Quando termina uma sessão online de ioga dance, a instrutora Márcia Selister diz que é costumeiro ouvir de suas alunas desabafos deliciosos de alívio: “Era disso que eu precisava. Respirar, sacudir, gritar, botar tudo para fora”. Essa sensação de leveza ao jogar para o exterior ansiedades que estavam aprisionadas no corpo é o que mais tem motivado mulheres a participarem da aula comandada pela educadora física de 57 anos.
Assim como Márcia, outras profissionais que conduzem práticas integrativas e complementares à saúde têm percebido uma alta na procura pelos seus serviços neste 2022. Segundo a instrutora de meditação Roberta Simon e as terapeutas Eliane Pedebos, reikiana, e Abrisi Regina Lanzarini, tântrica, lançar mão destas atividades em busca de bem-estar e equilíbrio emocional é algo que já havia ganhado força na pandemia de covid-19 e, atualmente, tem sido uma ferramenta para lidar com as tensões que vêm acopladas à retomada da rotina.
Essa busca por sentir-se melhor, aponta a psicóloga Julia Martinez, é, possivelmente, uma resposta ao “aumento em disparada” dos casos de transtorno de ansiedade, de pânico e de desilusão com a vida profissional e pessoal que ela tem visto em seu consultório.
— Muitos não aguentavam mais a rotina do online, do em casa. Mas aí, quando tu voltas, também há uma espécie de choque. Surgem dúvidas de “onde estou?”, “quem sou?”, “faz sentido o que estou fazendo?”. Vejo que este novo momento leva as pessoas a se questionarem mais sobre seus relacionamentos e sobre si. E faz muito sentido o aumento da busca por terapias holísticas. São ações na direção de cuidar de si e se conhecer melhor — afirma a profissional, que atua em Porto Alegre.
Ioga, só que dançando
É à procura de relaxamento, autoconhecimento e autoamor que uma turma exclusivamente de mulheres se conecta por vídeo à aula de ioga dance de Márcia Selister todas as segundas-feiras. A técnica, que faz parte do repertório da instrutora há cinco anos, mistura a liberdade da dança com a consciência iogue de que cada ser humano é uma pequena parte do todo.
— O ioga dance leva a uma jornada de autoconhecimento, descobrindo a potência e a força que o feminino tem, e te ajuda a ser mais fluída para encarar o dia a dia com leveza. É um caminho de volta, onde tu vais para dentro de ti, vasculhas todos os cantinhos e voltas transformada — explica.
Há um entendimento de que, através dos movimentos e da respiração, é possível remover zonas de conflito ou tensões internas que possam estar impedindo a pessoa de experimentar alegria e liberdade na vida. Isso porque o ioga dance é executado para trabalhar os sete chakras do corpo – segundo o hinduísmo, centros de energia conectados ao longo da coluna vertebral responsáveis por reger equilíbrios emocional e físico. Com música, dança e autoconsciência, seria possível ajudar a energia vital a fluir livremente por corpo e mente.
A dança de Márcia exala poder. Já a de outra praticante pode ser diferente, pois a dinâmica é livre, não segue uma coreografia nem exige posturas perfeitas. A ideia é que cada uma descubra sua própria dança tendo a voz da instrutora como fio condutor. A música também tem um papel importante – tanto que Márcia faz uma playlist específica para cada sessão. No ioga dance, acredita-se que a vibração impacta cada ponto de energia das pessoas:
— Tu começas com sons da natureza, por exemplo, que vão te aproximar do chão, depois, vais para a água, que é o chakra dois, trabalhando a fluidez, a sensualidade. Uma batida mais enérgica pode ativar o chakra três, associado com vontade e força — lembra.
Uma questão frequentemente trabalhada em aula, dado que boa parte das alunas de Márcia tem entre 40 e 60 anos, é a da menopausa. A condução verbal da instrutora pode ajudar a processar as turbulências físicas e emocionais desse período.
— O grande “x” do ioga dance é a fala, como “Tu estás te sentindo conturbada, mas olha tudo que podes fazer”. É um momento de força e de acolhimento.
Hora de sintonizar
Imagine que você é um rádio e que, quando mexe no dial, emite aquele ruído semelhante a um chiado antes de encontrar a frequência certa da emissora. No reiki, essa barulheira é o equivalente a estar “desequilibrada”, com a energia vital em desalinho. A técnica promete ajudar a pessoa a encontrar a frequência certa, deixando-a sintonizada o suficiente para ouvir a música.
— Diariamente, nos contaminamos com as rádios dos outros. No trabalho, por exemplo, há várias pessoas ouvindo músicas diferentes e isso é uma confusão, energeticamente falando. E é isso que nos tira de sintonia e faz com que tenhamos que lidar com esse desequilíbrio. O reiki nos sintoniza nas frequências que nós estamos tocando — explica a terapeuta reikiana Eliane Pedebos, que trabalha há 10 anos exclusivamente com este método.
A técnica de origem japonesa consiste em fazer uma imposição de mãos sobre o corpo do cliente, de forma a canalizar a energia universal para dentro do ser. Esta imposição pode ser feita mantendo alguma distância, sem encostar na pele, ou com toques leves. Tudo é combinado previamente com quem vai receber a terapia.
A profissional de 49 anos, que atua no espaço Conexões da Alma, na Capital, explica que o reiki é um complemento à medicina tradicional: de acordo com ela, para tratar as demandas do corpo físico, você não deixará de ir ao médico, por exemplo. Porém, a prática pode ser complementar a isso, buscando recuperar ou manter o seu equilíbrio.
— Eu, a reikiana, sou um instrumento que canaliza a energia disponível no universo, na natureza, para a pessoa que está recebendo. E esta energia é divina e inteligente, de forma que, quando chega, sabe exatamente o que precisa ser reposto para que o indivíduo possa encontrar equilíbrio — sublinha Eliane.
Dentre os motivos que têm levado as pessoas a buscarem o serviço da terapeuta estão a confusão mental diante da retomada, a dificuldade para identificar o que é importante e merece foco, a ansiedade e as dificuldades nos relacionamentos em geral.
— Quando não estamos conseguindo conduzir nossas questões, é porque estamos desequilibrados e nossas emoções estão tendo picos muito altos ou baixos. O reiki pode ajudar, pois seu foco está em restaurar o equilíbrio energético da pessoa, para que ela se sinta melhor e possa ter mais clareza para discernir as suas escolhas. Costumo dizer que, com o reiki, a gente “aumenta o pavio” que representa o tempo de que precisamos para elaborar uma ação e não apenas reagir de forma impulsiva — exemplifica a profissional.
Aqui e agora
Assim como toma-se banho para limpar o corpo físico, medita-se para purificar a mente e conectar-se com o lado espiritual, que fazem parte do ser humano. E isso, conforme a instrutora Roberta Simon, 41 anos, pode ser feito na posição sentada, deitada ou em movimento, durante horas ou alguns minutos, de olhos abertos ou fechados.
— A meditação é uma conexão com a realidade, uma forma de trazer a mente consciente para o estado presente. Quando faço isso por meio da respiração, observo, contemplo e acolho meu estado atual. Dessa forma, posso relaxar as tensões, o estresse, o cansaço e renovar minhas energias — explica a especialista.
Para quem não está familiarizado com a técnica, Roberta detalha que o andamento da meditação pode seguir este caminho: primeiro, faz-se um relaxamento do corpo físico e mental. Em segundo lugar, o indivíduo pode observar seu estado de espírito naquele momento, trazendo a mente para o aqui e agora – para o presente. A partir dessa observação, pode-se trabalhar em uma espécie de escuta de seus sentimentos.
— Acolhemos as emoções da nossa criança interior e todos os pensamentos de adulta, cheia de ansiedades de futuro. Em estado meditativo mesmo, posso pegar um caderno onde escrevo aqueles pensamentos e emoções, tirando da mente e trazendo para fora. Então, a meditação ajuda a sermos observadores externos do que acontece internamente. Podemos chegar a um lugar muito profundo de encontrar a causa de nossas dores e ressignificá-las, o que traz um alívio imediato, terapêutico. O processo acontece quando acolhemos o que somos e como estamos — afirma ela.
Quem a procura para meditação guiada – seja de forma presencial, em Capão da Canoa, Porto Alegre e Santa Cruz, ou online – relata toda sorte de incômodos, desde demandas mentais, como ansiedade e depressão, até dores físicas, como fibromialgia. E ela conta que o feedback que recebe normalmente é sobre “sentimentos de alívio e paz”.
A meditação tem tudo a ver com este momento atual de busca por bem-estar e autoconhecimento, segundo Roberta, que defende que as pessoas estão buscando mais esse tipo de terapia por perceberem que é eficaz observar a si mesmo e trabalhar suas questões antes de se comunicar e se relacionar com os outros e com o mundo.
— Nós, humanos, somos imperfeitos, mas espiritualmente somos perfeitos e abundantes. A meditação nos traz essa consciência para nos unirmos com quem somos de verdade. Ela nos conecta com quem somos, aprendemos a acolher os perrengues da vida, nossas emoções, nossas tristezas, medos e raivas, porque a gente diz “Está tudo bem. Isso faz parte do meu ser humaninho” — conclui.
Tesão pela vida
Foi um longo caminho de formação em reiki, massagem bioenergética e ayurveda até a terapeuta Abrisi Regina Lanzarini encontrar-se na massagem tântrica. A prática que a ajudou pessoalmente na recuperação de um burnout acabou tornando-se profissão: hoje é sua principal demanda de trabalho no coworking Ama, em Porto Alegre. O tantra é uma filosofia originada há cerca de 3 mil anos entre pessoas da cultura drávida, na região onde hoje é o Afeganistão.
Conforme explica ela, essa filosofia pressupõe trabalhar a expansão da consciência humana a partir do “berço”, que é o chakra sacral localizado na base da coluna, junto aos genitais. É ali que se aloja a energia chamada kundaline, termo sânscrito que significa “força de vida”.
— Kundaline é a força criativa que sustenta a nossa vida e nosso tesão. Não só no corpo, em forma de libido, mas pela vida mesmo. Em uma pessoa que está apática e possivelmente em um estado depressivo, por exemplo, essa energia criativa, esse fogo, pode estar um pouco abrandado. É preciso acender tudo isso — aponta a terapeuta.
Diferente da massoterapia, a terapia tântrica é uma mística que vai acontecendo por meio de toques. Abrisi trabalha numa técnica chamada deva nishok, que começa com toques “leves como asas de borboleta” ao longo de todo o corpo, no intuito de despertar a bioeletricidade do organismo e de mostrar que o prazer não está somente nas zonas erógenas. Na sequência, a ideia é conectar essa eletricidade com o centro onde se aloja a energia kundaline. Para isso, nas mulheres, a terapeuta faz uma série de manobras suaves junto ao genital, que são aplicadas com as mãos, usando luvas e óleos. A massagem também pode ser feita em homens, mas a técnica é outra.
— Devagarzinho, a gente vai estimulando todo um potencial novo que a mulher pode desenvolver no corpo. A massagem ajuda a fortalecer toda a musculatura da região, fortalece também a enervação clitoriana para que ele possa sustentar todo o seu potencial orgástico. Em nível interno, pode ser feito o estímulo do ponto G. O tantra é sobre aceitar sentir o prazer e buscar formas de elevá-lo — explica.
De acordo com a terapeuta, essa energia pode ser direcionada para a própria sexualidade, para orgasmos mais satisfatórios, uma vida sexual mais plena, ajudando a mulher a conhecer melhor o seu corpo, se olhar, se tocar e se aceitar em todas as suas facetas.
Para além disso, a vibração também pode ser canalizada para a superação de dificuldades, traumas e para incentivar processos criativos da vida do indivíduo. Abrisi relata que os feedbacks que costuma receber são, em geral, relacionados à redução de estresse, de ansiedade e de culpa e à entrada em um estado de mais presença e serenidade.
No tantra, acredita-se que a energia sexual é o canal pelo qual “se pode retornar à fonte”, à divindade que seria a mente mais ampla, a alma. A partir dessa informação, Abrisi afirma ser possível fazer com que caiam por terra os tabus relacionados ao sexo e ao prazer, e assim relaxar um pouco mais com a vida, sentindo menos culpa pelos prazeres que ela tem a oferecer, como o do descanso e do próprio sexo.
— Uma das coisas sobre as quais converso muito com as mulheres é a respeito de transcender essa visão de que “sexo é pecado, algo sujo, impuro”. É necessário entender que a energia sexual tem um potencial muito forte no nosso corpo, e a gente precisa aprender a fazer com que ela desperte, se intensifique e seja direcionada para o que a gente quer — conclui.