Aos 49 anos, Mariana Lima engrossa o (bem-vindo) time de mulheres que estão colocando a maturidade em pauta sem romantização. Refletiu se deveria ou não investir em tratamentos hormonais pré-menopausa e se era o caso de fazer procedimentos estéticos – porque, como diz, faz questão de não endossar a busca pela juventude eterna.
Os dilemas da mulher na casa dos 40 e poucos também se refletem na sua personagem na novela Um Lugar ao Sol, da TV Globo: a ex-modelo Ilana, melhor amiga de Rebeca, vivida por Andrea Beltrão. Com elas, entra em cena no horário nobre o debate sobre etarismo, o preconceito relacionado à idade.
No decorrer da trama, Ilana, que descongela óvulos para engravidar, acabará se apaixonando por sua médica obstetra – e a possibilidade de se relacionar com uma mulher se revela um difícil conflito interno. Mariana conta que se inspirou em amigas que já passaram por situações parecidas e descobriram na prática como lidar com o que sentem para serem felizes.
Em papo com Donna, Mariana abre o jogo sobre a decisão de morar em uma casa separada do marido, o também ator Enrique Diaz, com quem está casada há quase 25 anos. Também conta como lida com temas tabu com as filhas adolescentes, Elena, 17 anos, e Antonia, 13, e a oportunidade de falar sobre sexualidade na TV.
A Ilana é uma ex-modelo. Você já tinha relação com esse universo?
Sou fascinada pelo mundo da moda! É um universo que já faz parte da minha vida. Não compro roupa, é muito difícil. Mas gosto da moda como produtora de conteúdo, imagens. Tive uma pesquisa com a Andrea (Beltrão) e a Márcia Rubin (coreógrafa da trama) de ver muitos desfiles, porque a gente vai desfilar na novela. Acompanhar um pouco essas modelos dos anos 1990, que fizeram nascer a era das supermodels, eram famosas. A personagem sai desse caminho, abre uma produtora. Depois de postergar por anos por causa do trabalho, descongela óvulos e engravida.
Sua personagem vai sair de um casamento heterossexual e se apaixonar por uma mulher.
Ilana é mais heterossexual do que todos os héteros que conheço! É uma ótima personagem para mostrar a um público que ainda acha que não ser heterossexual é algum tipo de aberração. Parto do princípio de que somos bissexuais, E aí, a gente reprime isso e faz uma escolha. Mas há pessoas que, felizmente, não vão fazer essa escolha radical. E espero que as minhas filhas não precisem fazer essa escolha, que sejam bissexuais à vontade. Mas a Ilana é uma clássica heterossexual que não imagina isso. Quando acontece, é uma crise. Ela não consegue entender o que está acontecendo com o corpo dela, o que está sentindo. Vai ficar nesse conflito, que muitas mulheres e homens vivem, de se descobrirem, às vezes tardiamente, bissexuais. Tenho várias amigas na casa dos 45, 50, que se apaixonaram por mulheres. A Ilana vai resistir muito a isso, e acho que a sociedade brasileira também resiste a aceitar. É um conservadorismo grande, uma dificuldade de aceitar a diferença, na verdade, seja ela qual for, e isso é assustador.
Como você imagina que será a aceitação da sexualidade da Ilana pelo público? Na novela Babilônia (2015), as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg tiveram um relacionamento e as reações foram bem controversas...
Quando as personagens não são aceitas, isso traduz uma sociedade que não aceita que, na sua família, exista um caso de duas mulheres mais velhas que estão amorosamente juntas. Passa a ser um caso de violência, e não de amor. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas têm a chance de ouvir outras vozes. Você pode ouvir o (médico e escritor) Drauzio Varella, o (rapper) Mano Brown, o (ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas) Ailton Krenak, a (escritora) Sueli Carneiro. Essas vozes estão mais audíveis. Pode ser que aceitem mais agora, e ao mesmo tempo se sintam livres para nos xingar. Essa violência é terrível. Ser racista e homofóbico é um crime, está na Constituição. Uma hora, a gente vai ser menos hipócrita enquanto sociedade e fazer essa distinção mais vezes. As pessoas têm que ser punidas por palavras e atos criminosos.
Um Lugar ao Sol aborda temas como relacionamento de mulheres mais velhas com homens mais jovens, racismo, homofobia, menopausa. Qual a importância do diálogo social que a novela traz?
A novela enquanto função social pode e deve levar um debate mais contemporâneo e urgente porque é uma crônica. O brasileiro ainda tem esse padrão de acompanhar a novela como a crônica do dia. A Lícia (Manzo, autora da trama) faz isso muito bem, conta histórias de personagens que estão vivendo dramas contemporâneos, (como) o racismo, o etarismo, a homofobia. Eu, que tenho uma irmã com Síndrome de Down, fico muito feliz (de ver uma personagem com Down na novela). Para a minha irmã, é importante se ver representada.
Você completou 49 anos recentemente, e aborda, ao lado da Andrea Beltrão, o tema do etarismo na novela. Mas também são exemplos das mulheres ageless, que não se prendem a estereótipos de idade.
Acho esse assunto maravilhoso! É, realmente, rejuvenescedor. Tirar a velhice do lugar ruim em que a colocaram. Sinto que estou começando uma vida nova aos 50 anos, muito mais interessante do que a que tinha até aqui. Claro, sinto saudade de um corpo jovem, dançando a noite inteira e sendo o centro da libido. Mas estou descobrindo agora outra libido, uma calma que não tinha antes. Essa calma é extremamente saudável e embelezadora. Hoje me sinto mais bonita e saudável do que quando tinha 40, 30 então, que estava acabada (risos). Vou ganhar mais 20, 30 anos de vida agora. Tem que passar creme? Passo. Tem que fazer exercício? Faço. Não reclamo mais da vida como reclamava. Também me libertei da necessidade de me manter em um certo padrão. Talvez eu seja mais Cássia Kis do que Nicole Kidman. Mas talvez queira fazer alguma coisa... Esse ano, fiz um laser, senti diferença. Mas há uma pressão do mercado para essas atrizes que ficam eternamente jovens. Não devo ir por esse caminho.
Você é mãe de duas adolescentes. Como aborda questões tabu com elas?
Temos a política de conversar sobre tudo, na medida em que elas trazem a demanda. Não falamos de drogas que elas não conhecem, por exemplo. Outro dia, a Antonia assistiu a uma série e falou (sobre) cocaína. Falei: “Você sabe o que é cocaína? Agora vou explicar direito, já que você viu na série”. Deixamos elas demandarem. O principal problema de criar um adolescente hoje é a briga que a gente tem com a internet, não com o adolescente. Com quem eu brigo?
Você é casada há quase 25 anos. Em entrevistas recentes, você falou sobre morar em casas separadas, e o assunto repercutiu muito.
São 25 anos de montanha-russa. Dá errado, dá certo, dá errado, dá certo. Realmente, não tem fórmula. Tem momentos terríveis, gloriosos, e a gente até agora conseguiu encontrar meios de estar junto. E agora o meio é cada um estar em sua própria casa. Mas a gente continua casadíssimo. É muito tempo que você continua interessada naquela pessoa. Se a gente não estivesse interessado um no outro, não estava há tanto tempo junto.
As pessoas ainda estranham você querer morar sozinha, mesmo sendo casada?
Quero que essas pessoas que estranham isso um dia tenham (esse) prazer, porque é a melhor coisa do mundo. Eu preciso ficar sozinha. Preciso. Sem Kike, sem meninas, sem ninguém me interrompendo ou solicitando.
Outro assunto que repercutiu muito em relação ao seu casamento foi uma declaração de que vocês teriam um relacionamento aberto.
Engraçado que falei na entrevista justamente que a gente não tinha um relacionamento aberto. Agora, o que ele fez ou faz que é da ordem dele, não tenho nada a ver com isso. Ninguém chega em casa e fala: “Nossa, tive uma noite incrível”. Não chegamos nesse grau, e acho um grau de evolução maravilhoso. Chegamos nas duas casas. E a gente é soltinho, né. Então festa, Carnaval, a gente é solto, mas não conseguimos, não temos capacidade de ter outro relacionamento. Infelizmente, sei que vou decepcionar as pessoas.
Na série Onde Está Meu Coração, você vive a mãe de uma médica que é dependente química.
Foi mergulhar a fundo num tema triste que é o abandono do dependente químico, seja ele pobre ou rico. A gente pôde entrar em contato com o executivo que sai do trabalho e vai para a Cracolândia. Que a gente não vê, né? Na série, a gente tem a chance de ver que, quando a coisa pega, você pode ter US$ 2 milhões ou R$ 2 na calça, e o seu drama é o que a personagem está ali vivendo, junto com os outros, de um autoabandono para uma droga pesada, viciante, nociva, que acaba com a vida das pessoas. Foi viver uma família que tem a vida destroçada por causa disso.