Já ouviu falar naquela frase “amiga é pra essas coisas”? Pois a ciência tem mostrado que a amizade pode ajudar as pessoas a embarcarem de vez em uma vida mais ativa fisicamente — e permanecerem a bordo no longo prazo. O tema vem ganhando contornos a cada descoberta, como, por exemplo, a que foi feita por pesquisadores da Kean University, dos Estados Unidos, em um estudo publicado em outubro deste ano na revista científica Plos One.
Eles sugerem que, quando a atividade física é combinada com interações sociais, um sedentário que se exercita com pessoas moderadas ou extremamente ativas terá mais chances de tornar-se parte desses grupos. Por outro lado, se este mesmo indivíduo não combina interações sociais ao esporte, ele terá mais chances de voltar ao sedentarismo no longo prazo.
Em essência, o estudo aponta que os amigos podem ser peças-chaves na motivação. E quando falta vontade de aparecer no treino, adicionar parcerias à equação pode ajudar muito no comprometimento, concorda Fernanda Faggiani, professora dos cursos de Psicologia e de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e especialista em Psicologia do Esporte.
— Praticar qualquer exercício físico na presença de amigos tende a contribuir, pois cria um clima de mais comprometimento, troca e possibilidade de auxílio. Quando a parceria é boa, a interação pode fazer com que tu te empenhes mais e queira participar do exercício não só por ti, mas também por conta do outro que estará lá te esperando — explica Fernanda.
Boca Braba e Mão de Pedra
A estudante de direito Jordana Horn, 35 anos, pratica boxe há três anos e é apaixonada pelo esporte. Só que, ultimamente, nos dias em que a rotina está pesada e tudo parece querer que ela fure o encontro com o ringue, é pensando em uma amiga que ela amarra o cabelo, enrola as mãos nas ataduras e comparece.
— Fazer aula com ela é bem diferente, dá um ânimo a mais. Antes, tinha dias em que eu até dizia: “Não vou hoje”. Agora não, porque penso: “Tenho que ir, pois o coração vai estar lá”. Fui eu que pilhei ela no boxe e a gente não vai faltar — afirma Jordana.
É de “coração” que elas se chamam, apelido que dá uma ideia do tamanho do carinho entre Jordana e Camila Terra, 36 anos. Personal trainer e praticante de musculação há 20 anos, Camila precisou de um empurrão da amiga para considerar aderir a uma modalidade com foco em extravasar e relaxar. A insistência de Jordana deu certo e, desde novembro de 2021, as duas formam par inseparável de treinos na Celtic Fight, academia exclusiva de boxe na Rua Nova York, em Porto Alegre.
Elas frequentam as aulas três vezes por semana durante aproximadamente uma hora, mas nunca duelam entre si. Enquanto uma está no ringue em dinâmica com o professor, que conduz o exercício gritando termos do esporte, como jab direto, upper, gancho e pêndula, a outra boxeadora fica dando golpes no saco de pancadas ou descansando, enquanto dá apoio moral à companheira.
— A gente sempre se ajuda. Às vezes, quando o round está acabando e ela mostra cansaço, começo a incentivar. Então, o que mais rola não é competição, é colaboração — diz Camila.
Não precisamos encontrar as amigas só para tomar chope. Uma caminhada pode render um exercício puxado e com duração maior, em função do bom papo.
CAROLINE HELLEN PULZ
Educadora física
E Jordana complementa:
— Já nos disseram que, se um dia lutássemos uma contra a outra, o apelido seria “Jordana Boca Braba V.S Camila Mão de Pedra” (risos). Também é legal, porque conversamos muito. Quando acaba a aula, sentamos no andar de baixo e ficamos quase uma hora de papo. Ou então a gente se manda áudios enquanto voltamos pra casa, comentando: “Nossa, foi bom, né? Não estava nem afim de ir, mas como foi bom praticar juntas” — comenta ela.
A depender do tipo de esporte, lembra a educadora física Caroline Hellen Pulz, uma conversa entre amigas pode funcionar como um grande incentivador do exercício físico e, por isso, não precisa ficar restrita aos “rolês”, mesas de bar e outros momentos de lazer.
— Não precisamos encontrar as amigas só para tomar chope. Uma caminhada com elas ao ar livre pode acabar rendendo um exercício super puxado e, na maioria das vezes, com um tempo de duração maior do que o estipulado no início, em função do bom papo e do quão prazeroso o exercício, combinado a esse encontro, acaba se tornando — aponta a profissional.
Uma ressalva importante de Fernanda Faggiani, especialista em Psicologia do Esporte: não adianta arrastar um amigo para a modalidade que você gosta, se ele não se identificar com ela. Neste caso, os ganhos em parceria e persistência dificilmente vão aparecer.
As amigas boxeadoras deram a sorte de terem ambas se encantado pela atividade, mesmo que primeiro tenha sido uma e depois a outra.
— É preciso haver um desejo interno de praticar a atividade. Se a pessoa se forçar a fazer um esporte que não gosta só pela presença do amigo, não vai se concentrar, não terá vontade e pode até arriscar se machucar já que está ali “obrigada”. Por outro lado, quando já há um desejo e, somado a ele, uma parceria, tende a funcionar bem. Tudo depende do perfil da pessoa e há indivíduos que preferem praticar sozinhos e ponto final — salienta Fernanda Faggiani.
Competição saudável
Os ganhos em rendimento também podem ser um reflexo da prática de atividade física entre amigas. Para endossar essa hipótese, a psicóloga menciona as descobertas do americano Norman Triplett, que, em 1898, conduziu um estudo que é considerado uma das pedras fundamentais na história da psicologia do esporte.
O pesquisador era um apaixonado por ciclismo e identificou que, quando um praticante pedala na presença de um outro ciclista, há uma melhora na performance, de modo que a pedalada se torna mais veloz e eficiente.
— Muitos estudos mostram que as pessoas tendem a investir mais energia e a tentar progredir mais quando estão na presença de outros esportistas. Isso ocorre tanto por uma vontade de superar os próprios limites quanto para responder a uma competição saudável, de querer acompanhar a outra pessoa, que está ali fazendo o exercício junto — observa a especialista.
Terça-feira sagrada das “Handmães”
São sete jogadoras de cada lado em uma partida de handebol, de modo que é preciso poder contar com um plantel de pelo menos 14 participantes para dar jogo. Olhando por essa perspectiva, impressiona o fato de que, desde o início de 2022, a quadra do ginásio da Escola São Francisco, em Porto Alegre, não esteve vazia em nenhuma terça-feira à noite — o horário reservado às “Handmães”. O motivo é o sistema organizado de caronas, apoio e comprometimento que as cerca de 20 mulheres — a maioria mãe — montaram para praticar o que amam, um esporte de alto contato, intensidade e muito gasto de energia.
Em uma parceria que começou há cerca de quatro anos, a oficial de Justiça Giovana Giordano, 40 anos, e Mayara Salviano Luisi, 33, que trabalha como assessora particular em um escritório de advocacia, estão entre as que mais se movimentam para fazer os jogos acontecerem. A ideia inicial era reunir mães e ex-alunas da escola, onde as duas filhas de Giovana estudavam em 2018. Foi ela quem conseguiu montar o time e, de quebra, arrancar do sedentarismo a amiga Mayara.
— Dedico bastante tempo ao hand porque foi com ele que voltei a ter contato com as atividades físicas. Hoje, não consigo viver sem, é como uma terapia. Há algumas semanas, me machuquei em um campeonato, precisei ficar três semanas sem treinar e foi difícil, tive ansiedade. Jogar é um prazer que não tem comparação — conta Mayara, mãe de dois meninos.
Somente as lesões são motivo suficiente para faltarem aos jogos. Aniversários de conhecidos, demandas de trabalho e compromissos familiares são remanejados ao máximo para não colidirem com sua “terça-feira sagrada”. E há todo o apoio das parceiras também: segundo Giovana, ocasionalmente elas se revezam na arquibancada, cuidando do filho pequeno de uma das companheiras durante a partida e fazendo de tudo para que aquela mãe não precise se ausentar. É um time que vai para muito além da quadra.
— Outra coisa legal que sempre rola é uma de nós dizer “bah gurias, tinha outro compromisso e não iria, mas consegui me liberar. Alguém me empresta um tênis?”. E cada colega leva uma coisa, a bermuda, o calçado, a camiseta. Nos solidarizamos, porque todas sabem como é bom. A sensação é única — relata Giovana.
A dupla explica que o prazer vem tanto da atividade intensa quanto do envolvimento entre as mulheres. Elas estão ali ocupando o papel de atletas, dando dicas sobre a prática, ao mesmo tempo em que atuam como amigas e confidentes, dispostas a ouvir, dar conselhos, fazer piadas ou até mesmo oferecer uma carona providencial. Combos semelhantes a esse, aponta Fernanda Faggiani, tendem a contribuir para a persistência:
— O ato de se exercitar libera hormônios que trazem sensação de prazer. Então, quando tu tens consciência de que, mesmo estando sem vontade, exercitar-se vai provocar essas sensações boas no pós-exercício, ainda mais quando isso é feito com pessoas legais, que são atentas a ti, te motivam e elevam a tua autoestima, isso vai contribuir para te manteres ativa — conclui.