Vem por aí uma peça de teatro toda produzida em realidade virtual, uma galeria de arte virtual, uma coleção de roupas, um filme, uns livros em negociação para serem editados, além de outros projetos em andamento, mas que estão “sob sigilo de contrato”. Vera Fischer está vivendo 2022, seu 71º ano de vida, com a mesma intensidade dos últimos 70.
Com mais de 50 anos de carreira, fez questão de incluir o momento presente, “com muito cinema, teatro, quadros, livros, conteúdos de streaming”, quando pedimos para ela listar os mais marcantes de sua trajetória como atriz. O peso dessa escolha tem muito mais a ver com o “como” do que “com o que” está envolvida:
— (...) Escolhendo ser alegre, amando a vida e olhando para a frente. Eu só tenho 70 anos — diz ela.
Em março deste ano, enquanto esperava o início das gravações do filme Quase Alguém, começou a rodar o país no teatro com a peça Quando Eu for Mãe, Quero Amar desse Jeito, e já podia ser vista no longa metragem Me Tira da Mira, em que fez uma participação. Na sequência, vem um filme da Netflix, sobre uma história de Natal brasileira, do qual não pode falar ainda.
Nem durante a pandemia Vera reduziu o ritmo. Conta que os trabalhos apenas mudaram e ela foi se adaptando: fez entrevistas e programas pelo celular (que não tinha até antes da pandemia), experimentou novos formatos, como webséries e a temporada Vera Theater no Instagram.
— Para mim, o normal sempre foi aceitar as mudanças. A vida mudou e eu tento acompanhar descobrindo novas possibilidades todo dia. (...) Fiquei muito presente nas redes sociais, até virei uma super-heroína da Disney e adorei! Tenho 70 anos e um público muito jovem curtindo meu trabalho. Estou na melhor fase da minha vida e não vou ficar parada esperando o poste andar — afirma.
Na entrevista a seguir, ela fala com carinho das interações com jovens via redes sociais, com firmeza sobre a necessidade de as mulheres maduras se libertarem de preconceitos e com indignação quando o assunto é o assédio moral ou a violência.
Na peça Quando Eu for Mãe, Quero Amar Desse Jeito, você interpreta uma mãe, a Dulce, que tem uma relação pouco saudável com o filho. Você já comentou em entrevistas que ela é uma mãe muito distante da que você é. O que destacaria de mais bacana na relação que você tem com os seus, Rafaella e Gabriel?
Posso destacar a mesma coisa na minha relação com ambos. Ofereci o melhor que tive e pude a eles. Eu criei meus filhos para o mundo e tenho muita segurança de ter feito a coisa certa.
“Viver bem, comer bem, ter alguns bons amigos e um bom trabalho sempre” — li você comentar sobre isso, no sentido do que quer para a vida. Essa percepção é natural da Vera? Sempre foi assim ou é uma conquista da maturidade?
Nunca foi diferente e tenho certeza de que nunca será.
O que você está lendo ultimamente? Tem algum autor favorito, descoberto ou redescoberto?
Eu leio tudo que me aparece, mas não vou citar meu autor predileto aqui, porque quero falar que precisamos pensar que a Epopeia de Gilgamesh é do Século 20 a.C. Contar histórias, transmitir conhecimentos, dividir experiências, já aprendemos o caminho e o trilhamos muito bem. Lamento profundamente a ausência de livrarias pela cidade, pelo país! Então vamos pensar no que está acontecendo? A quem interessa o desaparecimento dos livros? Hein?
Gosto do meu rosto, do meu corpo e uso isso a favor do meu trabalho. Fiz plástica nos seios e lipoaspiração porque tive vontade, achei que me sentiria melhor e assim aconteceu.
VERA FISCHER
Atriz
Você já fez procedimentos estéticos, como uso de silicone e lipoaspiração. A decisão teve a ver com as expectativas ligadas ao seu trabalho como atriz ou foi um desejo pessoal?
Sempre fiz tudo que quis e não julgo quem faz o que quer. Não busco a perfeição, sou uma atriz, quero minhas expressões preservadas, gosto assim. Gosto do meu rosto, do meu corpo, eu uso isso a favor do meu trabalho. Fiz plástica nos seios e lipoaspiração porque tive vontade, achei que me sentiria melhor e assim aconteceu. As mulheres podem e devem fazer o que quiserem. Liberdade!
A pressão de se manter jovem e bonita ainda é muito grande para as mulheres, principalmente no seu ramo e quando se é Vera Fischer. Como você lida com isso?
Acho que existe um padrão de beleza imposto que é velho e cafona! Ultrapassado. Ele está perdendo força, mas ainda existe. Nós precisamos seguir em frente, fazer tudo o que desejarmos.
O etarismo é outra questão em evidência na atualidade. Ao longo de sua vida, o avanço da idade de alguma forma trouxe para você algum incômodo, alguma experiência de preconceito ou percepção de que foi ficando à parte?
Envelhecer não pode ser um problema. Eu sigo trabalhando, buscando novidades e tem muita coisa para fazer ainda. Não dá para parar ou ficar parada, pensando no tempo passando. Tenho muitos espelhos e uma ótima relação com eles. Eu me acho um mulherão e parece que não sou só eu que acho né? (risos)
A chegada aos 70 anos foi um marco diferente de alguma forma? Como você vê uma mulher de 70 anos hoje?
Posso te dizer como vejo a Vera de 70 anos hoje. Uma mulher que não se arrepende de absolutamente nada! Que não mudaria sua história. Que não seria quem é hoje se não tivesse feito exatamente o que fez.
Como é sua relação com as redes sociais? É sério mesmo que você não tinha celular até o início da pandemia?
Eu entrei para as redes sociais muito antes de 2020. Eu sempre indiquei filmes, séries, peças de teatro, todo tipo de arte. Escrevia os textos, tirava ou escolhia as fotos e enviava tudo para as meninas da (agência) Amarelo Urca. O conteúdo sempre foi e ainda é espontâneo, mas a gestão é feita pela agência. Eu não respondia, mas lia todos os comentários pelo computador, pois eu não tinha celular. Na pandemia tudo ficou restrito e passei a consumir muito conteúdo de streaming. Comprei um celular e comecei a lidar com os fãs, responder, interagir e acho que a interação está sendo muito importante para eles e para mim. É um público muito jovem, muito mais do que eu pensava. Acho que são divertidíssimos e carinhosos e recebo as manifestações como um presente todo dia.
Você já falou abertamente sobre sexo, masturbação, e isso ganha destaque quando vem de mulheres 50+. Que testemunho você deixaria nesse sentido para outras mulheres?
Cada uma de vocês pode fazer o que quiser, pode ser o que quiser. Vivam! Aproveitem! Esqueçam data no RG!
Por fim, outro tema caro ao universo feminino. Desabafos sobre assédios, abusos (físicos ou psicológicos) estão aparecendo com mais frequência, por mulheres públicas que estão conseguindo falar sobre isso, trazendo fatos do passado em que sofreram caladas. Qual seu sentimento em relação a isso?
Urgência! Eu me sinto péssima e muito triste em dizer que as mulheres ainda lutam por liberdade. A discussão sobre a violência e o abuso tem que existir enquanto houver violência e abuso. Hoje temos mais ferramentas, e as denúncias são feitas em um volume que não permite mais que neguemos a existência das vítimas. Mas nem de longe a maneira como tratamos essas vítimas evoluiu como deveria. O número de feminicídios no nosso país e a falta de acolhimento à mulher que sofreu violência são de embrulhar o estômago. Sinto indignação e vergonha quando penso nisso. Nenhuma mulher deve se calar, sendo ela uma mulher pública ou não. Nós que somos conhecidas temos a obrigação de apoiar e reverberar os casos para pressionar que a justiça seja aplicada.
#TBT
A pedido de Donna, a atriz escolheu os principais momentos de sua carreira, como um grande #tbt, hashtag muito comum no Instagram — onde Vera tem uma conta bastante ativa — usada para recordar momentos, sempre às quinta-feiras. Pedimos cinco, ela quis citar seis.
- O filme A Super Fêmea: “A pornochanchada de maior sucesso do Brasil. É inteligente, engraçada e foi onde me transformei no maior símbolo sexual do país. Eu tinha só 21 anos.”
- O filme Intimidade: “Uma produção minha e do Perry Sales. Ganhei com ela o prêmio Air France de melhor atriz de cinema. Eu só tinha 25 anos, e o rótulo de sex symbol caiu por terra. Considero esse filme meu divisor de águas.”
- A peça Negócios de Estado: “Escrita por Louis Verneuil, quando eu tive a maior experiência teatral como atriz e produtora, e eu só tinha 30 anos. Foi um enorme sucesso que desbravou o Brasil durante muitos anos e financeiramente foi a minha maior glória.”
- A minissérie Riacho Doce: “Gravada em Fernando de Noronha em um tempo muito especial, quando não havia hotéis ou restaurantes. Ficávamos hospedados num galpão e convivíamos o tempo todo com os nativos. Entendo que isso colaborou muito para a ambientação e a verdade dessa história fantástica do José Lins do Rego. Ela uniu a ficção com uma enorme beleza natural da Noronha daquela época e ninguém consegue esquecer minha Eduarda, pois foi a personagem mais frágil, mais sensível que fiz. Um trabalho muito, muito delicado. Eu só tinha 38 anos.”
- A novela Laços de Família: “Emociona o público de todos os lugares do Brasil e do mundo até hoje. A minha Helena é uma personagem absurdamente livre, corajosa e verdadeira. Uma realidade que, na época em que estreou, as novelas não mostravam muito. Eu só tinha 50 anos.”
- Hoje: “O sexto é o hoje, com muitos projetos, cinema, teatro, quadros, livros, conteúdos de streaming… Vivendo! No palco! Escolhendo ser alegre, amando a vida e olhando para a frente! E eu só tenho 70 anos.”