Entre as memórias afetivas da infância em Cruz Alta, a publicitária Ana Carolina Nogueira, 27 anos, destaca as ligações que recebia do pai quando ele viajava a Porto Alegre com amigos para ver o Grêmio em campo no Olímpico. Por mais que não deixasse, na época, a filha acompanhar as idas ao estádio, fazia questão de que, lá do noroeste do Estado, ela escutasse a torcida tricolor pelo telefone.
Foi assim que nasceu o amor pelo futebol e, em especial, pelo Grêmio, em Cacá, como prefere ser chamada. Alguns anos depois, ela pôde sentir a emoção de ver uma partida ao vivo, a primeira de muitas que se seguiriam na Azenha e, desde 2012, no Humaitá, na Arena.
— Aquela sensação de entrar no estádio, ver o sol batendo no gramado, a torcida gritando. Não tem como explicar, só sentindo mesmo. Nunca vou esquecer — garante ela, que em 2015 se mudou para a Capital para ingressar na universidade e se tornou presença assídua nas partidas.
O incentivo da família também foi o que impulsionou a paixão de Thaiane Titto, 24 anos, atriz e estudante de Direito, pelo Internacional.
— Começou antes de eu nascer — resume ela, que frequenta o Beira-Rio desde criança ao lado do pai e do irmão. A mãe, gremista, é minoria no lar de colorados.
Até completar 12 anos, aproveitava que o ingresso era gratuito para os pequenos e passava por baixo da roleta de entrada no estádio, lembrança que conta com carinho. Mais tarde, passou a frequentar os jogos na companhia de amigos e, com o tempo, adquiriu o hábito de ir, até mesmo, sozinha.
— O futebol faz a gente querer compartilhar os momentos, felizes ou tristes, com as pessoas que amamos. Mas, hoje em dia, sinceramente, não me importo de ir aos jogos sozinha, inclusive, aprecio. Consegui trazer ainda mais significado, porque se tornou algo meu. Só quem tem uma relação com o futebol dessa forma consegue entender a dimensão — reflete.
Moda e futebol como formas de expressão
A paixão pelo esporte e por seus respectivos clubes não é a única semelhança entre Ana e Thaiane. Também chama atenção o fato de ambas fazerem questão de fugir do básico na hora de vestir as camisas dos times. Segundo elas, o segredo para levar o símbolo do clube no peito sem perder o estilo é brincar com a composição dos looks.
E as torcedoras não limitam o uso do uniforme ao estádio. Churrasco em família, parque, shopping, academia e até mesmo festas são lugares em que sentem-se à vontade vestindo estas peças.
— Nunca pensei “não estou bem vestida”. Pelo contrário. Como tenho mais de uma camisa do Inter, e de cores diferentes, consigo compor com calça de alfaiataria, com jeans, já botei com shorts biker, e me sinto bem dessa forma — comenta Thaiane. — É a forma como eu me coloco para o mundo.
Para a colorada, o olhar geral sobre o uso das camisas em eventos sociais tem mudado, e muitos já apreciam o visual com referência ao futebol. Ainda mais se a camisa for antiga e difícil de ser encontrada:
— As pessoas têm interesse e, inclusive, isso pode começar uma conversa. Porque elas vão te perceber e vão notar o que tu estás usando. Moda, futebol, comunicação: está tudo ligado — opina.
Ana reforça que nunca se sentiu representada ao ouvir comentários como “você passa horas se arrumando para sair e o cara aparece usando camisa de time”.
— Se depender de mim, eu sou o cara com a camisa de time (risos). Ou melhor, a mulher, né? E, convenhamos: uma camisa de time vale bem mais do que qualquer blusinha. Então, se eu for para um date com ela, é um investimento e a pessoa tem que valorizar — brinca.
Tanto moda quanto futebol significam mais do que a superfície aparenta, na visão da torcedora gremista. Para ela, ambos são sobre personalidade.
— É aquela famosa frase: “não é só futebol”. É um universo inteiro envolvido. E a moda também vai além da estética. As duas coisas são formas de se expressar e, por vezes, muito intensas — compara Ana.
Brazilcore
Com o início da Copa do Mundo no Catar, na semana passada, a tendência de incrementar as produções com camisas da Seleção ganhou fôlego. Desde o começo deste ano, as redes sociais já vinham disseminado o movimento chamado Brazilcore, que ressignifica as cores verde, amarelo e azul na moda. Com origem nas periferias e favelas brasileiras, a estética tupiniquim fez tanto sucesso que extrapolou fronteiras, caindo no gosto de fashionistas daqui e também de fora do país.
— A Copa remete muito ao Brasil mundo afora por ser um país que ganhou muitas vezes e por ter jogadores tão famosos. Essa aesthetic começou no meio do ano e vem ganhando cada vez mais força — detalha a mentora de estilo e designer de moda Karol Ferrão. — Nos looks, vemos muitas bermudas, shorts, camisetas, croppeds, óculos, chinelos, tênis com meia alta. São itens que remetem ao Brasil, em especial, ao Rio de Janeiro.
Por se tratar de um estilo extremamente casual, o Brazilcore pede alguns elementos extras, caso a ideia seja transitar em lugares mais formais ou em ambientes de trabalho com dresscode mais flexível, por exemplo. A especialista indica apostar em peças refinadas, como blazers e calças de alfaiataria, para garantir um ar mais sério.
Já quem prefere entrar na tendência sem vestir a camisa pode brincar com as cores. O color block, como é chamada a combinação de peças em tons que contrastam entre si, é uma boa pedida, conforme a designer. Vale compor um mix de calça verde com blusa amarela ou saia nesta cor com camisa azul, por exemplo. Para as mais discretas, o próprio jeans azul pode ser um aliado de estilo. Usado com roupas ou acessórios nas cores da bandeira, complementa um visual fashion.
— Não precisa comprar nada, dá para jogar com o que tem em casa — frisa Karol.
Vá de Camisa
Era 2020, a pandemia impedia qualquer aglomeração futebolística, e as mais de 40 camisas de time da coleção da advogada e influenciadora digital Kamila Padilha, 34 anos, estavam acumulando pó no guarda-roupa. Foi um post de um coach nas redes sociais que a incentivou a colocá-las para jogo. Em vídeo, ele aconselhava aos seguidores: “Se forem sair com as namoradas, não usem camisas de times”.
Fortemente contrariada, Kamila chamou duas amigas produtoras de moda e provocou uma reação:
— Vamos tirar umas fotos e mostrar que dá para sair com camisa de time?
Assim foi criado no Instagram, em abril de 2021, um perfil que incentiva a usar as peças em qualquer situação. Chamado @VádeCamisa, ele traz inspirações de looks para exibir o símbolo do clube favorito em diferentes lugares, além de dicas de moda para todos os gostos.
— Começou assim, meio que como uma brincadeira, e hoje temos parcerias comerciais — conta ela, orgulhosa.
Paranaense, Kamila torce para o Operário, time da cidade de Ponta Grossa, e tem um carinho especial pelo Corinthians. Seu pai, no entanto, é gaúcho e colorado. É daí que vem sua proximidade com o Estado, onde fez muitos amigos. Por isso, não raro camisas da dupla GreNal aparecem em suas produções para a rede social.
Desde que o Vá de Camisa começou até hoje, a influenciadora conta que suas seguidoras aprimoram as escolhas conforme acompanham suas propostas.
— Quando elas começaram a nos marcar, estavam quase sempre de calça jeans e camisa. Com o tempo, começaram a usar saia, cinto, estampa, salto. Reparei essa mudança — relata. — A moda e o futebol são agregadores, são maneiras de expressar aquilo o que você sente, o que você é.
Truques das gurias
“Para deixar os looks mais estilosos e fugir do básico, primeiro é preciso entender as peças. Por exemplo, se vou de camisa de time, não vou usar uma calça jeans skinny, sabe? Ou até posso usar, mas daí preciso pensar nos acessórios. Anel, pulseira, colar, brinco, até mesmo a forma de prender o cabelo. Eu brinco muito com o meu, que é cacheado. Prendo para trás, passo um gel e ajeito o baby hair. Ou prendo para cima e faço um coque abacaxi. Tudo isso está mostrando a minha identidade para o mundo. Então é usar de maneira diferente, como colocar a camisa de time para dentro da calça de alfaiataria com um cinto. Pode ir no jogo assim ou em outro lugar, vai estar elegante e casual. É fazer esse jogo. De forma resumida, são os detalhes. Nas pequenas coisas que a gente ajusta para dar outra cara, para o que é básico se tornar estiloso”. Thaiane Titto
“Acho que um truque para deixar os looks mais estilosos é misturar o meu estilo pessoal, combinações de roupas e acessórios que uso no meu dia a dia, com as cores do time. Outra dica é também combinar a camisa com peças que saem desse contexto do esporte, como uma saia, uma bota. Em jogos mais importantes, como uma final, vale customizar tudo. Fazer unha colorida, maquiagem com as cores, cabelo, acessórios. Nada de fazer a linha básica. Expressar teu amor pelo time de todas as formas". Ana Carolina Nogueira
* Produção: Luísa Tessuto