Boa parte das mulheres que ilustram esta reportagem sobre a geração das mulheres ageless não conheciam bem o termo. Conversando com elas, Donna desenvolveu uma forma de fazê-las compreender melhor o conceito com apenas duas perguntas. Foi o caso do diálogo com a fisioterapeuta Márcia Ilha Marques:
- Márcia, quantos anos tu tens?
- Cinquenta e quatro.
- Pensa em como era a tua mãe aos 54 anos.
- Ahhhhhhh, entendi.
E não é nada pessoal em relação à mãe de Márcia, que não conhecemos e sobre a qual nada sabemos. Mas não é preciso muito para deduzir que alguém da geração dela dificilmente levou uma vida remotamente parecida à da filha, ainda mais a partir da quarta ou da quinta década. Na geração da mãe de Márcia, é provável que certos rótulos de uma “mulher de meia-idade” fossem muito mais presentes.
Eles passavam por família constituída e criada, já curtindo ou almejando os primeiros netos. Enquanto os amigos se afastavam, o entretenimento vinha mais da televisão em programas voltados a mulheres da sua idade do que da rua. Já o guarda-roupa ficava mais recatado a cada ano – o biquíni de bolinha amarelinho, por exemplo, aumentava gradativamente até o fatídico verão em que era substituído pelo maiô preto para nunca mais voltar.
Márcia passou por dois casamentos e hoje está solteira. Seu guarda-roupa, colorido e contemporâneo, nada informa sobre a idade de sua dona. Funcionária pública e sem filhos, ela declara que tem outras famílias, como “a família do teatro, a família da corrida...”. Não são famílias longevas.
O teatro ela descobriu depois dos 40 anos, a corrida, após os 50. Também não tem receio de deixar algumas dessas famílias efêmeras pelo caminho – já praticou e abandonou a capoeira, por exemplo –, tampouco descarta procurar outras em um futuro de idas e vindas não muito diferente do que é hoje, nem do que foi ontem.
No espelho, há mudanças e reafirmações. Depois de amadurecer a ideia por quase sete anos, Márcia, enfim, resolveu assumir os cabelos grisalhos, misturados aos tons prateados que colorem o restante do penteado moderno na fase de transição. Simultaneamente, renovou suas tatuagens, que andavam desbotadas. As flores desabrochando que cobrem a sua panturrilha esquerda voltaram a vibrar em amarelo, vermelho e azul.
– Sabe aquela pergunta clássica “O que você vai fazer com as suas tatuagens quando envelhecer?” – provoca Márcia. – Ora, vou envelhecer tatuada.
Márcia se enquadra no conceito de mulheres ageless (sem idade, em tradução livre), também chamadas de perennials – uma alusão ao termo millennials, usado para denominar os jovens adultos dos anos 2000 pós-internet. Não se trata de mulheres que não envelhecem, mas de mulheres que, sem fazer força, mantêm um estilo de vida estacionado por tempo ilimitado. O conceito de ageless apareceu na mídia pela primeira vez a partir de uma pesquisa realizada em julho passado pelo instituto SuperHuman para o jornal londrino The Telegraph, que entrevistou mais de 500 mulheres acima de 40 anos.
Na ocasião, 80% delas disseram sentir que as presunções da sociedade a respeito de mulheres da idade delas não representam a vida que levam. Elas vão além: não só 96% negaram se sentir “na meia-idade” como 67% se consideram na melhor fase. Para completar, 84% delas disseram que não se definem por idade.
Os números britânicos conversam com os brasileiros da pesquisa Como os Brasileiros Encaram o Envelhecimento, promovida pela Pfizer e realizada pelo instituto Qualibest, divulgada em dezembro passado. Para 67,5% das mulheres pesquisadas, envelhecer tem sido melhor do que o esperado. Entre os principais benefícios da idade, elas apontam fatores comportamentais, como experiência de vida (85%), aumento da confiança (75%) e descoberta de novos interesses inesperados (67%). Também aparecem, embora em menor número, aspectos físicos, como boa saúde (53%) e ainda ter boa aparência (55%) – neste último, elas superam os homens (51%). Faz repensar aquela velha máxima de que homens “amadurecem” melhor do que as mulheres, não faz?
Mas o que acarretou essas mudanças nas mulheres contemporâneas? Por que a geração atual é tão disruptiva em relação às anteriores? Se fôssemos resumir em apenas um grande motivo, talvez a resposta mais correta esteja nos 65% de mulheres que, na pesquisa brasileira, declaram como um dos benefícios da idade a maior independência.
Quem ajuda a explicar é a escritora Marinez Full, 50 anos, que ilustra a capa desta edição de Donna:
– Você me perguntou a diferença entre eu e a minha mãe. Acho que a minha mãe tinha um espírito tão ageless quanto o meu, mas vivia dentro de uma norma, dentro de limitações que a impediam de vivenciar isso.
Ou seja, as maiores amarras da vida da mulher das gerações passadas não eram necessariamente relacionadas à idade, mas, sim, às convenções em torno dela. Fatores que agiam sobre quem ainda não havia conquistado independência seja financeira, no mercado de trabalho, ou até intelectual, frequentando cinemas, lendo livros, assistindo a peças, tendo seus próprios amigos... Enfim, tudo o que pode ajudar a formar personalidades livres de preconceitos.
Marinez, por exemplo, escreve majoritariamente sobre sexualidade. Em outros tempos, o que pensariam de uma mulher de sua idade, ainda mais com três filhos, escrevendo sobre esse tipo de coisa? Hoje, se alguém pensa algo, que pense. Marinez paga suas contas, tem seus próprios amigos e faz da sua vida o que quiser. Uma das consequências mais interessantes disso, por exemplo, é sempre estar pronta para recomeços. Neste momento, ela está de malas prontas para viver em Montevidéu ao lado do filho de 12 anos. A idade em que tomou essa decisão, nesse contexto, é irrelevante.
– Esse conceito de geração ageless, ainda que pareça mais uma etiqueta que categoriza as pessoas por tipo, abre portas para o debate sobre a valorização exagerada que a sociedade deposita na idade. E, no seu pior aspecto, na depreciação que permeia a velhice.
As perennials desmistificam essa divisão da vida por fases, misturando as gerações. O que surge a partir daí é uma quebra de paradigmas que rouba dos números a demasiada importância que eles tinham – opina Marinez.
Essa mistura de gerações tem um desdobramento lógico: conforme as mulheres de diferentes idades têm hábitos de beleza parecidos, vestem-se de forma parecida, consomem os mesmos filmes e seriados, acabam fazendo amigos de gerações diferentes. É o caso da promotora de eventos e cerimonialista Simone Dias. Aos 45 anos, ela vê mais semelhanças do que diferenças com a filha de 22 anos. Na sua opinião, um dos principais impeditivos para as gerações anteriores interagirem ao ponto de se fundirem era que elas nunca se comunicavam. Em determinada fase, havia as amigas da escola, noutra, com sorte, as colegas de faculdade. Depois, quem sabe, amigas de um clube social ou mães dos filhos dos amigos.
– Acho que essas barreiras caíram, e as mulheres de todas as idades começaram a se enxergar e a encontrar semelhanças umas com as outras. Hoje, temos acesso a muito mais informação e pessoas também muito mais abertas para o novo. Isso acaba influenciando – opina Simone.
Não é por acaso que a maior parte das mulheres que se enquadram no conceito de ageless são solteiras, mesmo que boa parte delas tenha filhos e casamentos anteriores. Isso não se dá por falta de oportunidade, mas por não ser prioridade e porque alguns frutos desse estilo de vida são inegociáveis para as ageless. Entre a liberdade e um relacionamento que as limite, elas tendem a optar pelo primeiro.
– A solteirice te dá maior poder de circulação. Eu não gostaria de reduzir minhas relações pessoais em nome de um relacionamento – opina Simone.
E não que faltem candidatos. Enquanto aguardava o momento de ser fotografada para esta reportagem, em um dos sofás do Hair 84, salão e bar da Cidade Baixa, Donna testemunhou Simone receber um galanteio de um dos clientes que fazia a barba no local.
– Viu o que faz uma boa maquiagem e cabelo? – brincou ela com o repórter.
De acordo com a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de A Bela Velhice (Editora Record, 2013), as ageless vivem um momento de ambivalência.
As brasileiras, em especial:
– A importância da idade está caindo entre as mulheres, no sentido de não haver mais impedimentos sociais ou psicológicos para a mulher ser e fazer o que quiser. Isso faz com que elas se mantenham constantemente interessadas, motivadas, com projetos de vida. Todavia, elas ainda sofrem demais com o culto à beleza e à eterna juventude, algo que é muito brasileiro. Sobretudo as mulheres entre 40 e poucos e 50 e poucos, que chamamos de “nem-nem”, nem jovens, nem velhas. Você não vê uma alemã de 40, 50 anos falando sobre gordurinha aqui ou ali.
A fronteira final, segundo Mirian, é as mulheres conseguirem se enxergar como belas indiferentemente da idade. Algo já conquistado pelos homens.
– Olha o Ney Matogrosso. O Ney Matogrosso sempre foi ageless. Agora é que estamos começando a ver mulheres assim. A Rita Lee, a Marieta Severo... Em uma pesquisa acadêmica que fiz, 96% dos homens responderam que não mudaram e não pretendem mudar a forma de se vestir conforme a idade.
É algo ainda muito diferente entre mulheres – declara a antropóloga.
Mas há evidente evolução nesse sentido. E, como todas as tendências, os sinais são perceptíveis desde uma mesa de bar até a grande mídia.
Observe por exemplo, a resposta que a atriz Fernanda Torres – 52 anos – deu à revista Donna no mês passado quando perguntada sobre os papéis para mulheres da sua faixa etária, o que costumava ser uma reclamação constante das mulheres acima dos 40:
– Eu fiz a Maria Teresa (em Filhos da Pátria), acabo de receber dois ótimos roteiros. Você perguntando, parei aqui para pensar, e lembrei das minhas amigas fazendo ótimos papéis no cinema, na televisão.
Fernanda listou, então, ótimos trabalhos de colegas como Débora Bloch, Adriana Esteves, Patrícia Pillar, Glória Pires, Júlia Lemmertz, Drica Moraes e Renata Sorrah, para em seguida complementar:
– Papel bom é difícil sempre, e acho que minha geração tem envelhecido muito bem, como um bom vinho.
Na semana passada, Nicole Kidman, recém-premiada com o Globo de Ouro e o Emmy pelo papel de uma mulher vítima de violência doméstica no seriado Big Little Lies, tocou no assunto ao agradecer mais uma estatueta no SAG Awards:
– Que maravilhoso que hoje nossas carreiras podem ir além dos 40 anos. Há 20 anos, estaríamos apagadas nessa fase de nossas vidas. Nós estamos provando que somos potentes, poderosas e viáveis. Apenas imploro que a indústria permaneça conosco, porque nossas histórias finalmente estão sendo contadas. É apenas o começo, e estou muito orgulhosa de fazer parte de uma comunidade que está instigando essa mudança. Mas imploro aos roteiristas, diretores, estúdios e patrocinadores que coloquem paixão e dinheiro por trás de nossas histórias. Provamos que podemos continuar a fazer isso, mas apenas com o apoio da indústria, com esse dinheiro e paixão – declarou a musa que completou 50 anos no ano passado.
É a mesma idade de Julia Roberts, apontada em 2017 no topo da lista das mulheres mais bonitas do mundo segundo a revista People. É o pentacampeonato de Julia, que recebeu pela primeira vez o prêmio em 1991, aos 23 anos, logo depois de estourar no filme Uma Linda Mulher. A atriz foi premiada ainda em 2000, 2005 e 2010. Entrevistada pela revista, Julia se diz “lisonjeada”, mas não surpresa. Hoje, mãe de um casal de gêmeos de 12 anos e de um menino de nove, ela se compara à sua versão de 1991:
– Acho aquela menina tão adorável, ingênua e tão feliz de ser convidada à festa... Mas acho que estou constantemente melhorando.
A People abre o texto em homenagem à atriz dizendo “Julia Roberts é uma beleza alheia ao tempo”. Que seja todas as belezas.
Fotos Mateus Bruxel
Cabelo: Douglas Linhares, Kerols Uszacki e Léo Vargas (Studio Leo Zamper)
Maquiagem: Xinndy e Léo Vargas (Studio Leo Zamper).