— Como você me aguenta há 44 anos? Confissão: Sou uma mulher esquisita, ex-presidiária, ex-AA (Alcoólicos Anônimos), ex-NA (Narcóticos Anônimos), não sei cozinhar, sou cinco anos mais velha, sem peito, sem bunda e fumante — pergunta Rita Lee ao companheiro, o músico Roberto de Carvalho, em entrevista mútua que os dois fizeram para o Estadão em 2021.
A resposta veio prontamente:
— Sou teleguiado pela paixonite. Espero que tenhamos pelo menos mais 44 anos pela frente. Só consigo visualizar a antítese do que está nesta confissão. Quando você se declara esquisita, vejo original e genial. Ex-presidiária por injustiça, vítima da repressão. Não precisa cozinhar, eu cozinho para você.
O ciclo apaixonado do casal, no entanto, se rompeu, nesta segunda-feira (8), com a morte da cantora aos 75 anos. A história de amor e música começou em 1976, entrelaçando vida e carreira da dupla para nunca mais soltarem-se – até agora.
Era plena ditadura militar quando foram apresentados por Ney Matogrosso. Roberto, hoje com 70 anos, tocava guitarra na banda do cantor. Mas foi Rita quem tomou a iniciativa de marcar o primeiro encontro, depois de um show do então paquera. "Amor à primeira tecla", disse ela, em Rita Lee: uma autobiografia (2016).
Ao longo do caminho, vieram Roberto, o Beto Lee (1977), João (1979) e Antonio (1981), consolidando uma família de artistas. E já na primeira gestação de Rita ficou claro que não se trataria de uma jornada comum. Ela chegou a ser detida por porte de maconha, em uma época em que sua personalidade era vista como algo incômodo para a sociedade.
Até 1978, o casal dividia o palco na banda Tutti Frutti e, quando ela foi encerrada, seguiram juntos, a dois, como em tudo o que faziam e seguiram fazendo. Os clássicos Lança-perfume, Doce Vampiro e Nem Luxo Nem Lixo são alguns dos sucessos que nasceram desta parceria.
O casamento foi oficializado em 1996, quando a cantora passou a se chamar Rita Lee Jones de Carvalho.
Até o fim
Discretos, Rita Lee e Roberto de Carvalho viveram os últimos anos reclusos em meio à natureza, em seu sítio no interior de São Paulo. Em 2017, em entrevista ao jornalista Pedro Bial, a cantora falou sobre o prazer de viverem reclusos:
— Atitude rock é cuidar da minha horta, dos tomatinhos, da alface, da couve, do rabanete. Eu cuido dos bichos e da faxina. O Roberto cuida das plantas e é o cozinheiro.
Nesta época, ela assumiu os cabelos brancos e eles se tornaram avós. No Saia Justa, do GNT, ela disse, em 2020, que seu estilo de curtição havia mudado com o avançar do tempo.
— Hoje tenho vontade de ler mais, de aprender e de pintar. Você troca a libido pelo mortido, no bom sentido. Você não quer mais trepar, pois já trepou a vida inteira. É que nem drogas, eu não quero mais tomar drogas, porque já tomei e sei como é — declarou.
Juntos, Rita e Roberto atravessaram o isolamento da pandemia de coronavírus e, lado a lado, encararam a batalha da cantora contra o câncer no pulmão esquerdo, descoberto em maio de 2021.
Roberto foi quem passou a atualizar o público sobre a saúde da cantora, com posts nas redes sociais. No ano passado, compartilharam a notícia de que Rita estava curada, mas seguiria em reclusão para se reabilitar.