A diretora Camila de Moraes fez do cinema um espaço de luta contra o racismo. À frente da corregedoria-geral da Justiça do TJ-RS, a desembargadora Denise Cezar tenta acabar com o tabu sobre a adoção tardia. Já a escritora Lau Patrón usou a história de seu filho, João Vicente, para colocar a inclusão e a empatia no centro do debate. As três vencedoras do 4º Prêmio Donna Mulheres que Inspiram, escolhidas pela equipe da Revista Donna entre oito finalistas, decidiram sair da zona de conforto para transformar realidades. Saiba o que motivou as premiadas a levantar suas bandeiras e encarar os problemas de frente.
Sempre avante
Lau Patrón gosta de traçar seus planos no papel. Intitula-se "a louca dos mapas", curte pensar no futuro e refletir sobre os próximos passos. Mas nenhuma de suas listas para 2018 poderia prever o turbilhão que estava por vir: de setembro do ano passado para cá, a publicitária de 30 anos tornou-se referência no país ao levantar a bandeira da inclusão e da diversidade.
– Saiu tudo do meu mapa, foi em uma velocidade que não esperava. Foi maluco, tanta palestra, lançamento, falar sobre inclusão, tudo ao mesmo tempo. Só agora estou conseguindo entender o tamanho disso – confessa.
Mãe de João Vicente, sete anos, Lau viralizou nas redes sociais ao abordar, sem meias palavras, a solidão da maternidade especial em uma palestra postada no YouTube. Seu filho foi diagnosticado com uma doença rara há cinco anos, a SHUa (Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica), que afeta o sistema imune e comprometeu as funções motoras do menino ao acarretar um AVC. João ficou 71 dias internado no hospital quando seu corpo entrou em colapso e, desde então, Lau compartilha sua rotina ao lado do filho no perfil Avante Leãozinho (@avanteleaozinho).
Em outubro, a história de superação da família virou livro: 71 Leões, a primeira obra de Lau, foi lançada em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. A escritora ganhou espaço na mídia – participou do programa Encontro com Fátima Bernardes e também foi capa da Revista Donna – viu a agenda lotar, com mais de 30 palestras em diferentes Estados. Virou madrinha de movimentos como o E Se Fosse Seu Filho e o Best Buddies Brasil. Ao tornar-se referência em um tema cercado de tabus, Lau sentiu o peso da responsabilidade:
– É assustador em alguns momentos. Pode extrapolar, muitas mães acreditam que posso solucionar as coisas. O que falo hoje é que cada uma das mães atípicas tem um papel importante nessa aldeia, tem um talento, uma ferramenta. A minha é a comunicação. Nesse sentido, fico confortável quando dizem que sou a voz das pessoas. Já não sou eu falando, é a voz de muitas mães.
A escritora acredita que a sociedade ainda encara a inclusão como burocracia e tem medo de refletir sobre deficiência. Acostumada a falar para diferentes públicos – já palestrou em ONGs, empresas privadas, escolas e por aí vai –, ela sabe muito bem que boa parte das pessoas torce o nariz quando sabe do teor de seu discurso. Para mudar essa realidade, Lau transformou a diversidade em pauta com uma abordagem carregada de afeto.
– Se eu falar a palavra inclusão, de cara afasto muitas pessoas. A tendência da maioria é se retirar das falas sobre o que não conhecem, do que tem medo, se fecham mesmo. Tento falar de um jeito que traga as pessoas para dentro, que elas se identifiquem mesmo sem viver isso de fato. O livro, por exemplo, virou uma comunicação de afeto. Estamos falando de amor e dor, isso é universal – explica. – Acredito que o mundo está deficiente, a gente precisa virar a chave. Na verdade, inclusão é sobre todas as pessoas, precisamos de lugares que sejam para todos.
E o processo de trazer a inclusão para o centro do debate fez Lau repensar as próprias atitudes. A descoberta da doença de João e a experiência com a falta de empatia sobre a situação do filho transformaram sua visão de mundo. Escolher um espaço inclusivo para todos foi um pré-requisito na seleção dos lugares para realizar o lançamento do 71 Leões – tarefa nada fácil, relembra:
– Não acredito em respeito seletivo. Ou a gente respeita a existência de todos ou estamos perdidos em um discurso vazio. Deixei de fazer o evento em algumas livrarias. Acho que é um cuidado constante, meu olhar ficou mais atento após o que eu vivi com o João. Não olho só para ele, penso em todos os grupos, no lugar do oprimido. A pessoa vai se sentir bem aqui? Vai se sentir acolhida? Só vamos construir um mundo melhor quando esse mundo for para todos.
O discurso de Lau segue repercutindo por aí. Nos próximos meses, ela deve passar por Belo Horizonte, Salvador e Brasília para sessões de autógrafos de seu livro – os três eventos foram organizados por leitores. A escritora também prepara sua segunda obra, intitulada Seja Aldeia, com ensaios sobre inclusão e entrevistas. Em paralelo, planeja conectar lideranças da área no Brasil para formar um coletivo de mulheres. E tudo isso, frisa Lau, sem perder de vista as bandeiras que a inspiraram a criar o Avante Leãozinho, contar a sua história em livro e promover debates:
– Minha defesa é pelo respeito à existência de todas as pessoas, de qualquer pessoa. E eu só acredito nisso através do acesso. O mundo só se tornará um lugar melhor quando o a afeto for a ferramenta e a regra for essa: eu respeito a existência de todas as pessoas, independentemente do jeito que ela seja. E isso é maior que a minha história e a do João.