Dentre as diferentes formas de realizar o sonho de ser mãe, uma delas é a barriga solidária, termo empregado no Brasil para se referir à técnica conhecida popularmente como “barriga de aluguel”. No país, é proibido qualquer tipo de pagamento à mulher que faz o “empréstimo temporário” do útero para a gestação — ao contrário de locais como os Estados Unidos, onde a prática é permitida.
Autorizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a barriga solidária é uma opção em casos de problemas médicos que impeçam ou contraindiquem uma gravidez e também para casais homoafetivos, transgêneros e pessoas solteiras. Mas, para isso, a mulher que gestará a criança deve ter parentesco consanguíneo até o quarto grau. Ou seja, ser mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima de um dos parceiros.
A técnica foi tema central da novela Barriga de Aluguel (1990) e, três décadas depois, surgiu na trama de Amor de Mãe, da TV Globo, que terminou neste mês. No entanto, apesar do alcance que os folhetins trazem à questão, o assunto ainda desperta muitas dúvidas. Neste sábado (24), a rede Nós Tentantes, Projeto de Vida, voltada para quem busca métodos de reprodução assistida para realizar o sonho de ter filhos, promove um evento online e gratuito a partir das 10h30min em seu canal no YouTube para falar sobre os diferentes métodos de reprodução assistida, incluindo a barriga solidária.
— É um assunto cercado por preconceitos, e precisamos trazer as possibilidades para as famílias começarem a crescer — comenta Karina Steiger, criadora do projeto.
Tecnicamente, o procedimento é simples, feito por fertilização in vitro, quando o embrião gerado pelos pais é implantado no útero da barriga solidária. O processo esbarra no desafio de encontrar uma mulher habilitada e disponível para a gestação. Conversamos com a advogada Tamize Ferreira, especialista em direito médico e presidente do Instituto ao Direito da Saúde da Mulher, com o ginecologista Carlos Petta, especialista em reprodução humana e endometriose, e com a geneticista Cristina Carvalho, do grupo Igenomix, para tirar dúvidas.
Qual o primeiro passo para dar início ao procedimento?
A primeira coisa é procurar uma clínica de reprodução assistida. Além do médico atestar que a pessoa não pode ter filhos, ele avaliará se é recomendável ou não optar por uma barriga solidária e se o procedimento é viável e não coloca em risco a mulher que fará o empréstimo do útero, destaca o ginecologista Carlos Petta. Se a cedente for casada ou viver em união estável, precisa da aprovação do companheiro, apresentada por escrito. A clínica é responsável por providenciar exames, avaliações psicológicas de todos os envolvidos e a documentação que será submetida à aprovação do CFM, constando os direitos e as obrigações de cada um.
Um casal de brasileiros pode buscar uma barriga de aluguel no Exterior?
Pode e é comum. O ator Paulo Gustavo e seu marido, Thales Bretas, tiveram os gêmeos Romeu e Gael, em 2019, nos Estados Unidos, graças a uma gestação por barriga de aluguel.
Quem pode ser barriga solidária?
A mulher deve ser parente consanguínea de um dos parceiros do casal, ou da pessoa solteira, até quarto grau: mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima; deve ter no máximo 50 anos de idade e condições de saúde atestadas por exames médicos, além de passar por avaliação psicológica.
Uma amiga pode ser a gestante?
Pelas normas, não, mas os casos podem ser avaliados pelo Conselho Regional de Medicina.
A barriga solidária tem algum direito sobre a criança?
Não, a mulher que cedeu o útero não tem nenhum direito sobre a criança, conforme determinado em termo de consentimento assinado pelos pais e pela gestante, que detalha as questões legais da filiação. O registro de nascimento leva somente o nome dos pais.
O que acontece se a barriga solidária quiser ficar com o bebê?
A mulher que cede o útero para uma gestação pode mudar de ideia e querer ficar com a criança, mas a questão passa a ser decidida judicialmente.
Qual o custo do procedimento de fertilização por meio de barriga solidária?
O valor varia conforme o caso e a clínica que presta o atendimento. Não há como estimar um mínimo ou máximo porque dependerá da necessidade de cada um, observa a advogada Tamize.
A criança herda traços genéticos da barriga solidária?
Não, a criança não herda traços genéticos.
— Atualmente, há estudos sobre efeitos da epigenética (informações genéticas ocasionadas por influências ambientais) focados em entender pontos concretos, como em relação à obesidade e a risco aumentado para a diabetes, mas não está comprovado cientificamente a transmissão de traços físicos do útero de substituição para o bebê — explica a geneticista.
Pode-se observar uma semelhança de traços de cabelo e de rosto, por exemplo, mas, por enquanto, isto segue como uma hipótese.
A barriga solidária pode ver a criança no futuro?
Não há determinação por lei, mas pode haver uma combinação entre os pais e a doadora sobre a convivência com a criança.
— Para uma mulher, pode ser que seja agradável que a irmã amamente o bebê porque ela teve leite, mas para outras, não. É uma escolha individual — afirma a advogada.
O tempo de convivência da gestante com a criança a partir do momento do parto é combinado previamente e constará no contrato assinado pelos pais e pela doadora. No entanto, caso haja alguma complicação que demande a presença da mulher que cedeu o útero, mas não estava previsto em documento, se vale do bom senso para que o bebê não seja prejudicado.