações sobre o dia a dia na casa, (na relação com) os monitores. Excesso de rigor, de preconceito com os gays – ressalta Denise.
Na Comarca de Porto Alegre, de acordo com a Coordenadoria da Infância e Juventude do RS, ocorreram pelo Cadastro Nacional de Adoção 48 adoções em 2017. Já em 2018, o número praticamente dobrou, chegando a 91. Para 2019, a expectativa é fortalecer os projetos, mas também haverá novidades, como o Adote um Pequeno Torcedor, em parceria com a dupla Gre-Nal – depoimentos de crianças e adolescentes aptas a adoção irão passar nos telões durante os jogos. Ao fim da conversa, Denise parece satisfeita com o trabalho realizado até aqui e animada para os meses que estão por vir. Confessa que entrou para o Direito acreditando na força do Judiciário como um agente da transformação social. Hoje, experimenta esse poder na prática:
– O Direito tem um potencial transformador, é propulsor de realizações. Por meio dele podemos chegar à justiça, sempre acreditei nisso. É preciso ter coragem para exercer o poder e não ser um burocrata. Tento viver isso todos os dias.