Enquanto mais de 5 milhões de brasileiros sequer levam o nome do progenitor na certidão de nascimento, alguns homens têm angariado milhares de seguidores em suas redes sociais ao estimularem outros a assumir o protagonismo na criação de seus filhos. Mais do que meros ajudantes, eles defendem que os pais podem e devem participar de forma igualitária da vida das crianças.
Os perfis trazem diferentes abordagens. Enquanto alguns postam sobre os dilemas e desafios de ser pai, outros apenas compartilham fotos e vídeos emocionantes ou divertidos do cotidiano com os filhos. Quase todos, de alguma forma, tornaram-se conselheiros virtuais de homens e mulheres sobre o assunto.
O movimento do qual fazem parte ficou conhecido como paternidade ativa. Segundo um documento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), consiste em uma relação entre pai e filho ou filha que vá além do sustento financeiro. É compartilhar os cuidados com a criança e com a casa, educar e estimular o desenvolvimento da criança, mantendo um vínculo de apego mútuo e proximidade emocional. Independentemente de os pais viverem juntos ou não.
O fato de o termo – e de suas implicações – ainda despertar angústia em muitos homens é parte do que faz com que os pais influenciadores tenham se popularizado nos últimos anos. Somente no Instagram, eles já somam dezenas, alguns com perfis que ultrapassam os 100 mil seguidores.
Para a terapeuta de casais e família Iara Camaratta Anton, o movimento é positivo e pode ter um efeito multiplicador, na medida em que possibilita que os homens percebam que suas preocupações e anseios acometem outros:
— As pessoas procuram conteúdo por identificação. Se um homem vê que outro está envolvido com a paternidade, é um estímulo muito grande.
Conheça as histórias de quatro pais influenciadores que fazem sucesso no Instagram:
Beto: paternidade como porta de inclusão
O fato de ter nascido sem uma das mãos sequer era assunto para o publicitário Beto Bigatti, 45 anos, até 2018, quando foi convidado para dar uma palestra no Colégio Anchieta sobre paternidade. O tema era objeto dos textos que publicava em um blog criado em 2016 para relatar a experiência como pai de Gianluca, 14 anos, e Stefano, sete.
— Foi a primeira vez em que falei publicamente sobre não ter uma mão. Percebi que passei a me aceitar muito mais depois dos meus filhos nascerem. O fato de eles me amarem incondicionalmente me mostrou que isso não fazia diferença alguma. Comecei a vencer os meus medos — conta Bigatti.
Segundo o publicitário, a deficiência nunca foi impeditivo para exercer as tarefas de pai. Do banho à troca de fraldas, das brincadeiras aos puxões de orelha. Desde que tocou no assunto pela primeira vez, o blog e o perfil do Instagram @pai–mala (em referência aos muxoxos do filho mais velho), aborda, em paralelo aos dilemas da paternidade, questões relativas à inclusão.
A interação com o público também se modificou. Em reação às publicações sobre inclusão, começou a ser procurado por pais e mães – as mulheres, segundo ele, representam 75% da audiência –, com deficiência ou que têm filhos com algum tipo de deficiência.
— A temática de inclusão toca nas pessoas porque a nossa sociedade não é preparada para lidar com a deficiência. Muitas querem desabafar, trocar ideias, pedir conselhos. Meus textos começam na paternidade, mas falam sobre sentimentos que são comuns a todos.
Thiago: a experiência de ser pai antes dos 30
Enquanto muitos dos amigos e conhecidos de Thiago Martins, 31 anos, sequer sonhavam em iniciar a própria família, o designer só pensava em encomendar o primeiro filho. Tinha 26 anos quando nasceu Arthur, o mais velho – agora, Thiago também é pai de Alice, dois anos.
— Nossos filhos foram planejados. Só não vieram antes porque a gente estava esperando minha esposa se formar na faculdade. Queria que fosse cedo para poder aproveitar, para realmente ser um pai presente, conseguir fazer tudo — conta.
Assim que Arthur nasceu criou o perfil @paijovem. A ideia inicial era que servisse como álbum de fotos para guardar momentos da infância dos filhos. Mas os posts com viés divertido – mesmo os que abordam problemas cotidianos tem um toque de humor – começaram a atrair seguidores. Hoje, somam mais de 20 mil.
As postagens, a maioria registros fofos do cotidiano familiar, acabaram virando um ofício paralelo para o designer, que também produz cookies para vender. Volta e meia, é convidado para participar de campanhas publicitárias. Acredita que a leveza na abordagem da paternidade com a qual tanto sonhou é o principal apelo de seu conteúdo.
— Noventa por cento é humor. Tento ver o lado bom de tudo, e queria mostrar como é legal ser pai. Claro que tem as tretas do dia a dia. Mas as crianças são demais. O cansaço é grande, mas a diversão ganha.
Marcelo: descobertas de um pai recém-nascido
A ideia era ajudar amigos e familiares a acompanharem os primeiros meses da filha Alice, um ano e sete meses. Mas não demorou para que a @papai_recem_nascido chamasse atenção nas redes sociais. Policial civil e estudante de Direito, Marcelo Ferreira Vaz da Silva, 34 anos, aproveitou o canal para compartilhar as coisas que descobria sobre a paternidade. Viu que suas dúvidas também tiravam o sono de outros pais.
— Eu sempre postava um pouco do que eu estava sentindo. Acho que isso ajudou as pessoas a se identificarem — diz o dono do perfil que conta 21 mil seguidores.
Dicas sobre como melhorar a qualidade do sono do bebê – que, nos primeiros meses de vida da filha tornou-se a principal preocupação do casal –, como controlar o tempo de exposição a telas e até mesmo sobre viajar com um filho pequeno fazem parte do conteúdo que compartilha na rede social. As postagens, ilustradas com fotos e vídeos do dia a dia da família, ocorrem quase diariamente, e viraram uma segunda fonte de renda para Marcelo.
Apesar do viés didático, observa que o público é majoritariamente feminino. Enquanto algumas enviam mensagens compartilhando frustrações, outras aproveitam para marcar companheiros e familiares nas postagens:
— Respondo todo mundo, mesmo que demore um pouco. Ainda existe essa ideia de que o pai é só um provedor, de que não precisa ajudar. Mas não é ajuda. O filho é do pai também.
Pedro: mente aberta para criar com afeto
Criado pela mãe – conheceu o pai biológico apenas aos 18 anos –, o ator Pedro de Oliveira, 35 anos, recorreu à fonte de informação que lhe pareceu mais óbvia quando soube que a esposa, Milene, estava grávida. Sentado em frente ao computador, procurou na internet o conteúdo que pudesse ajudá-lo a esclarecer as principais dúvidas em relação ao primeiro filho.
— Não tinha quase nada. Quando tinha, era sempre com uma linguagem mais feminina. Por mais que tenha sido criado por mulheres, sentia falta de poder conversar com outros pais — recorda.
Surgiu então a ideia de transformar suas dúvidas em um canal de TV. Nos meses que antecederam o nascimento da filha Ana, hoje com quatro anos, gravou pilotos em que aparecia aprendendo a realizar tarefas práticas, como trocar fraldas. Ficou tão bom no assunto que criou um curso virtual para ajudar pais de primeira viagem, com dicas que vão desde como dar banho até o planejamento financeiro necessário para dar encarar a jornada.
Já no Instagram, o @ocanalserpai virou um repositório de cards, vídeos e lives que propõem debates sobre assuntos ligados à paternidade – por questão de privacidade, postagens com fotos da filha ficam restritas ao seu perfil pessoal. As postagens trazem uma abordagem progressista, e levantam temas como a importância de ajudar as meninas a serem independentes, paternidade trans e como acolher filhos homossexuais.
— Procuro mostrar exemplos positivos de paternidade. Achava que teria aceitação, mas depois me dei conta de que os homens ainda são muito conservadores. Temos um trabalho grande pela frente — constata.
Outros perfis sobre paternidade
- @paidecinco: é tanta gente que muitas das fotos do perfil de Adriano Bisker só mostram parte da família. Pai de cinco crianças, o advogado posta relatos do cotidiano com a esposa, os filhos e os cachorros (sim, ainda cabem dois cães) em São Paulo.
- @paternidade–divertida: os percalços da paternidade homoafetiva são tema do perfil do mestre em educação Bruno Vilas Boas. Com humor e leveza, o carioca retrata a rotina com o companheiro na criação do filho, Sol. Culinária, literatura e conteúdos sobre igualdade são assuntos frequentes.
- @familiaquilombo: estilo de vida, paternidade afetiva e educação antirracista dominam o perfil de Josimar Silveira, onde posta fotos do cotidiano da família e fala sobre a criação dos filhos Akins e Dandara. Também posta conteúdo em um canal no YouTube.
- @papai–e–papia: o cotidiano divertido de Angelo e André Nunes com os filhos Jonathan e Valentina em São Paulo é exposto nas múltiplas postagens do perfil. O nome é uma referência ao modo como as crianças passaram a se referir à dupla de pais: Papai e Papía.
- @paizinhovirgulaoficial: criação com apego, disciplina positiva e parentalidade consciente são as bandeiras do engenheiro Thiago Queiroz, pai de Dante, Gael e Maya. Autor do blog Paizinho, Vírgula!, ele também tem um blog e canal no YouTube.
- @erasmocoelho: pai solo de um menino adotado, o pedagogo carioca Erasmo Coelho compartilha em seu perfil relatos sobre o dia a dia desde a adoção. As postagens propõem reflexões e debates sobre questões ligadas à paternidade.
- @paitemquefazerdetudo: paternidade ativa e disciplina positiva são os temas abordados pelo mineiro Bruno Santiago. Em seu perfil, ele também posta fotos da rotina com o filho Samuel e fala sobre guarda compartilhada.