Fazia uma tarde de temperatura agradável em Porto Alegre, com o chacoalhar tranquilo das árvores que parecia contrastar com a ansiedade de Larissa Schütz. Na bolsa, a dermatologista levava o envelope que trazia a resposta pela qual esperara por anos. Ela caminhou do laboratório onde fizera o teste até os Jardins do Dmae, no bairro Moinhos de Vento, na Capital. Sozinha, com o coração acelerado, recostou-se sob a sombra de uma árvore, respirou fundo e abriu a carta.
— Li as informações técnicas: níveis hormonais, taxas de referência, mas não consegui ter certeza do resultado — recorda.
Pegou o celular e ligou para o médico responsável pela reprodução assistida. Releu para ele o exame e ouviu as palavras que tanto sonhava: você está grávida.
— Ali, no meio da natureza e conectada com Deus, me realizei como mãe — conta.
Ansiedade, frustração, medo, impotência e realização: o turbilhão emocional que costuma cercar quem busca conceber um filho via reprodução assistida foi repassado, ponto a ponto, por Larissa nos anos anteriores. A tentativa bem sucedida, que trouxe à luz Alice, hoje com três meses, foi a terceira — e possivelmente derradeira, independentemente do resultado —pela tentante, hoje com 45 anos.
A primeira havia ocorrido três anos antes, quando ela utilizou seus óvulos congelados aos 37, com sêmen comprado do banco nacional. Conseguiu um embrião, que foi implantado, mas não se desenvolveu. A segunda foi aos 43 anos, com seus próprios óvulos: conseguiu dois embriões, que foram implantados, mas sem sucesso. Aos 44, resolveu tentar algo diferente. Recebeu um óvulo doado, concebido com o sêmen do atual parceiro, o médico Hélio Pilla. Conseguiram cinco ótimos embriões, e o melhor foi escolhido.
— Eu faria de tudo para tentar gerar uma criança. Abri mão da genética, mas queria um filho saudável. E hoje estou realizada: a Alice é até parecida comigo — suspira.
Como ilustra a vivência de Larissa, atravessar um processo de reprodução assistida exige estrutura psicológica, resiliência e autoconhecimento. Coordenadora do Comitê Nacional de Psicologia da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), a psicóloga e psicanalista Débora Marcondes Farinati explica que, via de regra, casais que começam a buscar este tipo de serviço chegam às clínicas com algum nível de sofrimento — e muitas vezes precisam de apoio profissional.
— Quando o paciente ou o casal chegam é porque algo já não aconteceu no planejamento familiar, portanto é bastante frequente que haja inquietações e angústias desde o início do procedimento — avalia Débora.
Quando o paciente ou o casal chegam é porque algo já não aconteceu no planejamento familiar, portanto é bastante frequente que haja inquietações e angústias desde o início do procedimento
DÉBORA MARCONDES FARINATI
Psicanalista
Ela, que é membro da equipe da Fertilitat Medicina Reprodutiva em Porto Alegre, percebe que esse sofrimento pode ser maior quando há gestação de substituição (a popular barriga solidária) ou recepção de óvulo ou espermatozoide de terceiros, situações que podem gerar sentimentos de impotência e luto.
Um dos objetivos do trabalho de Débora é ajudar os casais a levarem o tratamento com mais tranquilidade e auxiliá-los a lidar com a espera por uma gestação que talvez demore — ou que não venha a ocorrer com o menor sofrimento possível. Muitas vezes, essa intranquilidade pode se refletir no trabalho, na vida social e na intimidade do casal. Em alguns casos, a gravidez de amigos representa uma nova ferida nas próprias frustrações. Um espaço de escuta como uma análise ou psicoterapia é em muitos casos indicado ao casal.
— Desde a pílula anticoncepcional até a escolha de um parceiro, estamos acostumados a pensar que escolheremos quando engravidar. Quando se percebe que a gestação não está, necessariamente, a mercê do nosso tempo, do nosso corpo ou de nosso controle a frustração pode ser intensa — analisa.
Karina e Pedro, pais e podcasters
Nesse contexto de incertezas e ansiedade, contar com apoio é fundamental. Pais, amigos e outros casais que atravessam ou atravessaram a reprodução assistida podem oferecer um ouvido amistoso e trazer experiências que confortem. Karina Steiger, consultora de marcas de 46 anos, e Pedro Corbetta, ator de 47, perceberam a importância dessas redes de solidariedade — a partir de uma dificuldade que eles mesmos tiveram enquanto faziam a reprodução assistida.
Por quatro anos, o casal tentou conceber um filho por indução e fertilização, mas não conseguiu. Karina havia passado dos 40 anos e os seus óvulos, embora férteis, não confirmavam a concepção. A ansiedade e a frustração cresciam: Karina e Pedro tinham a sensação de que todos os conhecidos estavam gerando filhos, menos eles.
— Há muitas indagações, e nem sempre as clínicas estão dispostas a oferecer uma boa experiência ao paciente. Além disso, todos procedimentos são muito caros, e chega um momento em que as pessoas não sabem mais qual método procurar, ou se algum método ainda pode funcionar — explica Karina.
Aconselhados por um médico, resolveram flexibilizar os planos de conceber em óvulo próprio, que, no caso de Karina, apresentava apenas 5% de chances de sucesso àquela altura. A ovodoação, explicou o médico, elevava as chances para 65%.
— Ter um filho saudável , correr menos riscos, evitar excesso de medicação e não ter que ficar tentando indefinidamente, isso tudo acabou pesando na decisão de receber um óvulo — detalha Pedro.
Em 2018, viajaram a Valência, na Espanha, para fazer uma ovorrecepção, quando finalmente conseguiram engravidar de Enrico, hoje com dois anos e três meses. A alegria foi tanta que resolveram erguer uma bandeira de apoio a casais em situação semelhante.
Em 2019, eles lançaram uma série de podcasts trazendo entrevistas com especialistas e casais de tentantes. Com quase 70 episódios já gravados, o Nós Tentantes, Projeto de Vida está disponível gratuitamente neste link e nas principais plataformas de streaming de podcasts, além do Spotify. Além disso, o casal passou a realizar eventos em diferentes capitais. Em 2019, encontros presenciais ocorreram em Porto Alegre e São Paulo. No ano passado, diante da pandemia, foram quatro eventos online, com 2 mil participantes no total.
Gêmeos após os 50 anos de idade
Mesmo quando a espera é prolongada, a reprodução assistida pode reservar uma boa surpresa para o final. Aos 52 anos, a empresária Cristina Delfino decidiu voltar a tentar conceber um filho. Solteira, recorreu à fertilização in vitro — um método que já havia experimentado 10 anos antes, sem sucesso. Sabendo que chocaria parentes e a ginecologista em razão dos riscos da gestação nessa idade, fez tudo sozinha: se inscreveu em uma clínica dedicada a inseminação em pessoas de baixa renda e aguardou três anos na fila até receber sua aplicação.
— Fiz os exames para iniciar o procedimento e todos deram superbons. Quando cheguei à obstetra, ela me apavorou: disse que uma gravidez àquela altura poderia me levar à morte — relata Cristina. — Não pensei duas vezes: troquei de obstetra.
Cristina seguiu em frente com seus planos, conseguiu engravidar logo na primeira tentativa. Mas o susto estava por vir. Na primeira ecografia, a médica identificou dois embriões e esfregou os olhos antes de dar o resultado.
— A menina ficou mais assustada do que eu — diverte-se Cristina, hoje com 56 anos de idade.
A gravidez transcorreu com alguns percalços: Vitor e Davi nasceram com 33 semanas e precisaram ficar na UTI neonatal por duas semanas. Hoje com três anos, eles exibem uma saúde de ferro — assim como a mãe, que se tornou uma espécie de acrobata doméstica para dar conta, sozinha, dos dois bebês.
— Depois de tantos anos sonhando em ser mãe, não ouso nem pensar em reclamar — brinca.