Quando menstruou pela primeira vez, aos 11 anos, Márcia Selister se sentiu envergonhada. A sensação se agravou na adolescência: ficava constrangida por usar absorvente e esquivava-se do assunto nas rodas de amigas. Agora, aos 56 anos, o tabu é outro: a chegada da menopausa. Mas a atitude dela também mudou. A educadora física quer encarar as transformações no corpo, causadas principalmente pela queda na produção de estrogênio após o fim do ciclo menstrual, com mais leveza e muita informação. Por isso, busca compartilhar experiências sobre a nova fase da vida com outras mulheres.
— Se tive vergonha da menstruação, da menopausa decidi não ter. Quero falar abertamente sobre isso e me preparar para os desafios — conta a professora de ioga.
Márcia está naquele período de transição em que ainda menstrua, porém, já apresenta alguns sinais das alterações hormonais, como as dores articulares – trata-se do chamado climatério. Foi no ano passado que a educadora física se deu conta de que a menopausa estava próxima e que, na prática, ela sabia pouco sobre o que estava por vir. Por isso, decidiu mergulhar no tema, mesmo que convivesse apenas com sintomas leves, sem os conhecidos calorões (fogacho) ou suadouros.
O mais importante é trabalhar a autoestima, o nosso amor-próprio. A menopausa não é o fim
MÁRCIA SELISTER
educadora física, 56 anos
Entrevistou 200 mulheres de 18 a 84 anos para entender o que pensavam sobre o assunto e confirmou sua suspeita: a menopausa ainda é cercada por medos, incertezas e desinformação. Daí surgiu a ideia de criar o projeto Menopausa sem Vergonha nas redes sociais, repleto de conteúdos e lives com especialistas. A iniciativa faz parte do perfil no Instagram Meio Século de Mulher (@meioseculodemulher), lançado quando fez 50 anos.
— O mais importante é trabalhar a autoestima, o nosso amor-próprio. A menopausa não é o fim. Depois dos 50, temos mais uns 30 anos de vida — reforça a educadora física. — Não temos que romantizar, mas reconhecer que existem formas de amenizar o que é sentido. O autocuidado, procurando atividades em que me sinto bem, como a dança, a meditação e a ioga, faz diferença.
Dê adeus aos velhos conceitos
A menopausa é um marco na vida da mulher. Mas a chegada à maturidade, hoje, tem um peso bem diferente do que já carregou, avalia a professora Jane Felipe, da Faculdade de Educação da UFRGS. O término do período reprodutivo era encarado como um atestado de "fim de carreira", principalmente quando a expectativa de vida da mulher era mais curta. No século 21, a menopausa começa a ser vista como sinal de liberdade. Para algumas, é a fase da vida em que os filhos estão crescidos, há certa estabilidade financeira, independência e mais tempo disponível em razão da aposentadoria.
— É uma possibilidade de reinvenção, o que não quer dizer que não seja uma fase conflituosa — ressalta a pesquisadora, que integra o Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da universidade.
Esse novo olhar sobre a menopausa vem na carona de uma nova concepção sobre a velhice, explica Jane, embora ainda exista certo preconceito e invisibilização dessas mulheres na sociedade. Muitas sentem vergonha por passarem pelos calorões no trabalho, por exemplo. Discutir o tema em diferentes âmbitos é essencial para quebrar tabus e ajudar a construir espaços mais acolhedores, destaca a especialista:
— As redes sociais desempenham um papel importante nesse sentido. A troca de informações com amigas, falar abertamente com as redes de apoio, isso é muito importante para passar por essa etapa da vida de um modo menos sofrido.
Busque mais qualidade de vida
Cerca de 80% das mulheres que estão no fim do período reprodutivo apresentam sintomas em diferentes intensidades – os dados são de um estudo publicado na revista científica norte-americana JAMA, em 2015. Ondas de calor, dores no corpo, ressecamento vaginal, distúrbios do sono, mudanças no acúmulo de gordura corporal e alterações de humor são alguns sinais característicos da fase. Costumam aparecer antes da última menstruação, no climatério (que pode começar entre os 40 e 45 anos).
A menopausa em si, quando a mulher fica sem menstruar por mais de um ano, começa por volta dos 50 anos. É quando os níveis de estrogênio caem drasticamente, já que a ovulação não ocorre mais.
— A menopausa coincide com um envelhecimento natural do corpo e isso traz desafios. Mas também é uma oportunidade para buscar qualidade de vida e mudar hábitos, pensando na saúde mesmo — defende Gislaine Casanova, médica do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
A menopausa faz parte da maturidade, e eu escolhi ver a maturidade como tempo de liberdade, plenitude e leveza
ROSEMERI ROZENDO ALBECHE
professora, 54 anos
E foi exatamente assim que Rosemeri Rozendo Albeche, 54 anos, decidiu encarar a menopausa. A professora entendeu que era hora de se reinventar para desfrutar do lado positivo que todas as alterações hormonais poderiam trazer. O ano de 2018 foi o marco dessa virada: a porto-alegrense se aposentou e também teve a última menstruação. Ela sofria com insônia, calorões e oscilações de humor.
— Busquei uma alimentação saudável e orgânica, com mais vegetais. Busquei caminhos alternativos para tentar amenizar os sintomas e me sentir bem. Optei por não fazer a reposição hormonal porque tinha preconceito. Hoje, depois de buscar mais informação, penso que pode ser um caminho — conta a professora.
Rosemeri decidiu que ia aproveitar o tempo livre para fazer o que gosta e focar na autoestima, já que a maturidade traz muitas transformações no corpo e, às vezes, é difícil se reconhecer no espelho. Ela se desafiou, por exemplo, a estrelar o primeiro ensaio fotográfico da vida depois dos 50. E afirma com todas as letras: hoje, não se priva mais de nada.
— A menopausa faz parte da maturidade, e eu escolhi ver a maturidade como tempo de liberdade, plenitude e leveza. Os sintomas não são fáceis, mas podemos aprender a lidar e buscar caminhos — afirma.
Entenda que é uma fase de transição
Assim como Rosemeri e Márcia, há muitas mulheres que se propõem a experimentar a menopausa sem filtros e tabus. Mas é claro que a tarefa não é sempre fácil, já que a maturidade por si só costuma desencadear reflexões e questionamentos, explica a psicóloga Marli Kath Sattler, coordenadora do Domus, Centro de Terapia Individual, Casal e Família. É um período de instabilidade que pode abalar a saúde mental, segundo a psicoterapeuta:
— Mudanças trazem impactos, muitos deles ruins, com os quais precisamos aprender a lidar. Se olhar no espelho e não se sentir bem. Faz parte ter momentos assim nessa fase, mas, caso se torne um empecilho para viver, é preciso ficar atenta.
Reconhecer que a menopausa pode marcar um período muito duro é importante, assim como se munir de informações para chegar mais segura e não ser pega de surpresa. É uma fase transitória e que pode abrir portas para o autoconhecimento, diz Marli:
— Cuidar de si é o lema. Focar em hobbies, atividades prazerosas, cultivar amizades, reservar tempo para o que dá prazer a você. Isso ajuda a ressignificar as coisas. Se a aparência não está agradando, dá para buscar tratamentos, massagens, enfim, alternativas para se sentir bem. Não podemos parar o tempo, então, temos que aprender a aproveitá-lo.
Saiba o que os médicos recomendam
A ginecologista e obstetra Gislaine defende que a terapia hormonal, com reposição do estrogênio, é um dos caminhos mais eficazes para amenizar os principais sintomas da época da menopausa, das ondas de calor ao ressecamento vaginal. É uma opção, inclusive, para lidar com a labilidade emocional que pode acometer algumas mulheres com aquela sensação de "desânimo persistente". E se você tem alguma contraindicação ao uso de estrogênio, fique tranquila: há outras saídas, como o uso de alguns antidepressivos, por exemplo. Esse é um dos medicamentos mais conhecidos que surge como alternativa dependendo do caso, já que algumas opções podem agir também contra os calorões.
— A atuação multidisciplinar é importante nesse período porque os estados emocional e biológico se relacionam. E o que as mulheres precisam ter em mente é que ninguém tem que aguentar os sintomas e deu. O ginecologista pode ajudar a encontrar caminhos para viver melhor — ressalta a médica, que também integra a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Rio Grande do Sul (Sogirgs).
E as alternativas não param por aí. Simples mudanças de hábitos, explica Gislaine, podem trazer bons resultados ou potencializar o tratamento, como a prática de exercícios físicos e as atividades focadas na diminuição do estresse, como a ioga.
— A maior dica é: encarar a menopausa como um momento para rever sua relação com o corpo. É a chance de usar esse marco da maturidade para mudar para melhor — afirma a médica.